I. O capital preside a política
É preciso
entender que, no Brasil e no mundo, a política é ainda e cada vez mais
do capital, não do Estado. Isto porque as decisões políticas das
sociedades contemporâneas têm mais ligação com o interesse do poder
econômico do que com aquele dos próprios governantes. Os Estados, que
têm um papel fundamental na reprodução capitalista, ainda que decidam e
atuem, têm se revelado, nas últimas décadas, caudatários das decisões
imediatas realizadas por grandes grupos econômicos. Assim sendo, as
questões mais importantes da política acabam por ser, diretamente,
aquelas que interessam ao capital. Quando as decisões são tomadas a
favor do povo ou de modo contrário às burguesias, por exemplo, os
grandes grupos econômicos e seus interesses têm alta força de contenção e
mesmo de sabotagem em relação a tais políticas que lhe sejam opostas.
Neste ano de
2013, o maior exemplo do grande jogo entre a política e a economia, no
Brasil, não se deu com as manifestações populares, mas, sim, com a
relação entre o Estado brasileiro e o capital, em especial no refluxo
das políticas intervencionistas dos últimos anos em favor daquelas
marcadamente neoliberais. O caso notório é o da taxa oficial de juros.
Após uma queda heroica nos primeiros anos do governo Dilma, a
resistência e a pressão contrária do grande capital revelaram-se
tamanhas, inclusive em termos de represália política e apatia econômica,
que o governo retrocedeu em largos passos, majorando novamente os
juros. Junto com a queda de braços em torno da taxa de juros, a
depreciação insuficiente do câmbio, mantendo-o ainda elevado, e a
insistência em políticas de contenção de gastos públicos para pagamento
de juros da dívida são outros momentos cruciais da grande política.
Nesse jogo, no qual poucas e enviesadas luzes foram lançadas pelos
grandes meios de comunicação de massa e cuja complexidade escapa aos
olhos da atenção quotidiana do povo, deu-se mais uma vez a derrota de
políticas desenvolvimentistas em favor da retomada dos padrões
neoliberais.
Como romper
então, definitivamente, com tais padrões neoliberais do atraso? Em todas
as sociedades capitalistas, as políticas mais progressistas só
conseguem se sustentar com grande mobilização popular. Para isso, é
preciso que haja cultura política ativa nas bases sociais e, ainda,
mecanismos de informação e de comunicação de massa plurais e arejados.
Uma das grandes impossibilidades quanto ao enfrentamento dos interesses
dos grandes capitais, no Brasil, se dá justamente porque há uma dinâmica
de acoplamento imediato entre as burguesias nacionais e internacionais e
os meios de comunicação. Assim sendo, o povo é sempre informado de modo
que a boa notícia a ele propagada é, na verdade, contra seus
interesses. Enquanto não houver o enfrentamento desse padrão, não há
política econômica progressista possível ou sustentável, na medida em
que o povo está orientado ideologicamente contra qualquer avanço que
seja progressista. Como todo enfrentamento nesse nível demanda ampla
mobilização popular, aí está o impasse, justamente por não haver apoio
nem alavanca para mudanças. A política progressista, aliás, não deve só
contar com o povo, mas, em especial, deve partir dele.
Não há
possibilidade de mudanças econômicas e sociais substanciais se não
houver mobilização popular, politização das massas e exposição dos
conflitos a serem superados. Ao contrário de outras experiências de
esquerda da América Latina, os governos Lula e Dilma operam sem a
mobilização e a politização do povo. Nesse quadro, até mesmo suas ações
positivas não podem avançar. Ainda que louvada como prudência, trata-se
de uma política que resulta apenas em ganhos residuais ou apoiada em
margens de habilidade pessoal e sorte, pois administra conflitos como
concórdia.
As massas,
hoje, continuam instrumentalizadas de modo conservador pelos grandes
aparelhos ideológicos da sociedade. Como isso não tem sido enfrentado, a
política, mesmo quando com laivos ou desejos progressistas, acaba sendo
limitada ao talhe que a economia, a cultura e a sociedade promovem como
sua média: conservador e/ou reacionário.
II – Crise e política
As
manifestações populares são mais um termômetro a repetir que as
condições da sociabilidade capitalista são exploratórias e
insuportáveis. Os indignados não estão apenas no Brasil. Todas as
sociedades capitalistas são deflagradas em conflitos. Revoltas de tipos
próximos às havidas no Brasil explodem já há anos na Europa e nos EUA;
no mundo árabe o mesmo se deu nos últimos tempos e, na América Latina,
também de modo constante em muitos países. Assim sendo, é verdade que as
manifestações possam ser pensadas pelo nível local, de problemas
específicos, mas, principalmente, devem ser compreendidas por meio das
questões gerais, das dramáticas condições de vida sob a sociabilidade
capitalista.
As atuais
crises do capitalismo não têm sido enfrentadas a partir de suas causas,
mas apenas por meio de mudanças superficiais ou cosméticas, quando
muito. No mesmo impasse situa-se a contestação à crise. Contra o
desemprego, quase sempre não se pede o fim da exploração capitalista,
mas sim novos empregos. O imaginário político dos explorados está
enredado nos limites do capitalismo, sem forças para superá-lo. Por isso
as manifestações são cada vez mais explosivas, massivas, contundentes,
mas sem horizontes profundos, sem aglutinação teórica e prática que leve
à superação do capitalismo. Por onde elas começam, que é o nível da
política imediata, do aumento da passagem do transporte público ou das
condições urbanas, em geral é por onde também acabam. É notável e
louvável que o povo e as vanguardas dos movimentos de contestação
estejam nas ruas. Triste é apenas observar que tem faltado um rasgo
ideológico capaz de fazer com que os indivíduos e os movimentos sociais
queiram e possam haurir forças de luta estrutural contra o capital.
No nível
mundial, o capitalismo está numa espécie de “refluxo do refluxo”, isto
é, num movimento agora de contenção da reação que se deu no pós-crise de
2008. Os tempos de intervencionismo começam a minguar em favor de
discursos novamente neoliberais. A hegemonia das ideias conservadoras,
que sofreu pequeno combate ao tempo de ápice da crise, volta à tona. O
reacionarismo cultural campeia. Soma-se à política econômica de guerra
norte-americana o seu poder de controle das informações, no que se
avista como sendo um processo sem limites.
Quanto às
manifestações, que têm o condão de acelerar tempos históricos,
juntaram-se às importantes pautas progressistas, ao seu final, outras
tantas reacionárias. No entanto, as respostas políticas dadas pelos
variados governantes nos planos federal, estaduais e municipais ao tempo
das manifestações e posteriormente a elas foram múltiplas e
contraditórias, entre repressão e estabelecimento de políticas públicas
para um desafogo imediato dos problemas. Mas é preciso lembrar que
políticas de caráter progressista são aquelas que tendem a respeitar
movimentos sociais e manifestantes, dando vazão a seus apelos, enquanto
um cariz conservador e reacionário os nega e os reprime. É por essa
métrica que devem ser julgadas as respostas imediatas aos movimentos
presentes.
Contudo,
mesmo as respostas progressistas – que eventualmente anelem
encaminhamentos concretos às demandas dos movimentos e das manifestações
–, têm dificuldade em avançar para além do desembaraçar imediato desses
problemas sociais. Operando na salvação dos próprios parâmetros de
sociabilidade do capital, até as políticas do presente de perspectiva
progressista acabam por sustentar a exploração existente, prolongando,
ao invés de cessar, a agonia do modo de produção capitalista, agonia
esta que se vê, em especial, nos pobres do mundo. Não havendo remendos
progressistas que revertam a crise do capital ou que estabilizem o
capitalismo, a política transformadora só pode ser, então, aquela que
aponta para a superação da sociedade da mercadoria.
III. Ética e legalidade
A reprodução
social capitalista investe em afirmações ideológicas de ética e
legalidade como se fossem seus padrões universais ou reclames
necessários ao seu bom funcionamento. Seu uso é contraditório em seus
próprios termos, na medida em que padrões éticos como o do combate à
corrupção ou da legalidade como valor moral são impossíveis ao
capitalismo, dada a própria natureza da sociedade da mercadoria.
O assim
chamado mensalão nem é o maior nem o único caso de corrupção no Brasil. A
corrupção está atrelada à base da sociabilidade capitalista. Se o
capital compra o trabalho e as vidas das pessoas, ele influencia
sobremaneira os trâmites da política. A corrupção, assim, está
perpassada por toda a sociedade. Desde os administradores das empresas
privadas, passando pela população no geral em pequenas ilegalidades, até
chegar ao nível eleitoral e estatal, o capital compra. Não é possível
tentar criar espaços éticos parciais, incorruptíveis, em sociedades
capitalistas, na medida em que o capital tem por natureza o poder de
comprar. Uma ética da não-corrupção econômica só é possível em
sociedades economicamente não-exploratórias. As campanhas moralistas de
tipo udenista da atualidade, portanto, são cínicas – porque extremamente
parciais e escandalosas apenas com os crimes que tenham sido
descobertos ocasionalmente e, necessariamente, alheios – e, também,
sabidamente alienantes, na medida em que encarnam em pessoas ou casos um
problema que é de uma estrutura social, o capitalismo. Como não se
mobiliza a sociedade para a superação do mundo do poder do capital, esse
círculo de corrupção e posteriores expurgos parciais moralistas é
vicioso, além de muito danoso, no final das contas, aos próprios
explorados do mundo.
No que tange
ao Brasil, afirma-se cada vez mais o controle ideológico da sociedade,
tanto na cultura e na religião mas, em especial, nos aparelhos de
comunicação de massa, que pautam de modo conservador a política e os
valores. Nesse quadro, o reclame da ética é, de modo absoluto, um jogo
de manipulações, sombras e luzes dos grandes maquinários da construção
dos valores e referências da sociedade.
A mesma
impossibilidade da ética afirmada e exigida se dá no que tange à
submissão das ações econômicas e políticas a uma moralidade sustentada
juridicamente. Sobre as revelações acerca da espionagem dos EUA contra o
Brasil e vários países do mundo, eis mais uma prova de que o poder
econômico não tem limites. Nem o direito internacional nem uma pretensa
dignidade da inviolabilidade da vida privada podem a ele resistir. Não
há, juridicamente ou moralmente, o que faça parar o poder do capital e
de sua força militar, de tal sorte que os EUA nem pedem desculpa nem se
predispõem a mudar seu comportamento. Isto porque quem pode manda. Os
EUA, com seu complexo governamental industrial-militar, constituem,
sustentam e alimentam a exploração capitalista sobre o mundo. Não há e é
impossível que haja qualquer ética estrutural na política mundial do
capital.
IV. O plano eleitoral
O ano de
2014 é mais um no qual a batalha política será jogada num campo reativo.
No plano nacional, a política confinou-se a ser refém tanto das pautas
dos meios de comunicação de massa conservadores quanto, em especial, de
grandes estratégias de financiamento econômico privado. Quase sempre as
eleições exigem posterior satisfação ou pagamento de financiadores,
atrelando todo jogo político aos interesses do capital. A democracia, em
sociedades capitalistas, opera como uma máquina de metrificação de
opiniões já consolidadas, entregando justamente o que se espera, de modo
reativo, sem maiores convencimentos ou aberturas de consciência
política. Se a sociedade é preconceituosa, entrega-se então justamente o
preconceito. Se o povo é desconhecedor das reais estruturas da política
e da economia, opera-se exatamente nesse nível, fazendo marketing a
partir dos estágios dados da ignorância. Trata-se de um nível baixo e
rasteiro no qual a vida política se resume a fazer pedalar uma bicicleta
já em movimento a fim de que não caia, mas sem jamais perguntar para
onde se está indo ou se se pode ir com outro meio de transporte.
Tal lógica
perpassa desde as grandes eleições majoritárias nacionais até as
municipais. Em todo o mundo, e o Brasil e os EUA sendo casos exemplares
mas não únicos, o capitalismo atrela a consulta individual para escolha
de ocupantes de cargos públicos – isso a que chama de democracia e
eleição – a um rígido controle ideológico e a uma lógica que faz com que
só se ganhe se financiado pelos capitalistas, devendo então a posterior
política ser jogada e devolvida em favor destes. As eleições são a
administração da chancela, pelo povo, do domínio do capital. Mercado,
Dinheiro, Estado, Ordem, Direito, Democracia, Liberdade, Imprensa,
Religião, Homem: enfileira-se o um do capital.
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