Ensino superior privado no Brasil apresenta cenário de
concentração e domínio de investimentos de fundos internacionais. Como
isso pode influenciar a qualidade da educação?
No dia 22 de abril deste ano, foi anunciada a fusão das empresas
Kroton Educacional S.A. e Anhanguera Educacional, uma transação que
resultou em uma companhia cujo valor de mercado é estimado em R$ 14,1
bilhões. No total, o grupo passa a contar com 800 unidades de ensino
superior e 810 escolas privadas associadas à educação básica,
distribuídas em todos os estados do Brasil. Ainda que a efetivação da
negociação esteja condicionada à aprovação pelo Conselho Administrativo
de Defesa Econômica (Cade), trata-se de uma sinalização forte de uma
mudança que vem ocorrendo há alguns anos no ensino superior brasileiro,
com a financeirização, movida pelo capital estrangeiro, exercendo um
papel relevante nesta nova etapa de concentração das empresas do setor
educacional no Brasil.
A criação da companhia foi divulgada alguns dias depois de o Cade ter
autorizado a aquisição da Unifec, controladora da Universidade do
Grande ABC, pela Anhanguera, anunciada em 2011. Dois anos antes, o fundo
estadunidense Advent International havia comprado 28% da Kroton, que
depois adquiriu a Iuni Educacional. Uma engenharia sofisticada que
resultou na formação daquele que é considerado hoje o maior conglomerado
da área educacional do mundo. O modelo societário da nova empresa, a
Kroton Educacional, estabelece que, dos 24,1% de ações do bloco de
controle, 57,48% ficarão a cargo da Kroton, e 42,52% com os acionistas
da Anhanguera. Já os demais 75,9% do capital serão pulverizados no
mercado. Rodrigo Galindo, atual presidente da Kroton, continuará à
frente da nova companhia, enquanto Gabriel Mário Rodrigues, fundador da
Universidade Anhembi Morumbi e presidente do Conselho de Administração
da rede de universidades Anhanguera, será o chefe deste conselho.
“A Kroton tem por origem o Pitágoras, de Minas Gerais, e depois se
juntou com o grupo Iuni, do Brasil central, e constituiu este
aglomerado que se chamou Kroton e que tem um fundo de capital
estrangeiro que injeta dinheiro e abriu as ações para o mercado
internacional”, conta Celso Napolitano, presidente da Federação dos
Professores do Estado de São Paulo. “A Anhanguera começou com um
conjunto de faculdades isoladas, que tinham esse nome exatamente porque
se localizavam nas cidades ao longo da rodovia Anhanguera. Também, a
partir daí, foi organizada financeiramente pelo banco Pátria, e no
momento de abrir o capital, rodaram o mundo captando dinheiro de vários
lugares. Então, na verdade, o que existe nesse cenário é a inserção de
capital estrangeiro nesses grupos multinacionais, abertos ou fechados.”
As mudanças na educação superior ganharam força após a
redemocratização, em especial depois da promulgação da constituição de
1988, que disciplinou o princípio de autonomia universitária, criando um
instrumento importante para as instituições privadas que era a
possibilidade de não estar sob a guarda do controle burocrático do
antigo Conselho Federal de Educação (CFE), principalmente em relação à
criação e extinção de cursos nas sedes e ao remanejamento do número de
vagas oferecidas, conforme lembra Helena Sampaio, antropóloga e
professora da Faculdade de Educação da Unicamp, no artigo “O setor
privado de ensino superior no Brasil: continuidades e transformações”,
publicado na Revista Ensino Superior Unicamp. “Essa prerrogativa
permitiu à iniciativa privada responder de forma mais rápida ao
atendimento da demanda. Entre 1985 e 1996, o número de universidades
privadas mais do que triplicou (de 20 para 64), evidenciando a percepção
do setor de que instituições maiores e autônomas, com uma oferta mais
diversificada de cursos, teriam vantagens competitivas na disputa da
clientela em um mercado estagnado”, diz. “Consistentemente, à medida que
o número de universidades particulares crescia, o de estabelecimentos
isolados diminuía, evidenciando processos de fusão e/ou incorporação de
instituições no setor.”
Assim, houve um movimento que combinou a interiorização das
faculdades, com uma capilaridade maior, com a diversificação da oferta
de cursos. Mas a normatização que seria crucial para que o ensino
superior se transformasse foi o artigo 1º do Decreto 2.306, de agosto de
1997. “Esse artigo dispõe que as entidades mantenedoras poderão assumir
qualquer das formas admitidas em direito, de natureza civil e
comercial, e quando constituídas como fundações serão regidas pelo
Código Civil Brasileiro (art. 24). Ou seja, o artigo permitia às
entidades mantenedoras das instituições de ensino superior alterar seus
estatutos, escolhendo assumir natureza civil ou comercial”, ressalta
Helena em seu artigo.
Antes desse momento de transformações da legislação da área, que
também envolveu a promulgação da Lei de Diretrizes e Bases da Educação
(LDB), em 1996, as instituições de ensino superior (IES) só podiam
existir desprovidas da figura do proprietário, como associações ou
fundações. À época, surgiu a possibilidade de poderem captar recursos
abrindo seu capital na bolsa de valores. “Desde então, para que a
instituição se transforme em sociedade anônima ou limitada, é suficiente
que os sócios se reúnam em assembleia e a proposta para a formação da
sociedade com fins lucrativos receba a maioria dos votos. Para abrir o
capital na bolsa de valores, é necessário que a instituição tenha fins
lucrativos, disponha dos três últimos balanços financeiros auditados por
empresas credenciadas e tenha um plano de negócios”, explicam Manolita
Correia Lima e Fabio Betioli Contel, no livro Internacionalização da Educação Superior
(Alameda Casa Editorial). “Até 2007, quatro grupos privados tinham
conseguido abrir o respectivo capital no mercado financeiro: Anhanguera
Educacional, Kroton, Estácio Participações e o grupo SEB (Sistema
Educacional Brasileiro).”
Em relação aos três primeiros grupos, o professor de Economia e
Finanças Amaury José Alves Aranha explicou, em artigo publicado na
página eletrônica da Confederação Nacional dos Trabalhadores em
Estabelecimentos de Ensino (Contee) no mês de abril (antes do anúncio da
fusão da Kroton e Anhanguera), como conseguiram chegar a uma posição de
destaque dentro do mercado, reforçando ainda mais a concentração
econômica da área. “Foi através das operações de IPO – Initial Public
Offering (traduzindo: “emissão pública de ação”), que também é
denominado de “mercado primário”, que as empresas captaram expressivos
recursos monetários junto ao mercado para posteriores aplicações em seus
objetivos de investimentos e/ou expansão. As três instituições de
ensino aqui citadas realizaram, além das emissões primárias, as
operações de underwriting [emissão de debentures] e captaram milhões de
reais que possibilitaram significativa expansão, com aquisição de
diversas faculdades em diversas regiões do Brasil e possibilitaram
faturamentos bilionários e polpudos lucros.”
Aranha segue destacando o crescimento que tais operações permitiram.
“O faturamento das três empresas é significativo e elas apresentaram
crescimentos nominais em relação ao exercício encerrado em 31/12/2011. A
Kroton foi de 91,5 %, quase dobrando a ROL – Receita Operacional
Líquida em relação ao ano anterior. A Anhanguera, que vem apresentando
bons crescimentos ano a ano, manteve bons níveis de evolução em 2012 em
relação ao ano anterior, crescendo 30,4%. A Estácio foi a que apresentou
menor crescimento, mas mesmo assim foi de 20,4%. Poucos negócios
apresentam tais níveis anuais de expansão econômica, ainda mais
considerando um ano em que o crescimento da economia foi ínfimo e
inclusive com o Produto Interno Bruto tendo sido batizado de ‘pibinho’.”
Isso possibilitou que as empresas continuassem aumentado seu ritmo de
aquisições. “O ponto de maior destaque foi a continuidade de aquisição
de novas IES pelas empresas educacionais, o que, mais que a expansão do
ROL, incentivou a expansão dos ‘lucros’. A Kroton apresentou um
crescimento substancial e atingiu 446% em relação a 2011. A Anhanguera
atingiu 261%. A Estácio foi a de menor crescimento, mas mesmo assim
cresceu 56,3%, mais que proporcionalmente ao seu ROL, que foi
apresentado acima com um crescimento de 20,4%”, explica Aranha.
O poder dos fundos
Em todo esse processo de financeirização, um novo tipo de ator surgiu
e passou ter voz e vez no mercado educacional: os fundos de
investimento. Eles são os protagonistas dessas grandes movimentações no
setor e representam a entrada de capital e também de ingerência
estrangeira. Esse processo foi iniciado antes mesmo da entrada dos
grupos na bolsa de valores, mais precisamente em 2006, quando a
estadunidense Laureate International, controlada pelo fundo KKR, comprou
a Anhembi Morumbi. Hoje, a Estácio de Sá é administrada também por um
fundo, o GP; a Anhanguera, pelo banco Pátria; a Kroton, pela Advent
International.
Na composição da nova companhia Kroton/Anhanguera, os fundos Advent e
Pátria, já presentes no comando dos grupos atuais, continuarão à
frente. Esse protagonismo e a internacionalização não se restringem
apenas à área do ensino privado em universidades e escolas, alcançando
também a produção de material didático. Em agosto de 2012, a Buffalo
Investimentos passou a ter o controle da produção de apostilas e
treinamento docente do Universitário e, no mesmo mês, os britânicos da
Pearson, o maior grupo editorial do mundo, que tem publicações como a
The Economist, adquiriu, em julho de 2010, os sistemas de ensino COC,
Pueri Domus e Dom Bosco, que pertenciam ao Sistema Educacional
Brasileiro (SEB).
Em entrevista ao portal IG, Gabriel Mário Rodrigues, sócio da
Anhanguera e tido como principal articulador da fusão, explicava em
linhas gerais o papel dos fundos. “[Hoje] não tem mais dono de empresas.
A tendência é não ter mais donos. Os donos são os fundos de pensão e os
fundos de private equity feitos pelos bancos”, pontuou. “Um fundo
promete determinado resultado para o investidor e, quando ele faz um
aporte na empresa, exige que esse resultado possa acontecer. Vai ter
sempre a questão de como possibilitar ter um bom produto educacional com
o resultado de quem investiu, isso ninguém vai poder fugir. E aí estão
os organismos governamentais e órgãos reguladores para tratar a
questão”, complementou. Perguntado, na mesma matéria, sobre se o fato de
a maioria dos cursos da Anhanguera se encontrarem na faixa mínima
aceita pelo Ministério da Educação (MEC) para operar era suficiente,
Rodrigues diz que “acha que sim”, afirmando que “a grande questão nossa
agora é dar estudo razoável para todos os nossos alunos”.
Embora os grandes grupos tenham um olhar otimista a respeito do novo
modelo vigente no ensino privado brasileiro, inúmeros acadêmicos e
profissionais da área apontam que o novo modelo pode afetar ainda mais a
qualidade dos cursos, que já sofre grandes questionamentos desde que se
deu sua expansão. Para o filósofo e professor da Universidade de São
Paulo (USP) Vladimir Safatle o sistema no qual grandes grupos de capital
aberto na Bolsa de Valores controlam instituições de ensino superior
nunca se mostrou compatível com as exigências necessárias para se
garantir uma boa qualidade no ensino. “Não existe nenhum local no mundo
onde boas universidades sejam gerenciadas por grupos dessa natureza. As
que eles gerenciam, geralmente, são de segundo escalão, mesmo nos
Estados Unidos”, afirma. De acordo com ele, a internacionalização feita
nesse molde, predominantemente mercantil, não traria grandes
contribuições para a educação brasileira. “Não vejo em que esses grupos
podem colaborar com a luta em prol da qualidade do ensino universitário.
Ao contrário, eles vão impondo um regime de avaliação e um regime de
rentabilização que, muitas vezes, é contrário ao ambiente necessário
para que boas pesquisas sejam realizadas dentro da universidade.”
Em sentido semelhante, os autores de Internacionalização do Ensino
Superior atentam para o risco de se tratar a educação, um direito
fundamental, como uma mercadoria qualquer. “Não seria impróprio admitir
que se vive hoje um intenso processo de mercantilização ou mesmo de
‘commoditização’ do ensino superior, com as formas de prestação de
ensino superior sendo equiparadas a outros produtos negociados no
mercado internacional como minérios, grãos etc.” Uma das possíveis novas
negociações do setor evidenciam esse caráter. O grupo paranaense
Positivo estudava, até o fechamento desta edição, sua entrada na bolsa
ou a venda parcial de seus negócios, em especial a área educacional (o
setor de informática ficaria de fora da operação). Um dos possíveis
interessados pela aquisição seria um consórcio formado pelos fundos de
private equity Carlyle Group e Apax Partners, ambos dos Estados Unidos. O
primeiro é dono de negócios tão diversos como a rede de venda de móveis
Tok&Stok, a agência de viagens CVC, a varejista de brinquedos Ri
Happy e a fabricante e varejista de lingerie Scalina.
“Agora, temos a presença de um setor, o das finanças, que reúne
investidores de diversas partes do mundo como fundos de pensão,
particulares e bancos, que turbinam financeiramente alguns fundos de
investimento que saem à cata de novos negócios. Em geral, eles atuam por
meio de fusão e reestruturação de empresas. O mesmo fundo que faz a
fusão da Sadia com a Perdigão faz a reestruturação da Estácio de Sá”,
aponta Roberto Leher, professor da Faculdade de Educação da Universidade
Federal do Rio de Janeiro (UFRJ). “Isso significa dizer que a
racionalidade que preside o funcionamento da instituição privada
obedece a uma lógica, uma forma de ser do capital financeiro, que é
obviamente incompatível com qualquer atividade educacional. E isso é
muito mais grave quando estamos falando da formação de boa parte da
juventude brasileira, que hoje frequenta alguma instituição de ensino
superior.”
Outro ponto abordado no livro de Manolita Correia Lima e Fabio
Betioli Contel diz respeito ao que eles denominam “geopolítica do
conhecimento”. “Algumas poucas nações do globo veem fortalecidos seus
respectivos Estados nacionais, suas universidades e corporações
transnacionais e conseguem projetar em outros territórios vicissitudes
próprias. Encaminham os investimentos externos diretos, valem-se de
diferentes estruturas demográficas e de meios técnicos disponíveis para a
realização de seus respectivos projetos de poder. No caso da produção
do conhecimento, essa realidade parece emblemática: ao invés de diminuir
desigualdades, aumenta-as; em lugar de democratização universal do
acesso à produção e difusão do conhecimento, faz dele uso privado e
corporativo”, afirmam. De acordo com eles, a ingerência de institutos
multilaterais como o Banco Mundial ou a Organização Mundial de Comércio
(OMC) obstrui a possibilidade de países terem autonomia para definir
suas políticas internas, desrespeitando a cultura local e as
necessidades nacionais e regionais, afetando a ideia de serviço público e
criando uma assimetria ainda maior entre os países do centro, que já
possuem uma estrutura universitária consolidada, e os periféricos.
Roberto Franklin Leão, presidente da Confederação Nacional dos
Trabalhadores em Educação (CNTE), também vê problemas em relação ao
domínio dos investimentos externos na educação superior. “É um perigo
muito grande para autonomia no processo de construção de conhecimento no
nosso país. Essas universidades, na sua grande maioria, além de só
visarem ao lucro e negociarem suas ações em bolsas de valores, não têm
nenhum compromisso com o Brasil e nenhum compromisso em produzir
conhecimento e fazer pesquisa”, alerta. “Não podemos deixar de lembrar
que as diferenças culturais, étnicas e históricas têm de ser tratadas e
aprofundadas, e um local para fazer essa análise aprofundada é a
universidade, os cursos superiores. Senão, vão trabalhar com o currículo
e o padrão mínimos. É tudo o mínimo para oferecer um diploma de curso
superior para um aluno que, quando vai para o mercado, sabe-se lá se vai
ser aceito.”
Leão atenta ainda para a questão dos cursos que são oferecidos por
esses grupos. “Normalmente, esses cursos são feitos para atender
determinadas demandas que são sazonais. Portanto, são feitos para
atender aos interesses do mercado. Terminado o interesse do mercado
naquele determinado ramo de conhecimento, essas pessoas vão ficar sem
ter o que fazer, e vão ter de voltar à escola”, explica. ‘É claro que
você tem de estar atento a formar um profissional que está sempre se
atualizando. O que não dá é para construir cursos de nível superior
simplesmente para atender uma demanda de mercado, no qual o objetivo
maior é o lucro das universidades.”
Ensino a distância e atuação do governo
A preocupação com a internacionalização do ensino superior não
inquieta apenas docentes e profissionais da área de Educação. A União
Nacional de Estudantes (UNE), por exemplo, participa da campanha
“Educação não é mercadoria”, que tem como um dos focos a questão da
desnacionalização, foi criada pela Contee em 2007 e mantém sua bandeira
até hoje.
Universidades, centros universitários e faculdades particulares que
não contam com fundos em sua composição administrativa também demonstram
receio. Fernando Costa, presidente da Grupo Educacional Uniesp, reclama
da desigualdade em relação à concorrência dos grandes conglomerados. “A
gente tem enfrentado concorrência desleal destes grandes grupos. Eles
têm um cartel. Hoje, se você pegar os órgãos que até então representavam
as mantenedoras e as instituições, quem estão nas presidências? A
Semesp [Sindicato das Entidades Mantenedoras de Estabelecimentos de
Ensino Superior no Estado de São Paulo] e outras representam grandes
grupos internacionais nas suas presidências e interesses maiores”,
argumenta.
Costa sustenta que os grupos que contam com financiamento
internacional utilizam instrumentos para tornar a educação menos
custosa, como o ensino virtual. “Fico temerário com o ensino a
distância. O povo brasileiro, mais de 80%, vem de uma formação do ensino
básico que é precária, com uma série de problemas. Não é culpa do
aluno, é culpa do Estado que não deu o que é sua obrigação, um ensino de
qualidade, com professores em sala de aula bem remunerados, e estrutura
adequada. O Brasil não está preparado para ter a modalidade de ensino a
distância”, acredita. “O aluno vem de uma formação deficiente, como ele
vai conseguir via web ter um aprendizado? Por mais que se tenha um
ensino de excelência, ele não foi preparado para isso, essa é a
realidade brasileira. Não adianta a gente falar de educação para uma
elite, porque essa elite é muito pequena no Brasil.”
No artigo “O setor privado de ensino superior no Brasil:
continuidades e transformações”, citado anteriormente, Helena Sampaio
destaca o crescimento do ensino a distância no Brasil. “Capitaneada pelo
setor privado, a oferta de cursos de graduação a distância também
cresce em ritmo acelerado, considerando que essa modalidade instalou-se
no Brasil apenas em 2000. Em 2008, do total de 727.961 matrículas nessa
modalidade de ensino, o setor privado respondia por pouco mais de 60%.
Certamente isso não aconteceria sem o avanço das novas tecnologias da
informação e comunicação, mas também não teria atingido tais cifras se o
setor privado não liderasse a inovação. Para o setor privado, a oferta
de graduação a distância significa redução de custos”, diz. Hoje,
algumas faculdades têm três ou quatro dias de aula por semana de forma
presencial, preenchendo o restante com ensino via web.
Nesse cenário, o papel do governo pode ser crucial. Até porque é por
meio de programas de financiamento estudantil como o Programa
Universidade para Todos (Prouni) e o Fundo de Financiamento Estudantil
(Fies) que se ampliaram as matrículas no nível superior, nos últimos dez
anos, em 110%. “O principal banco que atua nessa área, o Itaú, diz que o
que motiva a internacionalização e garante que a taxa de lucro siga em
um patamar muito elevado é a existência de um mercado consumidor que,
pela concentração de renda no Brasil, não existiria sem o fundo público.
O fundo público é o que impulsiona, é o que dirige, é o que guia a
expansão do setor privado”, salienta Roberto Leher. “O Fies oferece
subsídios enormes em termos de recursos públicos na forma de empréstimos
com juros subsidiados. A taxa de juros deve estar em torno de 3%,
quando a taxa Selic está em 8,5%. Essa diferença alguém paga, e quem
paga é o fundo público.”
Leher argumenta ainda que o Fies criou um público consumidor que
mantém o mercado aquecido. “O ProUni, com as isenções tributárias,
alargou a margem de lucro das instituições mercantis na ordem de
aproximadamente 20% Antes, esses recursos eram repassados em forma de
impostos e contribuições. Com as isenções, isso vira lucro. A taxa de
exploração do trabalho também aumentou muitíssimo, então, a
possibilidade de uma margem generosa está garantida pelo colchão que o
Estado garante com o Fies e o ProUni. Sem eles, não teríamos esse
processo de internacionalização e a chegada dos fundos de investimento.”
“Nós, da CNTE, sempre apoiamos o ProUni como uma medida transitória,
temporária. Sempre dissemos ao MEC que as universidades que fazem parte
do programa teriam de ter qualidade, não sendo universidades que
oferecessem cursos de segunda categoria. A isenção que eles estão tendo é
um dinheiro que poderia ser investido na educação pública, mas, em
razão da situação de termos milhares de alunos e jovens em idade de
frequentarem a universidade, e pelo fato de o poder público não ter
condições de oferecer as vagas, entendemos que aquilo seria uma saída
temporária”, avalia Franklin Leão. “O compromisso com a qualidade da
educação oferecida tem de ser política do governo.”
Fernando Costa também sugere que o Ministério da Educação tenha uma
postura de diálogo maior com instituições nacionais, muitas delas, de
acordo com ele, fragilizadas do ponto de vista financeiro. “O que falta
para o setor é apoio do governo. Não é apoio financeiro, que é
importante também, mas mais de orientação, supervisão, estar mais
próximo. Muitas instituições brasileiras são administradas por
professores e famílias de professores. O governo deveria abraçar mais
essas instituições”, defende.
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