Da Afropress
Ao mesmo tempo em que passou a considerar o racismo crime hediondo, o
anteprojeto em tramitação no Congresso Nacional, se aprovado, poderá
representar um grande retrocesso na legislação antirracista ao autorizar
os juízes a aplicação do princípio da insignificância – princípio que é
aplicado aos crimes de bagatela, ou de mínima importância – quando o
juiz é autorizado a deixar de aplicar pena.
O alerta foi feito pelo grupo de trabalho (GT) constituído por
advogados negros e antirracistas que, na quarta-feira (31/10), fizeram a
entrega do documento “Proposição de alterações ao anteprojeto do Código
Penal quanto às tutelas raciais”, com propostas de mudanças, ao senador
Paulo Paim (PT/RS), durante audiência pública promovida pela Comissão
de Direitos Humanos e Legislação Participativa do Senado.
Contradição
No documento entregue a Paim e aos senadores Ana Rita (PT/ES), Tomás
Correia (PMDB/RO), Lídice da Mata (PSB/BA) e Eduardo Suplicy (PT/SP) –
que participaram da audiência pública – os advogados lembram que, além
do crime de racismo ser considerado inafiançável e imprescritível pela
Constituição Federal, o Brasil é signatário da Convenção Internacional
sobre a Eliminação de Todas as Formas de Descriminação Racial (Dec.
65.810/1969) em que se obriga a criminalizar e punir com rigor esse tipo
de delito.
Para o advogado Dojival Vieira, editor de Afropress e integrante do
GT, é uma contradição evidente que um crime que é considerado
inafiançável e imprescritível e que a Comissão de Juristas pretende que
seja hediondo, "possa ter o mesmo tratamento dos crimes de bagatela,
como o furto de uma galinha, por exemplo, quando os juízes pela pouca ou
nenhuma gravidade são autorizados a não aplicar penas".
O relator do GT lembra que a Convenção "tem estatuto normativo
superior a qualquer norma infra-constitucional em vigor ou que venha a
ser adotada, e, por isso não se poderá dar ao Estado juiz o emprego de
critérios de oportunidade e conveniência para punição do crime de
racismo”.
O GT propôs que o princípio não seja utilizado quando os delitos
estiverem previstos em Tratados internacionais ratificados pelo Brasil,
como acontece no caso de crimes de racismo.
Retrocesso
Um outro retrocesso apontado pelo GT de Advogados negros e
antirracistas é o art. 472 do anteprojeto em que é adotado, para crimes
de racismo, o tipo penal “fechado”, reduzindo a incidência de tais
crimes ao âmbito da administração pública, empresa privada, meios de
transporte, institucionais educacionais, hotéis ou estabelecimentos
comerciais ou esportivos.
“Se fosse necessário acrescentar algum argumento para evidenciar a
inconstitucionalidade da criação de um tipo penal fechado de racismo,
bastaria lembrar que a natureza do fenômeno da discriminação racial é
absolutamente incompatível com qualquer tentativa de descrição exaustiva
do tipo penal incriminador, portanto pode manifestar-se em incontáveis
circunstâncias, por meio de condutas omissivas ou comissivas e
conectadas ou não a outras condutas criminosas”, afirma Hédio Silva.
Para a ciência criminal o tipo penal aberto é usado para designar as
condutas que não descrevem completa e precisamente o modelo de conduta
proibida, havendo a necessidade para sua aplicação a um caso concreto,
de complementação derivada da interpretação feita por juristas,
advogados e juízes.
Injúria racial
Mesmo sem fechar posição em relação ao crime de injúria racial – que
vem sendo usado como biombo por acusados de crimes de racismo, por ser
mais leve – o GT também considerou inconstitucional o fato de o
anteprojeto tratar a injúria, crime de ação exclusivamente privada, ou
seja, é a própria vítima que deve tomar a iniciativa da ação, sem que o
Estado tenha qualquer obrigação nesse sentido.
“Sendo o crime de racismo considerado lesivo à humanidade (e não
apenas ao Estado e à sociedade brasileira) não é razoável que o Estado
brasileiro se furte ao dever de provocar, ele próprio, a persecução
penal, na hipótese de injúria qualificada por racismo”, pondera Hédio.
Os advogados negros e antirracistas propõem que, tanto a vítima
quanto o Ministério Público, possam adotar a iniciativa de entrar com a
ação, fato que é já é reconhecido por Súmula – a 714 – do Supremo
Tribunal Federal.
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