Nem a conquista de um prêmio internacional de “break”, nem a luta
por transporte público convertem a favela de São Remo — vizinha a USP —
em notícia. Mas a mídia pira numa operação policial…
Em fevereiro do ano passado, moradores do Jardim São Remo que
residiam em casas à beira de um riacho ficaram desabrigados. As fortes
chuvas que caíram destruíram suas casas. A prefeitura ofereceu, como
auxílio aos desabrigados, um “auxílio aluguel” de R$350,00 por seis
meses e nada mais. O jornal Notícias do Jardim São Remo (NJSR),
jornal comunitário produzido pelos alunos do primeiro ano do curso de
Jornalismo da ECA, sob a minha supervisão, cobriu o fato, inclusive com
uma edição especial. Além de cobrir o fato, mandamos releases para todos os órgãos de comunicação, mas apenas a rádio CBN cobriu o fato.
O Jardim São Remo tem, entre os seus moradores, jovens que fazem parte de um grupo de break,
o Cybernétikos, que disputou e chegou a ser vice-campeão mundial nos
EUA. Tem participado de certames internacionais há mais de três anos. O
jornal NJSR tem dado destaque à trajetória do Cybernétikos. O que a
mídia hegemônica tem falado disso? Nada.
Os moradores do Jardim São Remo têm sofrido constantemente com as
contas altíssimas de energia elétrica. A AES Eletropaulo tem se mostrado
refratária a qualquer discussão sobre as contas. A regularização das
ligações elétricas na comunidade foi acompanhada de várias confusões,
inclusive na troca das geladeiras que foi feita em dia de semana, quando
a maioria está trabalhando. O jornal NJSR tem acompanhado este problema
em várias edições. E a mídia hegemônica? Nada.
A reitoria da USP reduziu drasticamente a oferta do circular gratuito no campus universitário
do Butantã e implantou o “Bilhete USP” que permite a utilização
gratuita por parte de professores, alunos e funcionários diretos da
universidade de uma linha que circula no campus e vai até o
metrô Butantã. Boa parte dos moradores do Jardim São Remo trabalha em
empresas terceirizadas ou prestadoras de serviço na universidade e,
portanto, não tem direito ao “Bilhete USP”. Com o esvaziamento do
circular gratuito, estes moradores tiveram que arcar com um novo gasto
no seu orçamento. O jornal NJSR cobriu este fato e a mídia hegemônica,
nada.
O Jardim São Remo finalmente aparece na mídia hegemônica – durante a
invasão da Polícia Militar na comunidade no dia 30 de outubro. Imagens
passadas nos telejornais da hora do almoço mostraram a apreensão de
drogas, o desmonte de uma refinaria de cocaína e a busca de um suspeito
de ter matado um policial da Rota no mês passado no bairro do Butantã. A
favela ganha o horário nobre, no Jornal Nacional. É manchete principal
no portal UOL que fala de um túnel secreto por onde passavam drogas para
o campus da USP.
A imagem do Jardim São Remo que se constrói no imaginário é essa: um
local de bandidos, traficantes e assassinos de policiais. Os barracos
são pontos de refino de drogas. E a polícia vai até lá para acabar com
isso.
Enquanto isso, os moradores tiveram sua dura rotina alterada com as
“blitzes” dos policiais que pararam e revistavam todo mundo que passava.
Só a repórter da Globo, no SPTV – de helicóptero! – dizia que a vida na
comunidade continuava “normal”. Mas isto, assim como o grupo de break,
a festa das crianças da dona Fatinha organizada há 19 anos no dia 12 de
outubro nas ruas da comunidade, o futebol dos domingos, a escolinha de
futebol do Mariano que atende dezenas de crianças, a luta contra as
contas altas de energia, o Sarau da Remo que já dura um ano, o drama dos
moradores desabrigados do Riacho Doce, a batalha da Dona Eva que leva
crianças e adolescentes a visitar museus na USP, os agentes comunitários
de saúde do Centro de Saúde Escola que desenvolvem um trabalho de saúde
preventiva na comunidade, a associação de moradores, os projetos
Alavanca, Girassol, Circo-Escola funcionando com o trabalho de pessoas
da comunidade… Tudo isso que possibilita ter um olhar mais amplo sobre o
que é esta comunidade, está fora das páginas da mídia hegemônica. E não
só do Jardim São Remo, mas de Paraisópolis, Heliópolis, Cidade
Tiradentes, Capão Redondo e todas as periferias afora.
Esta é a importância do jornalismo comunitário, popular, alternativo,
contra-hegemônico. É nestes momentos que se verifica o olhar ideológico
da mídia hegemônica cujos analistas depois não conseguem explicar
porque a população, na hora de votar, pouca importância dá para a agenda
que esta mídia constrói. Aí vem o comentário daquela famosa colunista
de um grande jornal dizer: “O povo está contra a opinião pública!”
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