"A função da pesquisa é documentar a dinâmica do processo por retratos sucessivos das mudanças até o desenlace nas urnas. É particularmente útil nessa documentação, não na capacidade de “acertar” o resultado final. Se se quiser antever o resultado futuro da campanha e não se estiver preparado para aceitar as limitações próprias do processo racional de pesquisa do real, recomendaria que se procure uma cartomante e não um instituto de pesquisas."
Pergentino acompanha as pesquisas eleitorais no Brasil há 55 anos |
Com o fim das eleições municipais, imprensa e eleitores tendem a um
relaxamento do assunto, mas este Nota de Rodapé resolveu retomar o tema,
dessa vez, tratando de uma nuance importante pouco conhecida do
público, as pesquisas eleitorais. Afinal, elas são ou não são
confiáveis? Existe manipulação? Como se faz pesquisa no Brasil?
Para analisar essas situações e o mercado dos institutos de pesquisas
eleitorais, entrevistamos um dos maiores estudiosos e práticos do
assunto, Pergentino Mendes de Almeida, professor convidado na
pós-graduação da Fundação Escola de Sociologia e Política de São Paulo,
conselheiro da Associação das Empresas de Pesquisas de Mercado, Opinião
e Mídia (Abep) e vice-presidente da Associação Brasileira dos
Pesquisadores de Mercado, Opinião e Mídia. Ele é precursor das
discussões em grupo no Brasil e foi pioneiro no uso de análises
multivariadas nas pesquisas comerciais.
Há 55 anos militando na área de comunicação e pesquisas, Pergentino segue atuante. Trabalha na LPM – Levantamentos e Pesquisa de Marketing,
empresa que fundou em 1969, ao lado da esposa Dilma Mendes de Almeida.
Na entrevista, Pergentino fala dos problemas da rapidez na realização
de pesquisas para atender demandas, dos erros de interpretação de
pesquisadores e jornalistas, da visão distorcida das margens de erro e
aconselha menos importância às pesquisas e marqueteiros.
Nota de Rodapé – Sobre capacidade profissional, organização e métodos, em que estágio o senhor, na média, vê o mercado de pesquisas no Brasil?
Pergentino Mendes de Almeida – Em média, as pesquisas de opinião no
Brasil têm um nível comparável ao dos mercados mais desenvolvidos.
NR – Especificamente no segmento político-eleitoral, o nível é confiável?
PMA – De modo geral, sim. As grandes tendências do eleitorado têm sido
apontadas com sucesso no Brasil na maior parte dos casos. Os institutos
que trabalham regularmente nessa área e, muitos outros que fazem
trabalhos específicos, não publicados, têm muito a perder se descuidarem
da imagem de confiabilidade.
NR – Quais problemas destacáveis ocorrem na metodologia, aplicação, matemática, enfim, no processo de feitura das pesquisas?
PMA – Os maiores problemas que sinto ocorrerem nessa área são
decorrência das circunstâncias em que as pesquisas eleitorais são
feitas. A opinião pública frequentemente se revela volátil e
inconstante. Como decorrência disso e da pressão dos candidatos e da
própria mídia pela geração constante, repetida e urgente de novos
resultados, o que se faz é um esforço enorme de boa vontade para adaptar
a metodologia dita científica às condições práticas de trabalho, o que
implica em riscos maiores de erros. O que favorece as pesquisas é a
relativa robustez de resultados, em termos de tendências gerais. Mas,
onde as atitudes do eleitorado são mais voláteis, essa robustez pode
desmoronar.
NR – Como o senhor vê as margens de erro adotadas hoje?
PMA – Essas margens são mal interpretadas não só pelos jornalistas,
como por muitos pesquisadores. Quando se diz que “esta pesquisa tem um
erro de 3% para mais ou para menos” se está simplificando e distorcendo a
versão original recomendada pela Esomar (Associação Internacional de
Pesquisadores de Mercado, Opinião e Mídia) aos associados, nos anos 80
do século passado. A versão original era mais ou menos assim: “Uma
amostra probabilística simples do tamanho desta amostra pode apresentar
uma variação puramente casual de 3%, para mais e para menos, no máximo,
a um nível de 95% de certeza (ou 90%, ou 97,5%, ou 99%, etc.)”. A
intenção era apenas deixar claro para o público e para os jornalistas
que o resultado de pesquisas por amostragem é sempre uma aproximação da
realidade e não pode ser trabalhado como se fazia, como se fosse um
número exato e preciso. Mas a explicação parece complicar ainda mais do
que explicar, embora tenha servido ao propósito original. Uma pesquisa
perfeita realizada por amostragem está sujeita a um erro puramente ao
acaso e esse erro é tanto menos provável quanto maior ele for. Note que,
para cada porcentagem de intenções de voto em cada candidato, haverá
uma margem de erro diferente, dentro da mesma amostra. O erro casual de
uma porcentagem de 45% é maior do que o de outra porcentagem de 35%,
por exemplo. Isso, numa só pesquisa. Essa margem de erro é, na verdade,
uma subestimativa da margem de erro real, no caso de amostras que não
sejam estritamente probabilísticas simples.
NR – De que forma pode ser explicada essa amostra?
PMA – Numa amostra probabilística simples você tem a lista de todos os
eleitores e faz um sorteio, absolutamente ao acaso, de modo que cada um
de todos os eleitores tenha a mesma chance de ser sorteado para
responder ao questionário.
NR – E nas amostras por cotas, como é o procedimento?
PMA – Amostras por cotas são aquelas em que você pré-determina quem o
entrevistador deve procurar, por sexo, classe social, região de moradia,
etc., e deixa por conta dele achar uma pessoa assim. Supõe-se que você
determina as cotas de acordo com dados confiáveis do Censo, do TSE, do
TRE ou de outra fonte confiável e representativa da população da qual
você quer tirar uma amostra. Amostras por cotas podem ser bastante
representativas, mas o problema é que não há um modo simples de calcular
a probabilidade de errar. Elas podem requerer um fator multiplicativo
quase impossível de calcular. No caso de prévias eleitorais, realmente
impossível de calcular.
NR – O senhor considera que
os erros ocorridos afetam a credibilidade dos institutos de pesquisa?
PMA – Creio que afetam. Mas isso não prejudica os institutos
especializados, uma vez que o público, a mídia, os governos, as
empresas, os sindicatos, as empreiteiras e os políticos continuam
dependentes e ávidos pelos números que eles oferecem.
NR – Os institutos acertam mais do que erram?
PMA – De modo geral, as pesquisas acertam mais do que erram. Isso
permitiu a várias pessoas computarem todos os resultados eleitorais no
Brasil, para verificar o grau de “acerto” das pesquisas, e concluírem
que eles predominam e que os “erros” estão dentro da margem de 95%
certeza. O problema que vejo aqui não é dos institutos ou das pesquisas.
É a filosofia da coisa, por assim dizer. É o modo como as pessoas em
geral e a mídia em particular encaram os resultados de pesquisas. A
prévia eleitoral dará sempre um quadro aproximado da realidade
instantânea, do momento. A campanha eleitoral é um processo dinâmico. A
função da pesquisa é documentar a dinâmica do processo por retratos
sucessivos das mudanças até o desenlace nas urnas. É particularmente
útil nessa documentação, não na capacidade de “acertar” o resultado
final. Se se quiser antever o resultado futuro da campanha e não se
estiver preparado para aceitar as limitações próprias do processo
racional de pesquisa do real, recomendaria que se procure uma cartomante
e não um instituto de pesquisas.
NR – O senhor é a favor de fiscalização rigorosa nos institutos de pesquisa? Existe algo nesse sentido?
PMA – Depende do que você chama de “rigorosa”. Já existem regulações
suficientes na lei, algumas até contraproducentes. Por exemplo, a
burocracia exigida para realizar-se uma pesquisa eleitoral, que será
eventualmente publicada depois de feita, é exemplar, é como se um
protocolo do TSE pudesse garantir a confiabilidade do trabalho. A
publicação (e interpretação equivocadas) das tais margens de erro é do
texto da lei. A exigência de registro de estatístico habilitado, isso é,
“estatístico de carteirinha”, em nada contribui para a qualidade das
pesquisas, serve mais para defender interesses corporativos e para o
bolso dos portadores das ditas carteirinhas. Pelo lado positivo, a lei
faculta aos partidos, candidatos e eleitores o direito de exigir
explicações e detalhes da metodologia e da realização da pesquisa,
podendo mesmo conferir fisicamente os registros originais dos dados. O
problema é que isso leva tempo e a campanha não espera. As coisas não
funcionam exatamente como idealizadas na lei. Quando você fala em
“fiscalização rigorosa”, fico com medo da interferência de agentes
“isentos”, de fora do instituto de pesquisa, nos processos internos de
controle e realização de um trabalho que deve ser ao mesmo tempo
eficiente e confiável. Quanto mais se complicar a coisa, pior fica. E
existem também órgãos representativos dos pesquisadores, que subscrevem
um Código de Ética e cujos membros sujeitam-se à fiscalização do
órgão. Pode-se recorrer à Associação Brasileira das Empresas de
Pesquisas de Mercado, Opinião e Mídia (Abep) e Associação Brasileira
dos Pesquisadores de Mercado, Opinião e Mídia (ASBPM).
NR – Em Atibaia e Bragança,
no interior de São Paulo, os vitoriosos nas urnas estiveram, durante
toda a campanha, coisa de 15%, 20% longe dos primeiros colocados nas
pesquisas. Por que algumas distorções chegam a números tão alarmantes,
tão distantes do resultado final?
PMA – Como não
acompanhei as campanhas de Atibaia e Bragança e não tenho familiaridade
com o contexto político dessas cidades, só posso responder em tese. Os
números que você mencionou realmente são díspares. Pode-se pensar na
existência ou não existência de má fé. Vamos supor que não houve uma
distorção deliberada de mentir, pois aí nada teria a acrescentar. No
caso de ausência de má fé, uma primeira hipótese é a de um erro
amostral. É possível um erro de amostragem, aleatório, tecnicamente
compreensível e aceitável, dessa magnitude? A resposta é sim, embora
pouco provável, se for uma amostragem probabilística, com sorteio
aleatório de entrevistados. O problema nesses casos é que o método de
amostragem em prévias eleitorais é o de cotas, mais ou menos sem
controle dos indivíduos escolhidos para responder dentro de cada cota
de trabalho dada ao entrevistador. É o problema da urgência e dos
custos dos resultados, pois só assim os pesquisadores podem atender às
demandas dos partidos e da mídia. Nesse caso, é impossível medir o erro
amostral e estimar intervalos de confiança.
"Se me coubesse dar conselho de como remediar a situação ou proteger-se, diria: preste mais atenção àquilo que o candidato representa e ao que ele se propõe, mais do que aos resultados de pesquisas. Aconselharia aos candidatos tomarem posições mais claras e firmes em torno de propostas substanciais e a dar menos importância às pesquisas e marqueteiros. Diria também aos jornalistas que invistam mais na compreensão e na crítica do fundo político em jogo do que nas apostas na cosmética e nos números da roleta."
NR – Mas, o senhor tem exemplos históricos de situações que tenham apresentado divergências tão gritantes com o resultado real?
PMA – Não me recordo assim de imediato, mas existem precedentes. Aliás,
diferenças entre prévias e eleições são mais frequentes do que se
pensa. Até quando o instituto “acerta” o vencedor, já que neste caso
ninguém reclama mesmo que os resultados das urnas sejam muito diversos
dos da pesquisa.
NR – O que pode gerar a
situação de um mesmo instituto, no caso, o Ibope, em Bragança Paulista,
fazer duas pesquisas, praticamente com os mesmos dias de campo, e uma
apontar 14% de diferença entre primeiro e segundo colocados e a outra
só 4%?
PMA – Nos casos de Atibaia e Bragança Paulista o problema parece maior,
pelo que me foi narrado, devido ao fato de as pesquisas terem sido
feitas pouco antes do dia da eleição. Eu me pergunto se haveria alguma
tendência de mudança já em curso anteriormente, durante a campanha, qual
o grau de volatilidade nessas cidades, número dos indecisos, e como
essas situações evoluíram até o dia da eleição. Ademais, quais os
procedimentos específicos de amostragem? Qual o grau de controle em
campo? Sabemos que, nas condições apressadas da realização de prévias, a
verificação posterior das respostas trazidas pelos entrevistadores é
falha, quando não impossível, como no caso de entrevistas feitas com
transeuntes na rua. O Ibope, ao que me consta, faz entrevistas em
domicílio, o que facilita o controle. Entre as centenas ou milhares de
prévias feitas no Brasil, muitas divergem do resultado das urnas.
Algumas divergem bastante. Mas a maior parte acerta, pelo menos no
atacado. Cada caso é um caso. Ou seja, deve ser possível alguma
explicação, antes de se admitir, de um lado, ou a hipótese de
manipulação dos dados, por má fé, ou, por outro lado, a de variação
amostral aleatória, com uma probabilidade quase etérea, embora real.
NR – O candidato vitorioso a prefeito em Bragança,
pelo PT, disse que pesquisas são ótimas, que usou as internas do
partido como medição e elas foram muito úteis, mas se sentiu
prejudicado com publicações de alguns estudos. Entre a realização e a
divulgação das pesquisas pode haver distorção?
PMA – Normalmente, os problemas entre realização e divulgação de
pesquisas são muitos e intensos. Afora uma possível distorção
deliberada do meio, ocorrem distorções de boa fé. Aprendi, na eleição
da Luíza Erundina para a Prefeitura de São Paulo (em 1988) que os dados
obtidos em campo frequentemente falam mais verdades do que a
interpretação, quer pela mídia, quer pelo próprio instituto. Um
primeiro problema é quando um resultado é inesperado ou mesmo
surpreendente. A prudência quase que força o pesquisador a
“corrigi-lo”. Aí ele pode se enroscar. Outro problema é a interpretação
do resultado, que é função do jornalista. Ele pode ver implicações e
consequências equivocadas, que vão orientar a notícia que o leitor
receberá.
NR – O senhor tem sugestões para aperfeiçoar o processo e diminuir os erros?
PMA – Não tenho uma fórmula mágica que salve a pátria de todos os
perigos. Mas o chamado “problema das pesquisas”, que volta a ser
levantado em cada eleição, não é um problema das pesquisas. É,
principalmente, um problema da mídia e também dos políticos, dos
partidos, dos financiadores, de quem “usa” a pesquisa. Os políticos e a
mídia dão uma importância exagerada aos resultados das pesquisas. Os
políticos, para se promoverem junto aos financiadores de campanha ou
para desdenhar as pesquisas. A mídia, para gerar notícias e
“repercutir”. Como dizem os jornalistas, isso vende. Os chamados
marqueteiros ganham um bom dinheiro dando orientação aos políticos, com
base em pesquisas. E os candidatos estão cada vez mais parecidos com
embalagens de sabonetes e as propostas são comerciais de TV. Se a mídia
americana continuar sendo, como sempre foi, um modelo precursor de
muito do que se faz no Brasil, vamos ver cada vez mais uma disputa
cosmética entre candidatos, com pretensas, porém vistosas “pesquisas”
no ar, para saber instantaneamente “quem ganhou o debate”. Se for
assim, a pesquisa vai cair cada vez mais de qualidade, acompanhando os
partidos e os candidatos. E os índices crescentes de abstenção vão
crescer ainda mais. Se me coubesse dar conselho de como remediar a
situação ou proteger-se, diria: preste mais atenção àquilo que o
candidato representa e ao que ele se propõe, mais do que aos resultados
de pesquisas. Aconselharia aos candidatos tomarem posições mais claras
e firmes em torno de propostas substanciais e a dar menos importância
às pesquisas e marqueteiros. Diria também aos jornalistas que invistam
mais na compreensão e na crítica do fundo político em jogo do que nas
apostas na cosmética e nos números da roleta.
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