A tomada de
posição contra ou a favor da realização de um evento esportivo – ainda
que questionável – está longe de ser uma novidade e no passado levou
países a boicotarem, por exemplo, os Jogos Olímpicos por variadas
razões. Tais boicotes tiveram raízes principalmente em disputas
externas, como o apartheid sul-africano e a Guerra Fria. No caso do
Brasil, observa-se um estranho boicote interno, mais precisamente um
autoboicote em grande parte ancorado no velho complexo de vira-latas
nutrido por setores consideráveis da população, especialmente aqueles
que não se sentem parte do Brasil e acham que deveriam ter nascido em
qualquer outro lugar, preferencialmente mais branquinho e cheiroso do
que nossa terra natal.
Talvez as
conquistas sociais e econômicas dos últimos anos, somadas à consolidação
da democracia, ainda sejam recentes demais para sepultar no passado a
manifestação dessa característica cultural tão astuciosamente resumida
por Nelson Rodrigues mais de meio século atrás.
O fato é que
esse autoboicote característico de setores da sociedade brasileira
configura agora um componente importante da virulenta e repentina
mobilização contrária à realização de grandes eventos no Brasil, como se
os graves problemas locais automaticamente desqualificassem o país de
qualquer pretensão de se expôr ao mundo exterior.
Salvo um
cataclisma, porém, a Copa deste ano e as Olimpíadas de 2016 acontecerão
de qualquer maneira, seja no Brasil ou em qualquer outro lugar, e tanto
faz ser contra ou a favor.
Mesmo que a
realização desses grandes eventos passe ao largo de nossas mazelas, fica
aberto um canal legítimo para que movimentos sociais cujas
reivindicações são sistematicamente ignoradas pelo poder público deem
mais visibilidade às suas bandeiras, à luta por uma sociedade menos
desigual e mais justa, assim como à pressão pelo aprofundamento das
conquistas dos últimos anos (leia-se mais redistribuição de renda e
inclusão social e política). Uma questão de oportunidade.
Já o
vira-latismo observado desponta claramente como uma reação histérica e
oportunista contra a melhora, ainda modesta, das condições de vida da
parcela mais pobre da população, o que é levado quase como ofensa
pessoal pelos mais conservadores e pelos adoradores do mercado.
Desse ponto
de vista, é até contraditória a rejeição desses setores à Copa do Mundo,
ainda mais diante de uma seleção que pouco tem de brasileira e de um
cenário de mercantilização desenfreada no qual o melhor futebol do mundo
serve de mero exportador de matéria-prima não apenas para grandes
centros, mas também para qualquer país periférico de onde jorrem alguns
euros ou dólares.
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Confira o dossiê especial sobre a Copa e legado dos megaeventos, no Blog da Boitempo, com artigos de Christian Dunker, Maurp Iasi, Emir Sader, Flávio Aguiar, Edson Teles, Jorge Luiz Souto Maior, entre outros!
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Ricardo Gozzi,
38 anos, é jornalista. Trabalha desde 1997 na Agência Estado, onde é
editor assistente de Internacional.
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