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segunda-feira, 16 de junho de 2014

Boicotar a Copa



A tomada de posição contra ou a favor da realização de um evento esportivo – ainda que questionável – está longe de ser uma novidade e no passado levou países a boicotarem, por exemplo, os Jogos Olímpicos por variadas razões. Tais boicotes tiveram raízes principalmente em disputas externas, como o apartheid sul-africano e a Guerra Fria. No caso do Brasil, observa-se um estranho boicote interno, mais precisamente um autoboicote em grande parte ancorado no velho complexo de vira-latas nutrido por setores consideráveis da população, especialmente aqueles que não se sentem parte do Brasil e acham que deveriam ter nascido em qualquer outro lugar, preferencialmente mais branquinho e cheiroso do que nossa terra natal.

Talvez as conquistas sociais e econômicas dos últimos anos, somadas à consolidação da democracia, ainda sejam recentes demais para sepultar no passado a manifestação dessa característica cultural tão astuciosamente resumida por Nelson Rodrigues mais de meio século atrás.

O fato é que esse autoboicote característico de setores da sociedade brasileira configura agora um componente importante da virulenta e repentina mobilização contrária à realização de grandes eventos no Brasil, como se os graves problemas locais automaticamente desqualificassem o país de qualquer pretensão de se expôr ao mundo exterior.

Salvo um cataclisma, porém, a Copa deste ano e as Olimpíadas de 2016 acontecerão de qualquer maneira, seja no Brasil ou em qualquer outro lugar, e tanto faz ser contra ou a favor.

Mesmo que a realização desses grandes eventos passe ao largo de nossas mazelas, fica aberto um canal legítimo para que movimentos sociais cujas reivindicações são sistematicamente ignoradas pelo poder público deem mais visibilidade às suas bandeiras, à luta por uma sociedade menos desigual e mais justa, assim como à pressão pelo aprofundamento das conquistas dos últimos anos (leia-se mais redistribuição de renda e inclusão social e política). Uma questão de oportunidade.

Já o vira-latismo observado desponta claramente como uma reação histérica e oportunista contra a melhora, ainda modesta, das condições de vida da parcela mais pobre da população, o que é levado quase como ofensa pessoal pelos mais conservadores e pelos adoradores do mercado.

Desse ponto de vista, é até contraditória a rejeição desses setores à Copa do Mundo, ainda mais diante de uma seleção que pouco tem de brasileira e de um cenário de mercantilização desenfreada no qual o melhor futebol do mundo serve de mero exportador de matéria-prima não apenas para grandes centros, mas também para qualquer país periférico de onde jorrem alguns euros ou dólares.

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BRASIL EM JOGO500 

Confira o dossiê especial sobre a Copa e legado dos megaeventos, no Blog da Boitempo, com artigos de Christian Dunker, Maurp Iasi, Emir Sader, Flávio Aguiar, Edson Teles, Jorge Luiz Souto Maior, entre outros!
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Ricardo Gozzi, 38 anos, é jornalista. Trabalha desde 1997 na Agência Estado, onde é editor assistente de Internacional.

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