Roteiro para investigar propinas do metrô começa no Uruguai e
chega aos gabinetes de gente muito ligada a José Serra e Geraldo Alckmin
Fabio Serapião na CartaCapital
Desde o retorno ao noticiário do escândalo
de pagamento de propina por multinacionais em troca de contratos do
Metrô e dos trens metropolitanos no estado de São Paulo, o governador
tucano Geraldo Alckmin repete um mantra: “É preciso investigar”. Tem
sido uma saída fácil para tentar evitar uma decisão cada vez mais
cobrada por aliados, temerosos da repercussão do caso nas eleições de
outubro: a demissão de todos os citados no caso, inclusive dos três
secretários-chave do governo listados pelo delator do caso.
O governo não está errado. À exceção de um sincero esforço de
procuradores e policiais federais nos últimos meses, tem faltado
justamente investigação. Em geral, os avanços na apuração devem-se ao
compartilhamento de documentos de processos em curso no exterior, em
especial na Suíça.
Um caminho nem tão novo, mas inexplorado pelos investigadores, envolve as offshore
uruguaias de um personagem central do esquema, o consultor Arthur
Teixeira. O documento inaugural do inquérito instaurado em 17 de outubro
de 2008 é uma representação do então lider do PT na Assembleia
Legislativa, Roberto Felício. O parlamentar solicita a averiguação do
uso das offshore no pagamento de propina a agentes públicos
ligados ao Metrô e à Companhia Paulista de Trens Metropolitanos, a CPTM.
Trata-se das primeiras citações às hoje famosas Gantown Consulting S/A e
Leraway Consulting S.A.. Não por acaso. Quem municiou as representação
enviada ao Ministério Público Federal foi Everton Rheinheimer,
ex-diretor da Siemens que fez um acordo de delação premiada e está no
centro das denúncias contra integrantes dos governos tucanos.
Rheinheimer sempre foi um fantasma a assombrar o ninho tucano. Mas um
fantasma convicto sobre a necessidade de seguir o dinheiro enviado para
as consultorias de Teixeira hospedadas no Uruguai e na Suíça. Negou-se a
colaborar por anos com o Ministério Público Estadual por um motivo:
para ele, bastava seguir o rumo do dinheiro.
As autoridades brasileiras, até agora ao menos, optaram por não
seguir a sugestão do ex-executivo da multinacional. Os autos sob tutela
das autoridades brasileiras não possuem nenhuma informação sobre as
contas do lobista no Uruguai. O pouco que se sabe sobre os pagamentos
efetuados é fruto de documentos enviados pela Suíça. Em outros países,
como Inglaterra, as investigações só prosperaram graças a informações
trocadas com autoridades uruguaias.
Ao longo da investigação sobre o caso Siemens, são quatro o número de
menções a pagamentos ilícitos a agentes públicos no caso do cartel. No
inquérito da Polícia Federal, uma carta enviada por um funcionário da
Mitsui, multinacional japonesa que dividiu contratos com a Siemens, foi a
primeira referência ao pagamento de propina e à proximidade dos
executivos da empresa com integrantes do PSDB. Em seguida, nos mesmos
autos, o ex-diretor da CPTM Benedito Chiradia confidenciou ao delegado
da PF Milton Fornazari Júnior que Teixeira, dono das consultorias
Procint e Constech, participava de reuniões com diretores da estatal. Os
encontros teriam o objetivo de “tratar” do tema “propina”.
A tese de Chiradia, único a pagar o pato depois de denunciar o pagamento de propina (ele acabou demitido, após prestar depoimento), reforça o depoimento de um diretor da Siemens na Alemanha. Mark Gough havia relatado a autoridades brasileiras a existência de suspeitas de pagamentos indevidos em contratos da filial brasileira da multinacional no País.
A tese de Chiradia, único a pagar o pato depois de denunciar o pagamento de propina (ele acabou demitido, após prestar depoimento), reforça o depoimento de um diretor da Siemens na Alemanha. Mark Gough havia relatado a autoridades brasileiras a existência de suspeitas de pagamentos indevidos em contratos da filial brasileira da multinacional no País.
Esse conjunto de declarações deu suporte para o procurador-geral da
República, Rodrigo Janot, afirmar ter encontrado “fortes indícios de
existência do esquema de pagamento de propina pela multinacional alemã
Siemens a agentes públicos vinculados ao Metrô de São Paulo”.
A conclusão da PGR, inserida em parecer enviado ao STF, credita os
indícios de pagamento de propina aos repasses de dinheiro que envolvem a
Siemens, a Alstom (e demais empresas do cartel) e as consultorias de
Teixeira no Brasil, no Uruguai e na Suíça. Agora, ou só agora, o desafio
dos promotores, procuradores e delegados é reunir nos autos o trajeto
do caminhão de dinheiro que transitou pelas contas do lobista. Para
isso, é preciso solicitar auxílio ao Uruguai.
Janot posicionou-se a respeito do assunto quando ainda não havia lido
a delação premiada de Rheinheimer. No documento, o ex-diretor não
oferece nenhuma prova concreta, mas detalha como se davam as negociações
do esquema de cartel nos contratos do Metrô e da CPTM e repete o que
havia afirmado em documentos entregues a petistas: a chave da
investigação encontra-se no rastreamento das contas dos Teixeira no
exterior. O ex-diretor da Siemens vai além e, pela primeira vez, cita o
nome de agentes públicos e possíveis destinatários dos pagamentos. Entre
os citados, estão os três secretários de Alckmin: Garcia, Aníbal e
Aparecido.
Sobre os nomes citados, sabemos o seguinte: o democrata Rodrigo
Garcia, do DEM, é um aliado antigo dos tucanos paulistas. Nascido no
interior, na cidade de Tanabi, é advogado e empresário do setor
imobiliário. Atualmente deputado federal, foi presidente da Assembleia
Legislativa e secretário municipal na capital. Até tempos atrás era
sócio e principal aliado político de Gilberto Kassab, com quem rompeu
posteriormente.
Declarou na última eleição, em 2010, um patrimônio de 4,3 milhões de
reais. Os principais bens declarados são um apartamento em São Paulo e
99% nas ações da empresa Centroeste Agropecuária, na qual foi sócio de
Kassab. Entretanto, no fim do ano passado, a mídia noticiou negociações
de uma casa em nome da Centroeste na cidade de Porto Feliz. O imóvel
estaria à venda por 10 milhões de reais, mais que o dobro do patrimônio
declarado. Na Junta Comercial nada mais consta sobre o secretário. No
TSE, algumas doações de 2010 despertam interesse. Recebeu contribuição
direta de Rheinheimer no valor de 2 mil reais. Outros doadores de Garcia
são os fiscais envolvidos na Máfia do ISS na capital paulista: Douglas
Amato, Eduardo Barcelos, Fabio Remesso e o líder do esquema, Ronilson
Bezerra.
Segundo os promotores do caso, esses mesmos integrantes do bando que
fraudava a arrecadação municipal se reuniam em uma sala localizada no
centro da cidade e chamada de “ninho da corrupção”. O imóvel é de
propriedade do irmão de Rodrigo, Marco Aurélio Garcia. Os promotores
desconfiam que ele teria lavado dinheiro para o chefe do esquema e
doador da campanha do seu irmão, Ronilson Bezerra, por meio da venda de
imóveis.
No depoimento sigiloso, o delator do caso Siemens afirma ter tratado
de “comissões” diretamente com Rodrigo Garcia. Os encontros aconteceram
quando o hoje secretário estadual presidia a Comissão de Transportes da
Assembleia Legislativa. Garcia teria sido indicado ao então diretor da
Siemens pelo próprio Teixeira, na definição do consultor “o político, o
cara que resolvia, o ponto de contato”. O advogado de Garcia, Alexandre
Moraes, afirma que seu cliente está disposto a fazer uma acareação com o
delator para provar a fragilidade de suas denúncias. Moraes nega ainda a
venda do imóvel e seu valor. Sobre a relação do seu cliente com seu
irmão, o advogado aponta a inexistência de negócios entre os dois e diz
desconhecer as doações de campanha efetuadas por envolvidos na Máfia do
ISS.
Garcia teria deixado de ser “o cara” quando saiu da comissão. Nesse
momento, segundo Rheinheimer, seu lugar passou a ser ocupado por Aníbal,
com quem o delator diz nunca ter se encontrado. O assunto “comissões”,
por esses tempos, passou à alçada de um assessor informal do tucano,
chamado Silvio Ranciaro. Aníbal integra a alta cúpula do tucanato
paulista e nasceu na cidade de Guajará-Mirim, Rondônia. Na juventude
morou em Belo Horizonte, onde ingressou na política estudantil, foi
amigo da presidenta Dilma Rousseff, exilado no Chile e, depois, na
França. De volta ao Brasil, fundou o Partido dos Trabalhadores, para
deixá-lo um ano depois, a caminho do PMDB.
Chegou ao PSDB em 1989, foi líder do partido na Câmara dos Deputados
por duas vezes durante os governos de Fernando Henrique Cardoso. Também
foi vereador na capital. A última declaração de bens disponível é a de
2012, mas publicada em Diário Oficial apenas neste ano. Consta 1,4
milhão de reais em imóveis no seu nome, o apartamento onde reside e uma
propriedade rural em Ibiúna, no interior do estado. Outros 227 mil reais
em bens móveis e 62 mil classificados como outros bens.
A Junta Comercial de São Paulo informa apenas que Aníbal preside o
conselho administrativo da Companhia Energética de São Paulo (Cesp).
Entretanto, expõe as empresas nas quais sua esposa, Edna Suely Matosinho
de Pontes, e sua filha, Maria do Carmo Matosinho Peres de Pontes,
participam do quadro societário. São elas: Lofts Villa Rossa Ltda. E
Taxaquara Golf Club. Uma terceira empresa talvez chame um pouco mais a
atenção, a Bien Vivre Participações. Ligada ao comércio de cosméticos,
alimentos e vestuário, a empresa da esposa do secretário tem como sócio
um empresário da área de energia da Federação das Indústrias do Estado
de São Paulo (Fiesp).
Marcos Augusto Coelho do Nascimento é proprietário de várias empresas
do setor de energia. Entre elas, a Tecniplan Engenharia integra o
consórcio Paulista Geradora de Energia, que possui um contrato de 27
milhões com a Companhia de Sanemento Básico do Estado de São Paulo para
explorar o potencial energético de algumas localidades no Sistema
Cantareira. Por essas coincidências do destino, pela Sabesp, o contrato
foi assinado por Nilton Seauciuc, que tem como sócio um companheiro do
empresário Marcos Augusto Coelho na diretoria de energia da Fiesp. E,
por uma coincidência ainda maior, a Bien Vivre, da esposa de Aníbal,
está sediada na mesma sala onde a Tecniplan Engenharia desenvolve suas
atividades.
No Tribunal de Contas do Estado, o contrato da empresa do sócio de
Edna foi acolhido como regular por três conselheiros, um deles Robson
Marinho, o ex-chefe da Casa Civil de Mário Covas e investigado por ter
recebido propina no caso Alstom.
No endereço eletrônico do TSE, na página com os doadores de campanha
registrados na eleição de 2010, Aníbal anotou ter recebido 2 mil reais
de Teixeira e 4 mil reais da Focco Tecnologia, do indiciado por lavagem
de dinheiro João Roberto Zaniboni.
O secretário diz nunca ter encontrado ou tratado de qualquer tema com
Zaniboni e Rheinheimer. Em relação às doações, diz se referirem à
compra de convites para um jantar realizado por sua campanha. Explica
ter encontrado Teixeira “umas duas vezes” em reuniões com empresários
quando Covas era governador. Afirma ser amigo de Ranciaro, mas salienta
que ele nunca teve liberdade para tratar de assuntos em seu nome. Sobre a
empresa da mulher, diz desconhecer até então o fato de o sócio ter
contratos com o estado. “Sou amigo do Marcos desde 1997. A empresa dele
com minha esposa era para importar sabonete de uma importante marca
portuguesa. Mas ela vai deixar a sociedade”, explica o secretário, para
quem a empresa ocupa a mesma sala da Tecniplan pelo fato de Nascimento
ser o responsável pelos trâmites de sua abertura.
O terceiro citado na delação como destino da propina paga pela
Siemens é o paulistano Edson Aparecido dos Santos, chefe da casa civil
de Alckmin. Ele tem uma longa ficha de serviços prestados ao partido, do
qual é um dos fundadores. Começou a carreira política como assessor do
falecido arrecadador do PSDB, Sérgio Motta. Desde então, participou da
coordenação de todas as campanhas que levaram Covas e Alckmin ao Palácio
dos Bandeirantes. Coordenou ainda as campanhas de José Serra e Alckmin à
prefeitura de São Paulo.
Aparecido não tem empresas em seu nome. Possui dois imóveis, um em
Maresias, Litoral Norte de São Paulo, e outro no bairro Vila Nova
Conceição, o metro quadrado mais caro da capital. Registrado no 14o
Cartório de Registro de Imóveis no valor de 620 mil reais e apontado em
sua declração de bens com o mesmo valor, o apartamento vale, segundo o
índice ZAP Fipe, cerca de 3,7 milhões de reais. O próprio secretário
assume o aumento no valor do imóvel em 11 de novembro do ano passado,
quando instituiu o apartamento como “Bem de Família” no valor de 2,5
milhões de reais.
No TSE, em um primeiro momento, quatro doações chamam atenção. Duas
de 2006, da Demop Participações, e mais duas de 2010, da Scamvias
Construções. As duas empresas são do Grupo Scamatti, alvo das operações
Betume, da PF, e Fratelli, do Gaeco de São José do Rio Preto. O dono do
grupo, Olívio Scamatti, é acusado de liderar uma organização criminosa
que fraudava licitações pagas com emendas parlamentares destinadas por
deputados estaduais paulistas.
Aparecido caiu nas interceptações telefônicas das investigações ao
alertar Scamaratti de uma diligência do Ministério Público que poderia
encontrar irregularidades em obras executadas por empresas do bando. À
época dos delitos, o atual chefe da Casa Civil era patrão do lobista
Osvaldo Ferreira, acusado de pagar propina a agentes públicos. Em
relatório, a PF classifica como “nefasto” o tráfico de influência
exercido por Ferreira na Casa Civil do Estado de São Paulo.
No escândalo da Sanasa, responsável pela queda do então prefeito, prisão do vice e da primeira-dama de Campinas, Aparecido é citado pelo também tucano e proprietário da Saenge Engenharia, Luiz Arnaldo Pereira Mayer, como um dos líderes partidários que estariam “intercedendo” nos negócios do líder do grupo, José Carlos Cepera, com órgãos públicos de São Paulo. Mayer e Cepera foram presos.
No escândalo da Sanasa, responsável pela queda do então prefeito, prisão do vice e da primeira-dama de Campinas, Aparecido é citado pelo também tucano e proprietário da Saenge Engenharia, Luiz Arnaldo Pereira Mayer, como um dos líderes partidários que estariam “intercedendo” nos negócios do líder do grupo, José Carlos Cepera, com órgãos públicos de São Paulo. Mayer e Cepera foram presos.
Aparecido nega qualquer relação com o delator do caso, informa
processar criminalmente Rheinheimer e diz desconhecer Arthur Teixeira.
Sobre os grampos nos quais aparece ou é citado, o secretário preferiu
não explicar e diz inexistir tais conversas nos autos mensurados.
“Trata-se de uma calúnia que esta revista tenta imputar ao deputado
federal”. Em nota enviada por sua assessoria de imprensa, Aparecido diz
ainda que o lobista preso na Operação Fratelli foi seu assessor quando
ele ainda não chefiava a Casa Civil. Por fim, classifica como
“insidiosas” as afirmações referentes ao fato de o seu imóvel estar
registrado com valor quase quatro vezes superior ao declarado no Diário
Oficial.
Enquanto aguardam uma decisão do procurador-geral sobre a continuação
das investigações relativas a quem tem prerrogativa de foro, a Polícia
Federal e o Ministério Público interromperam a tomada de depoimento. Até
agora, sabe-se apenas que duas empresas de Arthur Teixeira sediadas no
Uruguai foram utilizadas pela Alstom, outra envolvida no cartel, para
pagar propina a Zaniboni. Os dois negam.
O último registro sobre a movimentação dos documentos sob a tutela do
PGR aponta para uma petição, registrada na terça-feira 21, direcionada
ao gabinete do ministro Marco Aurélio Mello. A investigação se
beneficiará se Janot tiver explicitado no documento a necessidade de
pedir ao governo uruguaio a lista das transações financeiras efetuadas
pelas duas consultorias de Teixeira sediadas naquele país, a Gantown
Consulting S.A. e a Leraway Consultin S.A. É preciso investigar, como
sugere Alckmin.
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