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Sociólogo francês, Henri-Pierre Jeudy é pesquisador dos impactos do urbano na sociedade. No Fronteiras do Pensamento, o professor da Escola de Arquitetura de Paris-Villemin discutiu As utopias na urbe contemporânea, um tópico que remete à fala do sociólogo espanhol Manuel Castells em sua análise sobre a tomada das ruas nos últimos anos.
De acordo com Castells, as manifestações vão às ruas como uma reação à
sistemática destituição do espaço público da cidade que está sendo
convertido em espaço comercial: “Quando falo do espaço público, é o
espaço em que se reúne o público, claro. Mas, atualmente, esse espaço é o
físico, o urbano, e também o da internet, o ciberespaço. É a conjunção
de ambos que cria o espaço autônomo. Porém, o espaço físico é
extremamente importante, porque a capacidade do contato pessoal na
grande metrópole está sendo negada constantemente.”
Henri-Pierre Jeudy aprofunda este sentimento de não
pertença. Além da comercialização do espaço público, é a própria maneira
com que é pensado e construído – sem a participação da população.
Ainda, apresenta um conflito da urbe enquanto uma reação a este período
de incerteza, em que os administradores patrimonializam a cidade, como
uma necessidade de se eternizarem nas construções para permanecerem na
história.
Quem também discutiu esta temática no Fronteiras foi o britânico Cameron Sinclair, que criticou uma arquitetura que constrói edificações para ninguém. No Fronteiras,
foi categórico, afirmando que “arquitetura é um recipiente onde a vida
deve acontecer. Se não há pessoas nos prédios, não é arquitetura."
Defensor do que denomina sustentabilidade cultural, argumenta
que, para minimizar esse sentimento de separação do espaço urbano, “a
comunidade precisa ver o projeto como seu. O arquiteto deve envolver a
comunidade na criação. Precisamos retomar esse sentido de humanidade,
ver até onde podemos ir, e parar de medir conquistas objetivas. Eu
mudaria o mundo mudando o foco do mundo: afastar a necessidade de
eletrônicos, telas, carros. Transformaria a cidade em comunidade."
Clique aqui para assisir à entrevista exclusiva com o arquiteto britânico Cameron Sinclair, criador da ONG Architecture for Humanity, para o Fronteiras do Pensamento (11min – sempre com legendas) e leia, abaixo, o que o sociólogo francês Henri-Pierre Jeudy tem a dizer sobre as utopias da urbe:
Quando se olham as maquetes construídas por arquitetos, maquetes que
representam os bairros de uma cidade, sempre nos surpreendemos de pensar
que, a partir de um objeto tão pequeno, o futuro da cidade é
apresentado. A maquete aparece hoje como um objeto um pouco anacrônico,
já que os arquitetos utilizam também imagens computadorizadas para
mostrar eventualmente ao público o devir da cidade. Essas imagens
computadorizadas são às vezes estranhas, porque as pessoas, os
habitantes representados, dão a impressão de ser inexistentes – como o
arquiteto pensasse a cidade sem seus habitantes.
Do
mesmo modo, sabemos que os arquitetos constroem imóveis nos quais nunca
habitarão. Como se os arquitetos pensassem os imóveis, mas também os
bairros de uma cidade, para uma cidade que será vazia. E essa maneira de
imaginar sob o aspecto de uma ausência de habitantes, é o que
certamente permite ao arquiteto escapar ao confronto com os próprios
habitantes ou com o que podemos chamar o público concernido por essas
construções.
Assim, a cidade parece imaginada, pensada, projetada no futuro, mas
através do imaginário do arquiteto, através de um imaginário pautado
apenas segundo o arbítrio do próprio arquiteto. Claro, pode haver
resistências contra certos tipos de construções, mas, em geral,
aceita-se habitar numa cidade que foi construída por diferentes gerações
de arquitetos.
É curioso, porque isso significa que a cidade, para cada um de nós, nos
é imposta tal como ela é. Não temos escolha sobre o que pode ser a
cidade na qual habitamos. Quer sejamos flanadores ou habitantes da
cidade, esta nos é sempre imposta ao olhar. Imposta ao olhar quer dizer
também que os modelos de arquitetura provocam, em realidade, uma captura
de nosso olhar. Não podemos escapar ao que vemos.
Assim, consequentemente, a liberdade de existir numa cidade virá depois
de se ter aceitado ou de se ter resignado a aceitar a cidade tal como
existe. De certo modo, os arquitetos, hoje como em outras épocas, talvez
hoje ainda mais, projetam o futuro da cidade, enquanto os governantes
da cidade, prefeitos e políticos que administram a cidade. Parecem cada
vez mais obcecados pela conservação patrimonial da cidade, isto é, pela
conservação dos bairros históricos da cidade, pela conservação dos
monumentos históricos de uma cidade.
Como se, por um lado, os políticos que administram uma cidade pensassem
que uma cidade só existe pelos símbolos que a representam. Por outro
lado, os mesmos políticos pedem a arquitetos para projetar o futuro da
cidade de um modo que, às vezes, parece exatamente em conflito ou em
ruptura, pelo menos, com o cenário patrimonial.
Com
frequência, tem-se a impressão de que hoje, na maior parte das cidades
do mundo, há simultaneamente uma espécie de cristalização da conservação
patrimonial e uma espécie de projeção do futuro através das obras
arquitetônicas, como também através das obras artísticas colocadas na
cidade. Essa ruptura é vivida de um modo que não é necessariamente
desagradável. É essa ruptura que oferece, cada vez mais, a imagem
estética de uma cidade. Se é possível haver expressões estéticas numa
cidade, elas ocorrem muitas vezes nessa ruptura, nessa associação
estranha entre a conservação patrimonial e a projeção arquitetônica do
futuro da cidade.
Assim, o problema que se coloca é que também podemos pensar que as
construções arquitetônicas dos dias de hoje traçam ou modelam ou
fabricam justamente o patrimônio do futuro. E sabemos bem que os
arquitetos se preocupam particularmente com a maneira pela qual suas
obras, que podem ser efêmeras, podem se inscrever num tempo que é
projetado no futuro. Portanto, com a maneira pela qual suas obras
presentes se tornarão ou já são obras patrimonializadas.
Ou seja, poderíamos nos perguntar se a metamorfose das cidades, através
dessa alternância entre a projeção no futuro e a conservação do
passado, não é vivida numa espécie de atualização permanente da própria
cidade. As cidades parecem cada vez mais obedecer a um futuro que é
globalmente patrimonializado. Como se hoje o estado de espírito
fundamental na gestão das cidades, na gestão urbana, fosse um estado de
espírito baseado na obsessão patrimonial. É talvez o temor de uma
incerteza, é talvez a angústia do futuro que faz que atualmente sejamos
dominados por essa preocupação patrimonial.
Como se, no fundo, o pensamento patrimonial fosse o meio de conjurar as
angústias das incertezas provocadas pelo futuro. Mas, o resultado é que
a cidade pode se tornar cada vez mais um cenário, uma espécie de
cenário, como um cenário de teatro. E, nesse sentido, se a cidade se
torna um cenário de teatro, é como se fosse uma realidade que nos é dada
em trompe l’oeil. Ou seja, o cenário nos impede de viver uma certa liberdade do olhar.
Mas, poderíamos dizer que a própria cidade é, esperta, ela tem plus d’un tour dans son sac,
como se diz em francês. Ou seja, a cidade também cria a si mesma.
Porque afinal, mesmo administrada, mesmo havendo políticos que a
administram, a cidade, em seu destino, em sua maneira de ser e de vir a
ser, escapa em parte à maneira pela qual se impõe essa construção de um
cenário.
E é isso que é interessante, que haja uma margem de liberdade para
cada um de nós em relação ao espaço urbano. Essa margem de liberdade
está, de certo modo, rodeada pelo cenário patrimonial, mas ao mesmo
tempo existe, continua a existir.
Como se os habitantes de uma cidade continuassem tendo sempre seu
imaginário da cidade, uma certa maneira de imaginar a cidade na qual
vivem ou na qual passeiam. Podemos considerar que uma cidade se
apresenta como uma espécie de sobreposição de vestígios que representam
várias épocas. E é talvez nesse sentido que se percebe a ideia da
metamorfose da cidade de que falo.
A metamorfose é algo que no fundo nunca se interrompe, que é sem fim.
Isso quer dizer que a cidade se apresenta sempre como inacabada. E o
fato de ela se apresentar como inacabada, apesar de todas as realizações
que são feitas, essa maneira de ser inacabada é o que provoca, em
realidade, uma espécie de excitação nos políticos que administram a
cidade. Esses políticos que administram a cidade sempre vão decidir a
respeito das transformações.
Podemos considerar que a maneira pela qual os prefeitos transformam
suas cidades é, em realidade, uma maneira de construir sua própria
imagem do poder. Todos se lembrarão de um governador, de um presidente
que transformou uma parte da cidade quando era responsável por ela.
Todos se lembrarão dele como de um grande homem. Um prefeito, um
governador ou um presidente que nada faz, não ficará na história. Isso
quer dizer que o princípio mesmo do poder político é servir-se da cidade
para confirmar solenemente o próprio poder.
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Sindicato dos Servidores Públicos do Judiciário Estadual na Baixada Santista, Litoral e Vale do Ribeira do Estado de São Paulo
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sábado, 8 de fevereiro de 2014
As utopias na urbe contemporânea
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