A massa foi para as ruas em 2013 e a elite se assustou. Passados alguns
meses, com a poeira baixa, mas às vésperas de eventos nacionais que
prometem aumentar a fervura do caldo das reivindicações - as eleições
gerais no segundo semestre e a Copa do Mundo em junho-, a expectativa é
de gente nas ruas, brilho nos olhos e vontade de mudar. E a direita
nacional está ouriçada...
Junho de 2013 foi emblemático na história política
nacional. A explosão repentina das manifestações de rua depois de
décadas de relativa calmaria, a redução dos R$ 0,20 centavos nas
passagens de ônibus como motivo detonador, o também relativo
distanciamento dos órgãos clássicos representativos da sociedade, como
sindicatos, centrais sindicais, partidos políticos, etc. enfim, uma nova
disposição política tomava corpo no cenário nacional.
A primeira e esperada reação da grande mídia foi de
condenação. Destaque para os estragos nas lojas e bens públicos,
gritaria nervosa dos comentaristas e repúdio aos manifestantes. Até o
governo, mais acostumado a este ambiente, deu seu recado de reprovação.
Ambos recuaram ao perceberem a profundidade das
questões que envolviam os protestos que ganhavam as ruas do Brasil,
turbinados por décadas de confinamento, segregação social,
distanciamento das decisões políticas centrais e carente de serviços
públicos de qualidade. Até cidades médias e pequenas - normalmente mais
distantes destas mobilizações que tem as grandes cidades como espaço
privilegiado -, foram tomadas por gente nas ruas cantando palavras de
ordem.
A velha e persistente luta de classes se fazia
sentir para uma geração que não sabia direito o que era se mobilizar em
favor de seus próprios interesses. O distanciamento dos partidos
políticos mais velhos e estruturados e de pautas mais ou menos definidas
criou uma sopa de reivindicações, justas e necessárias, diga-se de
passagem, em sua grande maioria.
Diante do cenário que se configurava a disputa das
mobilizações, sua pauta, calendário, liderança e tarefas estavam a
plenos pulmões. Evidente que a direita, historicamente distante das
camadas populares, tinha maior dificuldade em dar a linha, o que se
tentou (e tenta) insistentemente via grande mídia. O caso do Jabor foi
bisonho: atacou ferozmente para apenas dias depois tecer graciosos
elogios ao povo na rua.
Destaque-se que a grande mídia diante de uma
moldura política de septicemia ideológica e burocratização dos partidos
mais robustos, da carência de líderes políticos nacionais que servissem
de referência aos movimentos, diante do esfacelamento programático e
estrutural que acomete o PSDB, além do crescimento do fisiologismo e da
corrupção, acabou por se colocar na condição de representante da
sociedade, fazendo às vezes do partido da direita, buscando aglutinar
segmentos da sociedade em defesa de bandeiras que interessam à
reprodução do capital.
Isto pode ser observado pela condução raivosa do
mensalão e pela maciez com que trata os escândalos tucanos, em especial
os de Minas Gerais e de São Paulo, tão grotescos e maledicentes quanto o
outro. Em suma, o grande partido da direita no Brasil hoje é a grande
mídia, e a revista Veja busca disputar a condição de rainha neste
carnaval de horrores.
E os Black Blocks aparecem
No transcorrer do ano a violência policial
aconteceu sem tréguas, ora mais incidente, ora menos, mas com a
virulência de sempre. A resposta veio na forma de grupos de
enfrentamento. O terreno era propicio, uma vez que os movimentos
caminhavam com certa autonomia, alheio a líderes de expressão e
representatividade nacionais e que extravasavam um ódio contido de
décadas em resposta a viver mal, ganhar pouco, trabalhar muito e carente
de serviços básicos de qualidade.
O quebrar tem este sentido: o de descontar em algo
os problemas com os quais as pessoas de menor poder aquisitivo tropicam
todo o dia. Não se trata de defender ou atacar, mas de entender.
Quebradeiras e destruições eram largamente
utilizadas como condenação das mobilizações. Os mais incautos bradavam
que protestar sim, mas sem violência. Diria que é impossível, na
prática, o pacifismo, pela conjuntura que trouxe a turba às ruas. A
crítica mais consistente aos Black Blocks vem da preocupação com o
movimento como um todo, a partir da constatação que ações
particularizadas tinham um efeito negativo sobre o coletivo muito
significativo, além da constatação óbvia de que a luta tem um sentido
reivindicatório e os meios para alcançar os objetivos não passam pela
destruição, ao contrário, a discussão suscita a compreensão de que
aquilo foi construído pelos trabalhadores, mas é privado. Um bom debate.
A rigor a massa apoiava as mobilizações mesmo com a
insistente campanha contrária da grande mídia e mesmo que alguns atos
mais violentos ocorressem. José Datena que o diga.
O advogado dos milicianos vira vestal
Eis que na esteira da mobilização um trabalhador
cinegrafista acaba morrendo atingido por um rojão no Rio de Janeiro,
quando da cobertura dos protestos contra a Copa do Mundo. O episódio,
lamentável e condenável sob todos os aspectos, ganhou notoriedade no
mundo da política pelos seus desdobramentos.
Um advogado ilustre desconhecido faz a defesa do
garoto acusado de acender o rojão que causou a morte do cinegrafista e
aproveita seus minutos de fama para disparar contra as mobilizações. Seu
discurso é velho e conhecido, mas foi tomado pela grande mídia como
novo e original: gente profissionalizada paga protestante para provocar
quebradeira e criar confusão.
O Sr. Jonas Tadeu é tratado pela grande mídia como
um simples defensor de um jovem assustado e no exercício de sua
profissão. As atenções às suas palavras o colocam numa posição de
independência e autonomia critica com relação à sociedade. Mas não é.
Ele é um reacionário com pedigree e certificado. Seu perfil no facebook
tem postagens de ódios contra Fidel Castro e Che Guevara, colou ainda
uma foto acompanhada de um pensamento do indefectível Roberto Campos
(mentor da direita raivosa) e curte as ideias de Lobão.
Sua denúncia de que partidos estão envolvidos em
violência e na manutenção de esquemas de profissionalização de
manifestantes cai como luva numa mídia que projeta 2014 e teme até a
raiz com a presença do povo nas ruas. Seu papel está definido e ele o
está cumprindo com talento. No site UOL acabo de ler “Suspeito ganhou R$
150 para promover confusão no protesto, diz advogado”. O jornal O
Globo está espumando e o alvo é claro: combater os movimentos sociais e
suas reivindicações.
O que a grande mídia não revela é que o Sr. Jonas
Tadeu foi advogado do ex-deputado estadual Natalino José Guimarães,
acusado de chefiar uma milícia do Rio de Janeiro. O presidente da CPI
que cassou o mandato do deputado e colocou dezenas na cadeia, deputado
Marcelo Freixo do Psol-RJ, esta sendo acusado de ter ligações com os
responsáveis pela morte do cinegrafista. Diz o advogado ao fazer a
acusação: “Eu ouvi que os dois rapazes são conhecidos do Marcelo
Freixo”, no jornal O Globo. Está é a acusação.
A credibilidade deste Sr. é simplesmente zero neste
caso, mas a grande mídia multiplica o volume de sua fala com alvos
definidos: no atacado incriminar as manifestações e a esquerda autêntica
e no varejo destruir a figura de Marcelo Freixo que fez grande votação
na disputa no Rio de Janeiro nas últimas eleições para prefeito. E não é
novidade para ninguém: a Rede Globo trata o Rio de Janeiro como
extensão de sua sede. E também não podemos nos esquecer de que esta
emissora gastou muitos milhões e espera apetitoso retorno com a Copa do
Mundo.
O que fica muito claro é a utilização da tragédia
ocorrida com o cinegrafista para disparar rojões de grosso calibre na
possibilidade de ganho de consciência das massas exploradas. A operação
de descrédito das mobilizações está em pleno curso.
Veja o que postou Marcelo Freixo em seu perfil no
Facebook: “Eis a peça que faltava no quebra cabeça destas acusações
absurdas. Natalino foi preso em 2008 graças às investigações da CPI das
Milícias, presidida por mim na Assembleia Legislativa. À época, mais de
200 pessoas, entre elas várias autoridades, foram indiciadas. Natalino e
seu irmão, Jerominho, que dividiam o poder, cumprem pena em presídios
federais.” Bingo, precisa mais?
Não podemos deixar contaminar nossa opinião sobre o
momento que o Brasil vive apoiar Leis Antiterrorismo e outras bobagens
afins, em função da tragédia ocorrida com o cinegrafista Santiago
Andrade, morto de forma estúpida e cujo crime deve ser desvendado e seus
culpados devem pagar pelo que fizeram.
A luta por um outro Brasil é possível e necessária e
ela passa obrigatoriamente pela presença do povo na rua, organizado,
com pautas definidas e distante da direita, cujo propósito é viabilizar o
capitalismo, a exploração e os negócios da Copa do Mundo.
Ricardo Alvarez
Geógrafo, é professor e editor do site Controvérsia
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