Um paralelo revela: jornais e TVs brasileiros reagem às
publicações independentes como os gângsters do cinema norte-americano,
antes de Hollywood
Por Luis Nassif, em seu blog
Na nova economia, há um conjunto de movimentos brilhantes prenunciando os novos tempos de Internet.
De um lado, existe a nova indústria do audiovisual, os novos projetos
jornalísticos, as novas experiências virtuais, um contraponto eficaz no
mercado de opinião política e uma rapaziada esfuziante desenvolvendo
aplicativos, sistemas, redes. Todo esse universo é movimentado por
pequenas empresas, por jovens empreendedores, criando um arquipélago
rico, diversificado, com amplo espaço para o exercício da criatividade e
da inovação.
De outro, os campeões do período anterior – grupos jornalísticos com
emissoras de TV e rádio e publicações impressas, grandes empresas
controlando centralizadamente diversos meios de comunicação, atuando em
forma de truste e/ou cartel, envelhecendo a olhos vistos e se valendo do
poder remanescente para combater o novo que nasce.
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Trata-se de uma disputa ancestral no capitalismo que se manifesta especialmente nesses momentos de transição.
Há grupos dominantes do período em curso. As novas tecnologias abrem
espaço para o novo. Não entendendo o novo, a defesa do velho consiste em
se fechar em trustes ou cartéis utilizando o poder remanescente para
manter o controle sobre o mercado.
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Hollywood é um caso clássico, fruto direto dessa batalha entre o
velho e o novo ocorrida na indústria cinematográfica dos Estados Unidos
no início do século 20.
Vale a pena entender os paralelos entre aqueles tempos e os tempos atuais.
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Thomas Edison e George Eastman
O enorme mercado norte-americano fechou-se em torno de um truste de
dez companhias organizado por Thomas Alva Edison, a partir de seu trunfo
com a invenção do gramofone. O truste era constituído pelos maiores
produtores e distribuidores de filme, por George Eastman, da Kodak,
principal fabricante de películas, dentre outros.
Sem competição, mataram o mercado. Impuseram cláusulas leoninas para
os exibidores, adquiriram a maioria das distribuidoras independentes.
Enquanto isso, Paris tornava-se o grande centro cinematográfico do
planeta, atraindo espectadores com grandes nomes, como Sara Bernhardt.
Nos Estados Unidos, o truste permitia apenas filmecos de poucos
minutos e proibia os modelos de filmes fundados em personalidades
artísticas – para não encarecer as produções.
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Em 1909, houve a rebelião inicial de um dos distribuidores, Carl
Laemmle, que queria implantar o sistema europeu, de produções maiores
com grandes estrelas. Quase foi destruído. Mas conseguiu a aliança com
um grupo de produtores franceses, italianos e britânicos, que montaram
uma empresa para combater o truste.
A luta para valer foi interna, quando apareceram outros aliados, dos
quais o mais relevante foi o único distribuidor que se recusou a vender
sua empresa para o truste. Atendia pelo nome de Willhelm Fuchs.
Com o tempo, começaram a aparecer produtores independentes, pequenas
empresas ousando sair do figurino do truste e passando a fazer filmes
mais extensos, com roteiro e temáticas até então inéditas.
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O truste reagiu, recorrendo até à censura contra filmes considerados
mais fortes. Tentou sufocar os “independentes” com toda sorte de ações
judiciais. Depois, apelou para o uso de força, quebrando salas que
passassem seus filmes e apelando para a polícia contra a quebra de
patentes das novas produtoras.
As ameaças legais eram de tal ordem que parte dos independentes
fixou-se em países vizinhos. E parte foi para Los Angeles, por ser perto
da fronteira do México, facilitando as fugas da Justiça.
O truste era formado por anglo-saxões de cintura dura. Os
independentes, em sua maioria, por judeus com sensibilidade artística e
enorme foco no público que se formava.
Gradativamente, o truste foi perdendo o pé do mercado, afastando-se
cada vez mais do público, enquanto os independentes ganhavam espaço e
passavam a produzir em quantidade cada vez maior.
Laemmle e Fuchs tornaram-se produtores de sucesso, recorrendo à
importação de películas para fugir ao boicote da Kodak. O estúdio de
Laemmle se tornaria a Universal; o de Fuchs, a Fox, depois que ele
adaptou seu sobrenome. William Hodkinsons, dono de um teatro, montou uma
distribuidora e, depois, a Paramount. E Hollywood tornou-se o mais
importante centro da indústria cinematográfica.
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Em muito, a ação do truste cinematográfico norte-americano lembra o truste midiático reforçado no país após 2005.
Com o pacto dos quatro grandes controladores do mercado de opinião –
Globo, Abril, Estado e Folha –, tendo as demais emissoras e jornais a
reboque, criou-se o Truste da Mídia – a não ser a diferença de escala e
de tecnologia, com métodos idênticos ao do Truste dos Dez.
Moveram campanhas sistemáticas contra os novos atores que surgiam, os
blogs, preservando para si a maior parte da publicidade pública.
Tentaram assassinar a reputação de novos grupos que se instalavam – como
foi o caso dos portugueses da Ongoing.
Abarrotaram os blogs com ações judiciais, para sufocá-los
financeiramente. Reagiram com fúria a qualquer tentativa de regulação do
mercado que pudesse abrir espaço para o novo.
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Mesmo assim, as poucas brechas abertas estão permitindo o nascimento
do novo. Já existe uma indústria de audiovisual promissora, algumas
(embora poucas) experiências inovadoras de jornalismo online, mas que já
fazem um contraponto expressivo no mercado de opinião política. E um
conjunto de personagens à espera do próximo grande agente aglutinador,
dentro das possibilidades abertas pelas novas tecnologias.
O novo já nasceu. É questão de tempo para o velho morrer.
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