Resumo da exposição feita por este editor na última sexta-feira (13/7) sobre o tema “Transparência no Judiciário“,
durante o 7º Congresso Internacional de Jornalismo Investigativo,
evento organizado pela Associação Brasileira de Jornalismo Investigativo
(Abraji), na Universidade Anhembi Morumbi, em São Paulo.
O painel contou com a participação do presidente da Associação Juízes
para a Democracia (AJD), José Henrique Torres, e foi moderado pelo
jornalista Fabiano Angélico.
Eis as principais observações deste repórter:
1) A imprensa finalmente começou a cobrir o Poder Judiciário por dentro, como instituição, com seus erros e acertos.
2) A mídia não cobria o Poder Judiciário como faz em relação aos
Poderes Executivo e Legislativo. Há muita informação de circulação
interna no Judiciário. Há muitas distorções e pouca vigilância da mídia.
Igualmente, há muitas histórias humanas exemplares no Judiciário que
não chegam ao conhecimento do público.
3) Apesar de a mídia ter melhorado e ampliado a cobertura sobre o
Judiciário, a maior exposição deste poder não resultou de pressão da
imprensa ou da especialização de seus jornalistas –embora os dois
movimentos tenham sido simultâneos. Essa abertura se deve,
principalmente, ao próprio Judiciário. Foi um processo que ocorreu de
dentro para fora.
4) Sem dúvida, a abertura foi estimulada pela cobrança da
sociedade, que expressa, cada vez mais, através da imprensa e das redes
sociais, sua insatisfação com a morosidade e a impunidade.
5) A transparência do Judiciário passou a ser uma exigência do
Conselho Nacional de Justiça, que emitiu resoluções a respeito,
determinando, por exemplo, a publicidade das informações sobre
orçamentos, vencimentos, uso de veículo etc.
6) A ação penal do mensalão concentra a expectativa da sociedade
por maior transparência no Judiciário. Foi relevante, lá atrás, a
decisão do ministro Joaquim Barbosa de quebrar o sigilo do processo do
mensalão. A transmissão pública das sessões de recebimento da denúncia
pelo Supremo abriu uma janela para ajudar o cidadão comum a entender o
ritual do Judiciário. A imprensa passou a acompanhar um grande caso,
passo a passo, com a consulta periódica do andamento do processo. À
parte as avaliações políticas sobre o mensalão, o processo tem sido um
excelente laboratório para a imprensa. A cobertura do julgamento será um
teste para a mídia.
7) Nos últimos anos, o noticiário sobre os fatos do Judiciário
ficou ao sabor de diferentes geradores de informação. Durante o governo
tucano, a imprensa dependeu muito do Ministério Público Federal como sua
principal fonte.
8) Com o governo Lula, o Ministério Público deixaria de ser a
fonte principal do noticiário sobre os fatos envolvendo o Judiciário.
Seja porque houve acomodação do MPF, seja por uma estratégia de
marketing político da Polícia Federal, a verdade é que a PF substituiu o
MPF como maior gerador de fatos de interesse da mídia.
9) Era o período das grandes operações policiais, batizadas com
nomes curiosos, realizadas com grande aparato e cobertura da mídia,
muitas vezes previamente informada sobre local e hora das diligências de
busca e apreensão. Em benefício dos defensores desse estilo de atuação
da PF, diga-se que as operações só existiram porque foram autorizadas
por magistrados; registre-se também que, apesar do aparato, não se tem
notícia de vítimas de balas perdidas nessas operações.
10) A sucessiva exposição de personagens influentes, algemados ou
não; a grita causada pelo aparato no cumprimento de mandados de busca
em gabinetes de magistrados; o fato alegado de que as peças de acusação
chegavam à imprensa sem que os defensores tivessem conhecimento das
acusações, tudo isso gerou terreno fértil para fortalecer o movimento
contra a chamada “pirotecnia” das operações da Polícia Federal. Isso
tudo culminou com um manifesto assinado por doze famosos criminalistas
cobrando limites à atuação da PF. Com a predominância de um discurso
garantista, de valorização do direito à ampla defesa, as limitações ao
uso de algemas etc., a Polícia Federal, depois dos episódios da Operação
Satiagraha e da mudança em seu comando, perderia a condição de grande
geradora de fatos de interesse para a imprensa.
11) O papel de principal interlocutor seria assumido pelo Poder
Judiciário, com a atuação do Conselho Nacional de Justiça. O CNJ criou,
no STF, uma agência de notícias que hoje abastece a imprensa em todo o
país (1,5 milhão de acessos mensais ao site do CNJ na internet e 120 mil
seguidores do órgão no Twitter).
12) É difícil imaginar que a imprensa investigativa, por conta
própria, conseguiria trazer à luz os muitos casos de corrupção e as
distorções identificadas pelas inspeções do CNJ nos tribunais estaduais.
Tenho dúvidas se o jornalismo policial, também por seus próprios meios,
conseguiria documentar as condições indignas dos presídios, com a mesma
amplitude e imagens obtidas nos mutirões carcerários.
13) O CNJ assumiu o papel de principal revelador das mazelas do
Judiciário, através da corregedoria nacional de Justiça. Era previsível
que essa exposição das “maçãs podres” do Judiciário gerasse a série de
embates internos, que aflorassem resistências, recrudescendo o
corporativismo na magistratura.
14) No primeiro momento, essas reações foram dirigidas às
audiências públicas nos Estados, na época do então corregedor Gilson
Dipp, sob o argumento de que deixavam vulneráveis os magistrados
submetidos à execração pública. No segundo momento, esse choque ganhou
proporções inéditas com as várias tentativas de esvaziar os poderes da
sucessora de Dipp, ministra Eliana Calmon.
15) A corregedora, então isolada no CNJ, soube trazer os fatos ao
conhecimento da sociedade, por meio da imprensa. Conseguiu reverter uma
situação que tornava insustentável sua atuação no Conselho.
16) Iniciaremos, em breve, outro ciclo, com a posse do novo
corregedor nacional de Justiça, ministro Francisco Falcão. O grande
diferencial na cobertura do Judiciário pela mídia, no entanto, poderá
ser o estilo que o futuro presidente do STF e do CNJ, ministro Joaquim
Barbosa, imprimirá no comando dos dois órgãos em sua gestão.
17) A maior ou menor transparência do Judiciário independe da
especialização dos jornalistas, pois tem mais a ver como cada
administração lida com a opinião pública. Há um obstáculo permanente: a
cada dois anos, mudam os dirigentes nos tribunais, cuja área de
comunicação fica sujeita à vontade e disposição dos administradores de
prestar contas à sociedade.
18) Minha expectativa é que a imprensa aprofunde, cada vez mais, o
conhecimento sobre como as decisões administrativas são tomadas nos
tribunais; que conheça os regimentos internos de cada Corte para melhor
questionar as diferenças e identificar distorções; que se interesse em
fazer reportagens sobre as condições de trabalho dos servidores e
juízes, principalmente nas varas e comarcas do interior; que a cobertura
não se resuma a ecoar e repercutir as decisões das cortes superiores;
que conheça bem o perfil dos dirigentes das Cortes e que exerça seu
papel legítimo de cobrança junto às corregedorias.
19) Enfim, que trabalhe na cobertura do Judiciário com o mesmo
desembaraço e persistência como faz em relação ao Legislativo e ao
Executivo.
20) Ao ingressar na blogosfera, com a criação do Blog “Interesse
Público”, em 2007, surpreendi-me com a descoberta de muitos blogs
mantidos por magistrados. Ao contrário da imagem de que “juízes só se
manifestam nos autos” ou por meio de suas entidades, percebi que muitos
magistrados têm interesse em expor suas opiniões, registrar suas
discordâncias sobre fatos relevantes do Judiciário e dos outros Poderes.
Acho que a sociedade terá muito a ganhar se os jornalistas ampliarem o
leque de fontes nessa área, seja para sopesar avaliações, seja para
enriquecer o debate com opiniões de novos interlocutores.
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