Ilustração: Patrícia Oliveira
Sociólogo, diretor do Ibase
Afinal, onde estamos?
Para onde vamos?
Como imaginamos o nosso
destino comum em íntima relação com a natureza? De que forma construir
as condições de bem viver e de felicidade para todos os seres humanos,
sem distinção, cuidando e compartilhando o generoso Planeta que nos
acolhe?
Que mudanças precisamos fazer desde já no atual modo de nos
organizar, produzir e consumir, gerador de exclusões e desigualdades
sociais vergonhosas e destruidor da base da vida?
São perguntas que cabe
fazer neste final da Conferência Rio+20,
quando mais uma vez nossos governantes demonstraram falta de
determinação para iniciar a grande reconstrução de um mundo em crise.
Muita pompa oficial para nada, propagando ainda mais incertezas sobre a
nossa capacidade coletiva de mudar rumos para a sustentabilidade da
vida, de todas formas de vida, e para a integridade do Planeta Terra.
Enquanto isto… a crise se aprofunda e se amplia e a incerteza coletiva
aumenta. A Rio+20 alimenta a capacidade destrutiva da crise mundial, ao
invés de aproveitar o momento histórico e virar um marco de mudanças
inadiáveis.
Precisamos afirmar em alto e bom tom que a crise de múltiplas facetas
(climática e ambiental, financeira, alimentar, de valores…), que abarca
o mundo inteiro, tem também um outro componente: a crise de governança.
Isto se revela, de um lado, na falta de uma estrutura de poder mundial
mais legítima do que a de hoje. O multilateralismo esgota-se e fica
impotente diante da ameaça permanente dos imperialismos armados e seu
poder de veto. Além disto, seu alcance esbarra nos Estados e suas velhas
soberanias nacionais. É fundamental acrescentar, nesta sintética
avaliação, que a economia hoje globalizada e a própria saúde das
finanças públicas estatais dependem do enorme poder privado das grandes
corporações econômico-financeiras, que submetem o mundo a seus
interesses de acumulação. Temos um governo mundial de corporações mais
do que de Estados.
Por outro lado, a crise de governança aparece na total falta de visão
e vontade de mudar dos governantes, mas também dos parlamentos que os
sustentam, por mais limitado e contraditório que seja o espaço político
que eles ainda detêm diante do chamado poder dos mercados. Mesmo que
impossíveis, as grandes tarefas na história da humanidade sempre foram,
antes de tudo, pensadas e sonhadas, para então serem criadas as
condições que as tornaram possíveis. Vendo o panorama do mundo hoje e a
patética Conferência Rio+20, a gente constata que faltam na arena
mundial estadistas de grande porte político e ético, generosos e
comprometidos, que ouçam as vozes e captem as demandas da nascente
cidadania planetária por mudanças já, estadistas que liderem a definição
de rumos e dos acordos democráticos para instaurar processos de
mudanças aqui e agora.
Vale a pena ressaltar aqui que o fracasso da Rio+20 era, de algum
modo, previsto. Eu mesmo escrevi uma série de crônicas a respeito. Mas
havia aquela ponta de esperança que algo poderia acontecer e o desfecho
ser outro. Afinal, política, ainda mais política democrática, é sempre
imprevisível nos seus resultados, ao menos no quando e como se chega a
eles. Mas desta vez, “eficientemente”, a diplomacia apostou no mínimo
denominador comum, que acabou sendo um sinal abaixo do mínimo, da Eco 92
e do que era demandado pela opinião pública e as diversas vozes cidadãs
do mundo. Como sempre, há algo de positivo a ressaltar na produção
desta oca conferência: a economia verde, vendida como desenvolvimento
sustentável, não é de consenso e nada foi aprovado a respeito. As
grandes corporações, se festejam a incapacidade coletiva do poder
constituído de mudar de rumo na organização da economia do mundo, não
podem festejar nenhum ganho, pois não lhes foi dada a liberdade para uma
avassaladora nova frente de negócios sem nenhuma regulação, abarcando
toda a natureza com suas biotecnologias, nanotecnologias e
geoengenharia. Mas a luta não acabou.
Quem faltou de forma mais incisiva na Rio+20 foi a nascente cidadania
planetária. Aliás, é daí que precisam surgir movimentos de cidadania
irresistíveis para história ser outra. Tentamos nos preparar para isto e
estivemos em razoável número. Não poucos estiveram participando na
Cúpula dos Povos e, também, no distante Riocentro. Alguns, como sempre,
exerceram a diplomacia cidadã e tentaram influir na produção do
documento final. Barulho fizemos e até bastante. Mostramos, sobretudo no
Aterro do Flamengo, a vibrante e até alegre diversidade que caracteriza
os povos abrigados pelo Planeta Terra. Mas, é necessário reconhecer,
faltou gente e nos faltou força para criar uma real densidade política
democrática capaz de inverter o jogo ou, ao menos, ameaçar. Também, não
conseguimos superar a nossa fragmentação e o enorme ruído que ela gera
para nós mesmos e ecoa para fora. Chegamos a pouco em termos de caminhos
para novos paradigmas, o mote que nos uniu. Mostramos indignação,
insurgência, capacidade de mobilização, mas não ainda um ideário e
propostas feitas de múltiplos e diversos sonhos, de muitas e diversas
identidades sociais e culturais, de pluralismo de visões, análises e
modos de agir. A incapacidade dos governos diante de suas contradições
e, sobretudo, do poder das corporações, mais uma vez patente nesta
Conferência da ONU, só pode ser superada pela nossa determinação de
cidadãs e cidadãos responsáveis, que creem e agem para que outros mundos
sejam possíveis. Cabe a nós a tarefa de empurrar governos para
mudanças, não nos iludamos.
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