Quem exprimiu a premissa que intitula este texto, ainda que em outros
termos, não foi qualquer um. Seu autor é o presidente do Equador,
Rafael Correa. Foi dita em visita recente que o mandatário fez ao Brasil
durante entrevista que concedeu ao jornalista Kennedy Alencar em
programa que este mantém na televisão aberta.
Correa disse ainda mais. Afirmou que, ao deixar o poder, pretende se
dedicar integralmente à missão de combater o que pode ser chamado de
imperialismo midiático, ou seja, o massacre comunicacional que um
reduzido contingente de impérios de comunicação produz ao esconder,
minimizar, aumentar, distorcer ou inventar fatos, além de, não raro,
censurar divergências.
A grande dificuldade que se apresenta hoje para acabar com a figura
supranacional que é a do “dono” da comunicação (algumas dezenas de
grupos empresariais, familiares ou não, que decidem o que a humanidade
deve ou não saber) é a de que esses impérios absolutistas se escudam
naquilo que mais ferem: a liberdade de expressão.
Para tanto, esses mega grupos empresariais espertalhões procuram
manter viva uma situação que vigeu nos primórdios da imprensa, quando
ela não tinha o poderio que tem hoje nas democracias e, assim, era o
último bastião contra o despotismo de Estado.
Isso durou até que os setores beneficiários da concentração de renda
em todo o mundo descobrissem que melhor do que mandar espancar ou
assassinar jornalistas que quisessem questionar o poder econômico seria
cooptá-los, assenhorando-se da propriedade da imprensa e convertendo-a
em uma imensa indústria.
A possibilidade de censurar hoje uma imprensa que dispõe de inúmeras
plataformas para difundir seu trabalho é praticamente nula não só nas
democracias, mas, até, nas ditaduras. Na Primavera Árabe, as redes
sociais mostraram que não é mais possível impedir o livre fluxo de
informações, mesmo quando alguém tenta controlá-lo com mão-de-ferro.
Contudo, é evidente que a capacidade de comunicar depende da dimensão
do aparato comunicacional. Como blogs ou perfis em redes sociais podem
enfrentar impérios de comunicação que dispõem de TODAS as plataformas
possíveis e imagináveis em termos de transmissão de informações?
O poder inaceitável que foi dado a esses impérios de comunicação,
portanto, é o de hierarquizarem notícias, fatos e opiniões e até mesmo
de escondê-los. E como não há meios de questionar em tom semelhante o
que esses impérios dizem, pois mesmo quando usam concessões públicas
simplesmente se negam a dar espaço até a autoridades, a inundação de
suas teses sufoca qualquer divergência e pauta a agenda pública.
Agora mesmo, no Brasil, estamos vendo efeitos revoltantes do poder da
mídia. Recentemente, dois ex-ministros do governo Dilma foram
absolvidos nas investigações sobre denúncias da mídia de que foram
alvos. Antonio Palocci, ex-ministro da Fazenda, e Orlando Silva,
ex-ministro do Esporte, foram derrubados sob denúncias de corrupção sem
fundamento sólido.
No caso de Palocci, ainda havia um questionamento de fundo moral
sobre ter se aproveitado (como tantos outros fizeram sem questionamento
da mídia) do cargo de ministro da Fazenda para auferir lucros em
negócios após deixar esse cargo, mas, no caso de Silva, não. Foi acusado
por um meliante que, da época em que a mídia lhe conferiu credibilidade
para cá, passou de acusador a réu.
Palocci, porém, teve a legalidade de seus negócios avalizada, ainda
que restem os questionamentos morais. Todavia, para tais questionamentos
se sustentarem eles teriam que ser feitos a todos os outros
ex-ministros da Fazenda que enriqueceram muito mais do que ele após
deixarem o cargo, sobretudo os ministros dos governos anteriores ao de
Lula.
Já o caso de Orlando Silva é mais grave. Foi alvo de uma trama
sórdida. A mídia transformou um bandido perigoso – por ter problemas
mentais evidentes – em um “herói” em luta contra o poderoso vilão
corrupto encastelado no poder em que o ex-ministro foi convertido. Esse
golpe fez o governo Dilma cometer um de seus maiores erros: imolar um
inocente sem razão plausível.
Quanto já custou ao país a politicalha partidarizada e os chiliques
ideológicos dos seus impérios midiáticos locais? Ministérios foram
paralisados, a agenda pública foi tumultuada por denúncias que eram
marteladas diariamente até atingirem o objetivo político-ideológico de
seus autores. E depois se descobre que não continham fundamento algum.
Políticas públicas deixam de ser ou são adotadas por pressão do
imperialismo midiático. É a comunicação que permite aos Estados Unidos
massacrarem mulheres, crianças e velhos de países longínquos “em nome da
democracia” e que transforma a reação a esses massacres em
“terrorismo”. Tudo graças à interpretação que os impérios maléficos de
comunicação dão aos fatos.
A fome, a miséria e a injustiça que ainda flagelam parte imensa da
humanidade sustentam-se nas versões dos fatos que são contadas, na falta
de pluralidade na comunicação.
Outro exemplo: no fim de semana passado estive em Juiz de Fora (MG)
para receber uma homenagem de movimentos negros sobre a qual ainda vou
escrever. O envolvimento deste blog com a luta dos negros por igualdade,
no Brasil, mostra o descalabro que se abate sobre essa maioria da
população exclusivamente por conta do imperialismo midiático, que tem
cor.
Movimentos negros de todo país questionam a “invisibilidade” do negro
na mídia, o fato de a televisão e a propaganda brasileiras terem um
filtro “racial” que retém o negro e o mestiço em benefício da “raça
pura”, de ascendência indo-européia, que domina a imagem do povo
brasileiro no exterior, fazendo com que pareça que é, predominantemente,
branco.
O resultado do racismo midiático é o de que os negros adquirem uma
imagem marginal à qual o mercado não quer se associar. A propaganda,
assim, usa a maioria negra como exceção quando, na verdade, é regra. E
usa a minoria branca como regra apesar de ser exceção.
Dessa forma, a discriminação racial praticada via sub-representação
do negro na mídia produz miséria e injustiça social. Os negros ganham
menos, estudam nas piores escolas, moram nos piores bairros, são alvos
preferenciais da violência urbana, tratam-se nos piores hospitais etc.,
etc., etc. E quem produz esse estado de coisas é a comunicação.
E a política internacional? Um exemplo: ação integrada da mídia de
vários países tenta legitimar um processo que depôs um governo, este
sim, legitimamente eleito. E sem o mínimo processo legal e direito a
defesa, em processo que durou algumas poucas horas.
E o que é pior: sabe-se que o risco de meia dúzia de grupos
empresariais de comunicação encurralarem os governos dos países do
Mercosul, não são desprezíveis. Só o que impede de verdade a
capitulação, é a Argentina.
E ainda que na imprensa escrita se encontre uma ou outra manifestação
lúcida sobre o golpe no Paraguai, na televisão o que predomina é o
apoio a esse processo espúrio, antidemocrático e escandalosamente
ameaçador à democracia na região.
Chega-se, enfim, ao cerne de tudo: a televisão. A dobradinha que faz
certa imprensa escrita com a televisão é o que torna potente o
partidarismo e o viés ideológico desses jornais, revistas e mega portais
de internet. Como, não raro, imprensa escrita e eletrônica pertencem
aos mesmos donos – que não enchem um restaurante –, não há debate de
peso no país.
Ainda assim, dirão, a vontade eleitoral dos impérios de comunicação
de países como os do Mercosul, por exemplo, vem sendo derrotada ano após
ano. Sim, é verdade. Mas os países deixam de funcionar a contento
porque esses impérios ainda conseguem paralisá-los com seus caprichos.
Alguns membros do governo Dilma desprovidos de visão histórica
atribuem à tecnologia o poder de mudar essa situação insustentável. Por
essa tese, a tecnologia aumentará ainda mais o poder de difusão de
informações à revelia do que possam querer grandes grupos econômicos
como os que controlam a grande mídia pátria.
Subestimam o poder econômico.
As novas plataformas, o avanço da
tecnologia que permite, cada vez mais, que um cidadão comum e
independente como este que escreve difunda informação a milhares não
mudam o fato de que quem tem mais dinheiro pode gerar tsunamis de
informação que engolfam as marolinhas da blogosfera e das redes sociais.
Enquanto este e outros países em desenvolvimento conseguirem manter
no poder governos que trabalhem para reduzir a miséria e a desigualdade,
a educação poderá fazer com que o povo vá votando, cada vez mais, em
causa própria. Todavia, as variáveis que podem reconduzir ao poder os
que querem impedir que o povo desperte, são imensuráveis.
Uma crise econômica internacional que deprima a economia além do que
estamos vendo pode pôr água no moinho da elite excludente, enganando a
parcela ainda descomunal de incultos e desinformados que hoje só vota em
causa própria por conta da percepção de que está ganhando. Se tal
percepção mudar, o povo não terá capacidade para entender os fatos e,
assim, será seduzido pelo discurso reacionário.
A versão da mídia sobre regulá-la equivaler a “censura”, porém, é
extremamente frágil. Bastaria um debate público com boa visibilidade
para desmontá-la sumariamente. O brasileiro não sabe, por exemplo, como
são as legislações sobre comunicação nos países desenvolvidos. Bastaria
relatar.
O alerta do presidente Rafael Correa, portanto, bem que poderia gerar
a criação de um organismo supranacional que trabalhe para desmontar a
versão farsante sobre ser “censura” querer que os impérios midiáticos se
tornem plurais. E que denuncie países como este, nos quais a
comunicação é um latifúndio.
Nenhum comentário:
Postar um comentário