Mapa mostra que o maior projeto de minério do mundo, o S11D, já estava projetado na década de 1980
Por Márcio Zonta
A mineradora Vale prepara outro Programa Grande Carajás. A empresa
vai explorar a partir dos próximos anos uma jazida de minério de ferro
considerada a maior do mundo na Serra Sul de Carajás, no Pará.
O projeto conhecido como S11D, já em fase de implantação, será o
maior investimento de uma empresa privada no setor mineiro no Brasil.
São 40 bilhões de reais destinados à nova mina, usina e logística, que
envolve a expansão da Estrada de Ferro de Carajás – EFC e a ampliação do
Porto de Itaqui, em São Luis (MA).
Em 2016, o Projeto Ferro Carajás S11D terá uma estimativa de extração
de 90 milhões de toneladas métricas de minério de ferro. A quantidade
preenche 225 navios conhecidos como Valemaz, o maior mineraleiro do
mundo.
Assim, a Vale passará a explorar na Serra de Carajás, com o Projeto
de Ferro Serra Norte, efetivado desde 1985 e o S11D, 230 milhões de
toneladas métricas de minério anualmente. A produção atual é de 109
milhões de toneladas por ano.
Embora a mineradora trate o S11D como uma novidade e parte da
imprensa nacional frise o empreendimento como a redescoberta de Carajás,
a exploração da Serra Sul estaria há muito tempo nos planos da Vale.
É o que denota um mapa (veja abaixo), ao qual a reportagem do Brasil
de Fato teve acesso, elaborado pela então Companhia Vale do Rio Doce
(CVRD) – antiga estatal – em 1984, onde o plano de extração do corpo
mineral da parte sul da Floresta Nacional de Carajás já está presente.
Para especialistas no assunto, o mapa evidencia ainda com mais
clareza a escandalosa privatização fraudulenta da Vale, e aponta para um
dos maiores saques de minério do mundo.
“A Vale sempre falou nesse projeto, a empresa sabia de sua capacidade
antes mesmo da privatização”, ressalta Frederico Drummond Martins,
analista ambiental, do Instituto Chico Mendes de Conservação da
Biodiversidade, responsável pela Floresta Nacional de Carajás.
O novo velho projeto
No Relatório de Impacto Ambiental do Projeto Ferro Carajás S11D, a
Vale menciona que os trabalhos de pesquisa realizada na jazida mineral
da Serra Sul tiveram início no final dos anos de 1960. Porém, o
documento cita que foram entre os anos de 2003 e 2007, que se
aprofundaram os estudos no bloco D, do corpo S11.
Segundo a notificação, somente em 2008 o resultado da análise das
amostras indicou uma reserva de minério lavrável de um montante de 3,4
bilhões de toneladas de minério no local.
Porém, para Frederico, muito antes disso a mineradora teria
conhecimento da quantidade de minério na região a ser futuramente
explorada. “Não só a empresa, mas o governo brasileiro também sabia. Na
época da privatização a Vale já possuía decreto de lavra para a Serra
Sul”, denuncia.
As obras para o ramal ferroviário estendido da EFC até a jazida da
Serra Sul, conseguido há pouco pela Vale, numa licença junto ao
Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis
(Ibama), é apontado no mapa de 1984, e citado na legenda do gráfico
como “Ramal Ferroviário Projetado”.
Dessa forma, o mapa aponta que existia uma pré-concepção de
exploração da S11D, ressaltando ainda mais a espoliação que significou a
privatização da Vale.
Patrimônio público
Em 1997, a mineradora foi incluída no Plano Nacional de
Desestatização (PND), uma política implantada pelo presidente em
exercício Fernando Henrique Cardoso (PSDB), que visava privatizar 70% do
patrimônio nacional para pagamento da dívida brasileira.
A mineradora foi vendida por R$ 3,3 bilhões de reais. O valor
estimado na época do leilão era de R$ 92 bilhões de reais, ou seja,
valor 28 vezes maior do que o que foi pago pela empresa.
Porém, o critério de avaliação do valor da mineradora escolhido pelos
bancos, entre eles o Bradesco, considerou apenas o fluxo de caixa
existente no momento da aquisição, sem levar em consideração o potencial
das jazidas processadas da Serra Norte e o imenso poderio da reserva
mineral da Serra Sul, estimado em 10 bilhões de toneladas de minério.
“Esse projeto de novo não tem nada, inclusive quando compraram o
subsolo da Serra de Carajás na privatização eles já tinham conhecimento
desse tanto de minério, o mapa é claro e mostra isso. É o maior saque de
minérios do mundo!”, indigna-se Raimundo Gomes Cruz, sociólogo do
Centro de Educação, Pesquisa e Apoio Sindical (CEPASP) no Pará.
Por que agora?
Estudos geológicos apontam que a Serra Sul tem potencial maior do que
a vizinha Serra Norte, onde já está localizada a maior mina de ferro do
mundo.
A exploração do S11D será apenas uma parte das 45 formações de
minério de ferro que compõem a cordilheira Serra Sul. Ainda mais outros
corpos, A, B e C futuramente serão explorados pela mineradora.
O projeto S11D constante nesse mapa histórico da antiga estatal CVRD,
sairia num momento estratégico do papel para se tornar realidade.
Conforme explica o professor de economia da Universidade Federal
Fluminense, Rodrigo Santos, o mercado de minério de ferro é extremamente
concentrado, de modo que mais de 2/3 da oferta global da matéria prima
depende da Vale, e das mineradoras anglo-australianas BHP Biliton e da
Rio Tinto.
“A Vale, nesse caso, vem apostando no S11D como seu principal
projeto, porque esse tem potencial para ampliar suas vantagens como
líder nesse mercado”, avalia Rodrigo.
Ademais, em tempos de espionagem dos Estados Unidos e Canadá ao
Ministério de Minas e Energia (MME), o S11D, seria inclusive uma das
preocupações dos concorrentes, pois demarcaria ainda mais a liderança do
mercado global da Vale frente a Rio Tinto e BHP Billinton,
respectivamente segunda e terceira no ranking mundial de extração
mineral.
“Considerando essa estrutura oligopólica e as características dos
mercados de bens minerais, o controle e substituição de reservas de
classe mundial, como Carajás, constitui uma das principais estratégias
de competição”, explica Santos.
Segurança Nacional?
A região de Marabá, da qual a Serra de Carajás fazia parte na década
de 1980, era submetida ao Grupo Executivo das Terras do Araguaia –
Tocantins (Getat), criado em 1980 pelo regime militar com a finalidade
de executar as medidas necessárias à regularização fundiária no sudeste
do Pará, norte de Tocantins e oeste do Maranhão.
O órgão era vinculado à Secretaria Geral do Conselho de Segurança
Nacional. O mapa elaborado pela Vale em 1984, continha informações
territoriais do Getat.
Flavio Moura, da Universidade Federal do Maranhão (UFMA) e
historiador da região, relata que o Getat era uma saída militar para
controlar o conflito pela posse de terra na região, além de garantir a
estratégia ditatorial da época de implantação dos grandes projetos na
Amazônia. “O Estado militarizado foi o testa de ferro do capital nessa
parte do país”, diz.
Ao observar o mapa, Moura não tem dúvida: “Esse material nos dá a
imensidão do controle dos recursos naturais da região, por isso vemos
por que a Guerrilha do Araguaia foi exterminada e qualquer forma de
movimentos sociais é combatida pela aliança militar-empresarial, como
foi o Massacre de Eldorado dos Carajás”, define.
A reportagem do Brasil de Fato submeteu o mapa, também, a um
topógrafo aposentado do Exército de Marabá. Humberto Martins Fonseca
relembra que a região de Carajás sempre foi alvo de maior proteção e
intervenção militar.
“A ideia que passavam para gente era que tinha muita riqueza no
subsolo de Marabá, por isso teríamos que defender esse patrimônio”.
Passados 30 anos do programa de exploração de minério no Pará,
Fonseca reflete. “Hoje vemos no que deu, na verdade não estávamos
protegendo as riquezas de ninguém, somente de nós mesmos, porque estamos
entregando tudo e ficando sem nada”, lamenta.
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