Acostumadas a copiar modelos estrangeiros, elites brasileiras
poderiam, ao menos, mirar Europa aceitando inovação e superioridade do
transporte coletivo
Por Celso Vicenzi
Incorporamos o fracasso. Séculos de maus-tratos à população dão-nos a
sensação de que as facilidades da vida cotidiana conquistadas por
outras sociedades, sobretudo na Europa, mas também em outros
continentes, estão fora do alcance dos brasileiros. Aceitamos uma
cidadania capenga, desfigurada, de segunda mão.
Em Florianópolis, uma ilha com três pontes e uma quarta sendo
anunciada, com crônicos problemas de mobilidade urbana, soa estranho
cada vez que algum especialista – brasileiro ou estrangeiro – sugere
soluções combinadas de transporte rodoviário, marítimo e ferroviário –
sobretudo este último. Os chamados VLT (Veículo Leve sobre Trilhos), por
exemplo, uma entre tantas possibilidades que demoramos a adotar,
reduziriam substancialmente nossos problemas.
Descontadas as características individuais, o que acontece em
Florianópolis não difere do que se passa em outras médias ou grandes
cidades. Cada vez que se propõe o uso de trens elétricos de superfície
ou veículos em trilhos ou monotrilhos há uma sensação de espanto no ar.
“Isso é irreal”, ouve-se, com frequência, de uma população acostumada a
tantas deficiências. “É muito caro”, antecipam autoridades ignorantes ou
de má-fé e gestores que nunca souberam ou quiseram fazer direito as
contas.
Quanto custam uma cidade e uma população paralisadas? Trabalhadores
que gastam horas engarrafados no trânsito? Pessoas que desistem, muitas
vezes, de se locomover a uma determinada área da cidade porque sabem o
quanto de sacrifício isso exige? Sem falar na poluição – atmosférica e
sonora. E os acidentes? Os feridos, os mortos? Quanto custa acostumar
uma população a se deslocar em ônibus precários e superlotados, de forma
desumana, como se isso não contribuísse, com o passar do tempo, para
desumanizar todas as relações na sociedade?
O Brasil copia ou reinventa quase tudo dos países mais ricos – o way of life –,
mas não é capaz de incorporar modelos de mobilidade que interligam
todos os modais de transportes, inclusive ciclovias. Em vários países é
possível alternar diferentes meios: ir de bicicleta até uma estação de
trem e continuar a viagem sobre trilhos; intercalar ônibus, trem e
metrô. Não é preciso – nem faz sentido – usar o mesmo tipo de transporte
do começo ao fim do deslocamento. As soluções precisam ser integradas.
Em vários países compram-se passagens para trens, metrôs e outros
modais em praticamente todas as plataformas de embarque e desembarque.
Em muitas delas de forma automática, operada pelo próprio usuário. Em
todas as plataformas – inclusive ferroviárias – não faltam informações
sobre os destinos dos ônibus que trafegam por ali.
E tudo é pensado em termos de custo-benefício: quem compra bilhetes
para um ou dois dias paga mais caro do que quem adquire passes para uma
semana, mês ou ano, por exemplo. Os custos são progressivos, em
círculos, a partir da área central até os pontos mais distantes servidos
pelo transporte urbano. No Brasil, os critérios não têm a mesma
clareza. Muito menos as facilidades para operar. Faltam transparência e
informações aos usuários, tratados como cidadãos de segunda mão.
Para que tirar o carro da garagem – para quem o tem – no deslocamento
diário pela cidade ou entre cidades, quando é possível fazê-lo de modo
muito mais tranquilo, rápido e econômico por transporte coletivo? Ao
longo dos anos, o custo-benefício mostra-se amplamente compensador,
tanto que é adotado por cidades de médio e grande porte.
No Brasil, uma entre as dez maiores economias do planeta, o custo não
pode ser a eterna desculpa. A menos que sejam os custos da ignorância,
da corrupção e da má gestão.
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