Agora, é Legislativo quem procura capturar sentimento das ruas.
“Mostra trabalho”, mas restringe debate — e já vota projetos que podem
ser contrários aos direitos e às maiorias
Comemorado à primeira hora como um reflexo positivo das manifestações
de junho, o ritmo de trabalho frenético que se abateu sobre o Congresso
começa a preocupar. Não sinto a menor falta da ociosidade parlamentar
de outrora, mas tampouco me alegra ver projetos de lei e propostas de
emendas à Constituição sendo aprovados ou derrubados a toque de caixa. É
o que está ocorrendo. Dá gosto de ver “os vagabundos trabalhando”, como
se diz por aí. Mas essa agilidade não pode suprimir um aspecto
fundamental do trabalho legislativo: o debate, não apenas entre
deputados e senadores, mas também – e principalmente – destes com a
sociedade e da sociedade entre si.
Na última quarta-feira, 3 de julho, a Câmara aprovou o Projeto de Lei
Complementar 200, apresentado em 2012, que estabelece o fim da
contribuição de 10% do Fundo de Garantia por Tempo de Serviço (FGTS)
pago pelos patrões no caso de demissão por justa causa. Hoje em dia,
esse dinheiro vai para um fundo utilizado pelo governo federal para
financiar programas sociais, como o Minha Casa, Minha Vida. Lobistas da
Confederação Nacional da Indústria (CNI) festejaram a vitória para o
bolso dos empresários. Os brasileiros nem souberam do que aconteceu – e
talvez ainda não saibam.
A primeira vítima da pressa que se abateu sobre o Congresso foi a PEC
37. Nas últimas semanas, muita gente na rua ergueu cartazes contra a
proposta, e xingou muito nas redes sociais, mas poucos sabem
efetivamente do que se trata. Sim, ela reduz a capacidade de
investigação do Ministério Público, mas quais seriam as reais
implicações da PEC 37 para além da ideia de que “serviria para inocentar
os mensaleiros”? Fora da área jurídica, e até dentro dela, ninguém
sabe. Não estou tratando, aqui, de defendê-la, até porque não tive
discussões suficientes para formar uma opinião arrazoada sobre o tema.
Gostaria, apenas, que os brasileiros tivessem tempo de se informar e,
informados, conseguissem debater as verdadeiras consequências, não
apenas da PEC 37, mas de outras medidas que vêm sendo aprovadas em
votações-relâmpago no Congresso. Está acontecendo tudo tão rápido que
mesmo quem assistisse TV Câmara e TV Senado 24 horas por dia não
conseguiria acompanhar a fundo – e entender – o conteúdo de cada
projeto. Quantos estão sendo capazes de formar opinião sobre cada
matéria? Inclusive a ideia de garantir recursos do pré-sal para a saúde e
educação, aparentemente irretocável, possui meandros técnicos e
cálculos matemáticos complicados, que podem significar, anualmente,
bilhões de reais a mais ou a menos para equipar escolas e hospitais
públicos, e remunerar médicos e professores. Estamos a par destes
detalhes para saber o que é melhor para o país, conforme nossa visão de
mundo?
No projeto de lei que pretende tipificar a corrupção como crime
hediondo, uma das maiores gritas emanada das ruas, o senador José Sarney
incluiu uma emenda para que também homicídios simples tenham a mesma
caracterização. E passou. Podemos ser contra ou a favor da ideia, mas a
população não está tendo tempo de absorvê-la, de discuti-la nem de se
pronunciar com um mínimo de autoridade sobre ela. Isso apenas para ficar
em alguns exemplos. É estarrecedor pensar que muitos projetos de leis
importantes ou detestáveis podem ser aprovados ou rechaçados, com
consequências mais ou menos graves no futuro, sem que as pessoas sequer
saibam de sua existência.
Há parlamentares oportunistas tentando colocar suas propostas por
debaixo do pano, para serem votadas rapidamente em pacotes legislativos
pouco ou nada discutidos.
Perdida na recentíssima torrente política, que
gera um turbilhão de notícias todos os dias, a imprensa tem dificuldade
em depurar cada proposta – e transmiti-la de maneira inteligível à
sociedade. É natural. Os profissionais do jornalismo, por mais
informados e rápidos que sejam, também precisam de tempo para pensar
sobre as pautas, entrevistar especialistas, confrontar interesses, pesar
prós e contras, construir análises etc. É bem-vinda a disposição da
classe política em trabalhar, ainda que tenha sido uma disposição nada
espontânea: foi claramente fabricada pelo grito dos brasileiros. Estava
faltando rua na democracia brasileira – e no ritmo de trabalho do
Congresso. Agora que a rua veio, está sobrando velocidade. E faltando
discussão. Isso não é bom.
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