Evaldo Cabral de Melo, historiador
São retratos parciais do brasileiro do século vinte. A popularidade
do futebol e do carnaval, no Brasil são fenômenos bastante recentes. O
carnaval que se conhecia no Brasil no período colonial e ao longo do
século dezenove era o chamado entrudo português - que não tinha nada a
ver com o carnaval que se faz atualmente no Brasil. Já o futebol foi um
jogo transplantado para Brasil por funcionários ingleses de companhias
de eletricidade e outras que operavam aqui, no fim do século passado.
Para o século vinte, compreender o Brasil sem o futebol e sem o carnaval
é impossível. Mas é preciso ter presente que todas essas idéias de
identidade nacional, tanto no Brasil como fora, têm muito de uma
construção ideológica. Nenhum país tem identidade. Uma identidade é
inventada para um país. O futebol e o carnaval, então, são dois
elementos fundamentais através dos quais a cultura brasileira do século
dezenove inventou uma identidade para o Brasil. A preocupação com a
identidade nacional que sempre houve, desde o período colonial, só se
tornou absorvente e monopolizou as preocupações do Brasil do Modernismo
para cá, ao longo dos últimos oitenta anos.
Nos anos de 1920, o
Brasil vivia a crise da política do “café-com-leite” e os pressupostos
de modernização e urbanização faziam-se necessários principalmente nos
grandes centros urbanos, como São Paulo e Rio de Janeiro. Nessa
perspectiva, ressalta-se que o advento das duas Grandes Guerras (1914
até 1945) fez com que o número de indústrias no Brasil se multiplicasse,
fato decorrente do segundo surto industrial (1914-1918) e dos primeiros
15 anos de Era Vargas (1930-1945). Em meio ao “clima” de urbanização,
crise política, tentativas de fortalecimento de governos, imigração
européia e cotidiano das empresas que surgiam em meio ao avanço dos
movimentos trabalhistas é que se fez necessário “inventar” o futebol e o
carnaval como símbolos nacionais.
É fato corrente na
historiografia que a emancipação política brasileira em 1822 se deu sob a
égide do privilégio das elites e da desigualdade, sobretudo
materializada com a legalidade e o continuísmo da escravidão. Outro
ponto interessante é a lembrança de que “o Estado sem nação brasileiro”,
dependente do capitalismo estrangeiro, constantemente teve a pretensão
de criar símbolos, heróis e datas que legitimassem o Brasil construído
pela elite.
Apesar das novas temporalidades futuras, a
perspectiva de criação de heróis e símbolos nacionais como um meio de
solidificar os interesses das classes privilegiadas tornou-se a tônica
da política brasileira. Fundamentados nesta pressuposição, os imigrantes
ingleses que vieram para o Brasil, no século XX, “trouxeram” o futebol
que era utilizado por grupos burgueses/industriais para garantir a
“diversão” dos trabalhadores, cuja jornada e condições de trabalho eram
péssimas na Inglaterra e também no Brasil do século XX. Com este viés, o
futebol foi muitas vezes financiado pelos industriais que “alimentavam o
sonho dos trabalhadores” de serem considerados importantes por suas
habilidades, fato que muitas vezes não acontecia nas fábricas. É lugar
comum que a proliferação de times com nomenclaturas vinculadas à
emigração, as fábricas ou a grupos inferiorizados socialmente tornou-se o
marco de nossa argumentação. Assim, times como Palestra Itália,
Operário, Portuguesa e outros tiveram seus nomes provenientes de tal
realidade.
Em um contexto mais recente, principalmente a partir da Copa de 1958,
no governo de JK (1956-61), a vitória da seleção brasileira, vinculou
definitivamente o futebol à construção de uma identidade nacional. Visto
que Juscelino, com seu plano de metas “50 anos em 5”, encontrou, na
segunda metade de seu mandato, problemas com o FMI, inflação e denúncias
de corrupção que poderiam “desmitificar” sua política de modernização e
sucesso. Assim, como o futebol é originário da Inglaterra, iniciou-se a
criação do “futebol arte brasileiro”, fundamentado principalmente na
figura de um jovem negro, denominado “Pelé”. A ditadura militar
(1964-85) também se utilizou da imagem do “futebol arte brasileiro” e da
figura de “Pelé – o rei do futebol” para tirar o foco, das torturas e
reações populares que, principalmente no governo Médici (1969-74) eram
marcantes. Outra questão, peculiar é que “o rei Péle” também se
beneficia(ou) da construção de sua imagem, pois foi contratado no fim de
sua carreira por um time americano “O Cosmos” em um jogo amistoso
contra “o Santos” , ocasião em que ele disse: “Love, love, love”. A
emoção de Péle, projetada pelos meios de comunicação, no mínimo,
disfarçaram os problemas da ditadura militar que, como é sabido, foi
financiada pelos Estados Unidos. País este que homenageou “Pelé”em um
jogo de despedida, em que o “Cosmos” (time americano) venceu o Santos por 2 x 1. Penso que este placar pode representar bem o Brasil no exterior sob o signo da dependência, ou seria melhor, sob a imagem de um brasileiro “ilustre” Pelé.
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