Triste “Pátria Educadora” que corta 10,5
bilhões na pasta da Educação neste primeiro semestre de 2015 e início
do segundo governo de Dilma Rousseff[1],
contradizendo às expectativas daqueles que a imaginaram como trajetória
para superar o secular “atraso” da revolução burguesa na educação
brasileira. No entanto, as trombetas anunciam a contrarreforma, os
cortes são destinados às atividades relacionadas aos estabelecimentos
públicos: na mesma semana que noticia o segundo corte, de R$1,1
bilhão, um Decreto aprova a liberação de 5,1 bilhões para as
instituições privadas por meio do FIES – Fundo de Financiamento
Estudantil; e do montante de recursos do orçamento da União executados
nesse período para o PRONATEC (Programa Nacional de Acesso ao Ensino
Técnico e Emprego), dito como “carro-chefe do governo” nas políticas
públicas de educação, 97% foi para o Sistema S, como veremos com mais
detalhes em seguida.[2]
Nesse contexto de ataque frontal à
educação pública, o Ministro Janine sonha com os enlatados educacionais
americanos para a educação básica – fazendo referência à Lei promulgada
em 2001, nos Estados Unidos, “Nenhuma Criança Deixada para Trás” (No
Child Left Behind), cujo caráter privatista, meritocrático e de
responsabilização individual (gestores, professores e alunos) tem
levado, principalmente, ao aumento da segregação socioeconômica e no
interior das escolas, à expropriação e precarização do trabalho docente e
à destruição do sistema público de ensino.[3] E o Ministro Mangabeira Unger pousa de ‘salvador genial’ da ‘reconstrução da nação’ e construção do ideário da Pátria Educadora[4], por meio de uma “segunda via”.[5] Nestes documentos, incluindo a Carta Programática de 2009[6], Unger vislumbra um “caminho rumo a um modelo de desenvolvimento capaz de fazer da ampliação de oportunidades econômicas e educativas o motor do crescimento” (UNGER, 2009). Eis a “nova” estratégia de desenvolvimento ‘produtivista includente’: abrir
possibilidades de “ampliação produtiva” (ampliação de acumulação de
capital) com ajuste na capacitação da força de trabalho conforme demanda
desses novos setores, criando, nesse sentido, oportunidades também para
os trabalhadores ‘ficarem de pé’. Nas palavras do Ministro da
Secretaria de Assuntos Estratégicos (SAE): “O objetivo, mais do que
construir novas vantagens comparativas[7] na economia mundial, é dar a cada brasileiro chance melhor para ficar de pé”
(SAE, 2015, p. 4; grifos nossos). A Amazônia, o Centro-Oeste e o
Nordeste são apontadas por Unger (2011) como áreas com potencial de
exploração, ou “vanguardas potenciais” deste novo modelo.
Enquanto isso, isto é, enquanto os
ministros se isolam na bolha do enlatado americano e do ideário
desenvolvimentista da Pátria Educadora e cumprem suas tarefas de
construírem e difundirem ideologias – tendo em vista o “mal-encoberto
viés político-ideológico, especialmente seu desvio ocidentalizante ou
americanizante”, segundo Miriam Limoeiro Cardoso (Apud. Freire e Becher,
2013, p. 208),[8]
– as IFES (Instituições Federais de Educação Superior) estão
agonizando. Uma a uma, uma atrás da outra, como numa fileira de dominós,
as IFES fecham suas portas e anunciam a impossibilidade de manter suas
atividades por questões financeiras.[9]
Como observou Valério Arcary, em
entrevista no programa Diálogos da Globonews (30 julho 2015), estamos
chegando aos 30 anos do pós-ditatura empresarial-militar, predominando a
alternância de governos ditos socialdemocratas e representantes da
classe trabalhadora, sem melhorias, de fato, significativas na
escolaridade, na condição de vida, na saúde… dos trabalhadores.
Na Educação, os alardeados “avanços” na
média de escolaridade da população de 4 anos para 7,6 anos de
escolaridade (isto é, ensino fundamental incompleto) escamoteiam que
grande parte dessa elevação (além de ser pouco significativa para 30
anos de “democracia”) deu-se por meio de projetos privados de
“aceleração” do ensino. São propostas de ensino dentro da rede escolar
pública regular que compacta as séries escolares, aligeirando a
conclusão do ensino fundamental ou médio, franquiadas (são consideradas
franquias sociais) pelos braços sociais do empresariado brasileiro,
Fundação Ayrton Senna e da Fundação Roberto Marinho, em convênio com
grande parte das secretarias municipais e estaduais de ensino; são
sinônimos de expropriação do conteúdo escolar e do trabalho docente com a
imposição, comercializada, de apostilas e de metodologias ditas
inovadoras. O carro-chefe da política de educação do governo de Dilma,
como declarou inúmeras vezes, é o ensino técnico-tecnológico. Este seria
o “motor de desenvolvimento do país” e “obra de construção nacional”,
na concepção de Unger. Com o PRONATEC o governo cumpriria suas promessas
de expansão das escolas técnicas e de ampliação das matrículas em nível
médio. Porém, o PRONATEC tem sido sinônimo de cursos profissionais de
curta duração e baixo valor tecnológico agregado, voltado para o
trabalho simples, denominados de “formação inicial e continuada” para
jovens trabalhadores. E para o “jovem aprendiz” o empreendedorismo é
apontado como saída do “mundo da violência” e inserção no “mundo do
trabalho”[10]
– precarizado, é claro. Todos esses cursos de “formação” são ofertados
“gratuitamente” pelo Sistema S. Dos R$551.413.899,65 executados este
ano no orçamento da União para o PRONATEC, conforme Portal da
Transparência da União, R$518.393.229,30 foram para o Sistema S.[11]
Enquanto isso, em dez anos, foram fechadas mais de 32 mil escolas do
campo e mais um tanto de turmas de EJA (Educação de Jovens e Adultos).
Enfim, a educação como “obra de
construção nacional” e “motor de desenvolvimento” caminha para
consolidar a “República das bananas” – ainda que de soja, carnes e
minérios e supostamente “modernizada” –; mantêm o caráter subordinado ao
grande capital e os sócios menores que são a burguesia plutocrática
local. Hoje, porém, com maiores concentrações de terras e de renda[12]
e um processo contínuo, porém mais intenso, de expropriação das
conquistas dos trabalhadores e de segregação na educação brasileira.
A classe trabalhadora continua amargando
a histórica opressão, superexploração, alienação, em meio a iminência
de grandes derrotas políticas. No entanto, ela se mostra cada vez mais
forte e organizada para essa batalha; é só verificarmos o número de
categorias em greve. O mesmo ocorrem com os movimentos em prol da
educação pública. Estamos de punhos cerrados contra os saques na
educação pública. Não vamos temer “os covardes que se escudam atrás de
seus cães de guarda”.
Não vamos testemunhar a morte da educação pública!
Notas
[1]
No início do ano o governo federal anunciou o corte de R$69,9 bilhões
do orçamento de 2015. As três pastas que sofreram os maiores cortes
foram: Ministério das Cidades – R$17, 23 bilhões; Ministério da Saúde –
R$ 11,77 bilhões; Ministério da Educação – R$ 9, 42 bilhões. Disponível:
http://glo.bo/1dpv4EM. Acesso: 22/05/2015.
[2] Fonte: Portal da Transparência da União. Disponível: http://bit.ly/1HierBg. Acesso: 26 junho 2015
[3]
Ver: FREITAS, Luiz Carlos. Os reformadores educacionais da educação: da
desmoralização do magistério à destruição do sistema público de
educação. Revista Educação & Sociedade. Campinas: Unicamp. v. 33, n.
119, p. 379-404, abr.-jun. 2012.
[4]
Documento da Secretaria de Assuntos Estratégicos, sob sua direção:
BRASIL. “Pátria Educadora: a qualificação do ensino básico como obra de
construção nacional”. Brasília: SAE, 2015.
[5] UNGER, Mangabeira. A segunda via: presente e futuro do Brasil. São Paulo: Boitempo, 2001.
[6]
Documento-carta de pedido de exoneração escrito à mão por Mangabeira
Unger destinado ao, então, Presidente Lula ao final de sua gestão
anterior na SAE (2007-2009), onde considerou ter colaborado com a
indicação do “caminho nacional”. Referenciado como: UNGER, Mangabeira.
“Carta programática: Construir o futuro do Brasil”, 2009. Disponível:
http://bit.ly/1Idonjr. Acesso: 17 de junho de 2015.
[7]
A expressão “vantagem comparativa” insere uma determinada perspectiva
teórica na economia, sobretudo aquela que vislumbra a competitividade no
mercado internacional, tendo em vista o que cada país tem de melhor em
riqueza para trocar no mercado internacional. No nosso caso seriam as
riquezas naturais que potencializam o agronegócio (soja, milho, açúcar,
etanol e carnes, bem como os minérios), as possibilidades de
investimentos em infraestrutura (além dos incentivos fiscais aos
investidores externos e mais as altas taxas de juros) e em setores que
despontam como grandes possibilidades de mercado, a exemplo da educação,
o potencial de consumo da população, dado o aspecto quantitativo, e o
perfil da força de trabalho barata, embora pouco qualificada (diferente
da Índia, por exemplo). Na carta de 2009, abrir oportunidades de
negócios – ampliar as vantagens comparativas – na Amazônia e no
nordeste.
[8] FREIRE, Silene & BECHER, Mariela. Entrevista. A ideologia persistente do desenvolvimento. Miriam Limoeiro Cardoso. Revista em Pauta. Faculdade de Serviço Social. UERJ. Rio de Janeiro. Junho de 2013.
[9]
Ver: Mais da metade das federais mineiras adiam início das aulas. Seis
das 11 instituições federais de ensino superior de minas adiam aulas por
atraso em matrículas – UFMG formaliza decisão até amanhã. falta de
dinheiro ameaça outras atividades. Disponível: http://bit.ly/1fWCMGW.
Acesso: 31 julho de 2015; UFJF suspende semestre letivo para estudantes
da graduação Crise financeira e greve de técnicos são motivos, diz
Conselho Superior. Aulas do 2º semestre começariam na próxima
segunda-feira (3). Disponível: http://glo.bo/1M5byvQ. Acesso: 31 julho
de 2015; a Universidade Federal da Bahia teve corte no fornecimento de
energia elétrica por falta de pagamento. Disponível:
http://bit.ly/1D3vKer. Acesso: 31 julho de 2015;entre outras.
[10]
Conforme reportagem da Revista Exame online: “Pronatec Jovem Aprendiz
prevenirá criminalidade, diz Dilma”, em 17 de junho de 2015. Disponível:
http://abr.ai/1IE0KC7. Acesso: 19 de junho de 2015.
[11] Fonte: Portal da Transparência da União. Disponível: http://bit.ly/1HierBg. Acesso: 26 junho 2015.
[12]
Ver: GONÇALVES, Reinaldo. Desenvolvimento às avessas: verdade, má-fé e
ilusão no atual modelo brasileiro de desenvolvimento. Rio de Janeiro:
LTC, 2013. LEHER, Roberto e MOTTA, Vânia. Capitalismo dependente reserva
um futuro hostil para a juventude: educação, precariado, exército
industrial de reserva e a irrupção das Jornadas de Junho no Brasil (no
prelo).
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