Ivo Poletto tem razão quando afirma que, nos últimos cinco séculos,
nasceu, se consolidou e se tornou hegemônica a forma capitalista de
produção e consumo, tendo por base a propriedade privada, a organização
do trabalho através de contrato e a produção de mercadorias. No entanto,
infelizmente, ele não considerou que a expansão do modo capitalista de
produção, circulação e distribuição se deu, e continua se dando, de
maneira extremamente desigual, descombinada e conflituosa. Com isso,
configurou uma miríade de capitalismos com características nacionais
próprias, que apresentam problemas e possíveis soluções diferenciadas.
Vladimir Pomar
Vladimir Pomar
A
expansão do capital conformou, durante os séculos 19 e 20, apenas
alguns países capitalistas avançados, com alto desenvolvimento
industrial, tecnológico, científico e cultural. Durante boa parte do
século 19, esses países assistiram a uma intensa luta de classes entre a
burguesia e os trabalhadores assalariados, assim como revoluções
camponesas que prefiguravam a transformação desses trabalhadores rurais
em proletários. Tais lutas levaram tanto a conquistas econômicas, a
exemplo da jornada de 8 horas de trabalho, quanto a conquistas sociais e
políticas, a exemplo do direito de sindicalização e do voto universal.
A
rigor, a luta da classe trabalhadora assalariada impôs às sociedades
direitos burgueses que a burguesia triunfante se negava a reconhecer.
Por outro lado, a exploração colonial dos países subdesenvolvidos chegou
a permitir aos capitalistas dos países desenvolvidos concessões que
aburguesaram parte de sua classe trabalhadora assalariada. Nos Estados
Unidos, através da promoção do consumo a crédito. Nos países europeus e
no Japão, pela instituição de normas de seguridade social, em especial
após a segunda guerra mundial.
A expansão da forma capitalista
também propiciou a emergência de países medianamente desenvolvidos do
ponto de vista industrial e tecnológico. Em alguns casos, como o da
Coréia, promoveu um desenvolvimento industrial, tecnológico, científico e
cultural relativamente elevado, com altas taxas de emprego. Em outros
casos, como na periferia da Europa, combinou financiamento estatal e
consumo a crédito, que permitiu altas taxas de emprego público e nos
serviços, ao mesmo tempo em que corroeu as bases produtivas industriais e
agrícolas de seus países.
Paralelamente, em vários outros
países, durante os anos 1950 e 1960, promoveu o desenvolvimento
industrial e tecnológico, ao mesmo tempo em que manteve a pobreza e a
incultura de grandes massas da população, como ocorreu na África do Sul,
México, Brasil e Índia. E, em muitos outros, os forçou a se manterem no
atraso e apenas como fornecedores de matérias primas minerais e/ou
agrícolas, a exemplo da maior parte da África, Ásia e América Latina.
Tudo isso, associado a guerras mundiais, regionais e locais, instituição
de ditaduras militares e civis, conflitos sociais, religiosos e
étnicos, e revoluções políticas, trazendo à tona contradições e
diferenciadas formas de lutas de classes.
Essa expansão
desigual, descombinada e conflituosa, incluindo a concorrência
intercapitalista, nacional e internacional, levou os países capitalistas
avançados a elevar o conteúdo científico e tecnológico de sua produção,
circulação e distribuição (o que abrange agricultura, indústria,
comércio, finanças e serviços). Com isso, elevou a participação do
capital constante, ou do trabalho morto, na composição do capital total,
intensificando sua centralização. Reduziu a participação do capital
variável, ou do trabalho vivo, intensificando o desemprego como algo
estrutural, independentemente das crises cíclicas do capital. E
introduziu uma séria contradição com a lucratividade, fazendo com que
ela decaísse.
Essas contradições se intensificaram a partir dos
anos 1970. José Waldir de Quadros e outros apontam que, nesses anos, a
situação daqueles países desenvolvidos se transformou radicalmente
graças à terceira revolução industrial, à crise de superacumulação,
inevitável após décadas de crescimento acelerado, à guinada neoliberal e
aos questionamentos à ordem social vigente na Golden Age.
Na
verdade, a guinada neoliberal e os questionamentos ao período anterior
decorreram da nova revolução industrial e da superacumulação de
capitais, que elevaram brutalmente a participação do trabalho morto e
impactaram intensamente a tendência de queda da taxa média de lucro, ou
da lucratividade. Para contornar tal queda, o capitalismo desenvolvido
intensificou a exportação de capitais, na forma de plantas industriais
completas ou segmentadas, e na forma de capital-dinheiro especulativo,
ao mesmo tempo em que designou esse processo de globalização.
Através
de operações ideológicas e políticas, o capitalismo firmou a teoria de
que a desindustrialização dos países periféricos seria idêntica à
desindustrialização dos países capitalistas avançados. O mundo todo
estaria ingressando numa era pós-industrial, em que os serviços e os
conhecimentos substituiriam a indústria e, embora não liquidassem todas
as classes, tendiam a fazer desaparecer a classe operária industrial.
Márcio
Pochmann, por exemplo, reconhece que o deslocamento de plantas
industriais do antigo centro do capitalismo para regiões periféricas,
sobretudo asiáticas, esvaziou a produção industrial. No entanto, não
especifica que esse esvaziamento ocorria no centro, enquanto renascia
nas regiões periféricas asiáticas. Ao desconsiderar isso e acrescentar
que outros países, como os da América Latina, mesmo sem completar
plenamente sua industrialização, também teriam registrado sinais de
esvaziamento da produção de manufatura, conclui que tudo se deu em meio à
emergência da sociedade de serviços.
Ou seja, aceita a tese de
que a desindustrialização seria a lei geral, mesmo nos países que não
completaram o desenvolvimento de suas forças produtivas, enquanto o
curso da industrialização em vários países asiáticos seria apenas
tardio. A expansão do setor de serviços na economia seria predominante,
implicando modificações substanciais no anterior padrão de mobilidade
social.
Ainda segundo ele, essa transição da sociedade
industrial para a de serviços, com o peso da indústria decaindo mais
rapidamente, teria ocorrido concomitantemente com a expectativa de que a
valorização do conhecimento fosse capaz de manter inalterada a
estrutura social de classe até então existente. Apesar disso, ter-se-ia
percebido uma gradual alteração no interior da estrutura social,
compatível cada vez mais com o predomínio de novas formas do trabalho
imaterial. O antigo movimento de estrutura do mercado de trabalho teria
dado lugar a trajetórias de desemprego e emprego parcial, entre outras
formas de trabalho precário.
Prefiro sustentar que o intenso
processo de desindustrialização dos países capitalistas avançados, em
especial dos Estados Unidos, tem raízes diferentes da
desindustrialização dos países periféricos que ingressaram na onda
neoliberal. Nos países avançados, a desindustrialização está relacionada
ao alto estágio de desenvolvimento científico e tecnológico das forças
produtivas, à queda da taxa média de lucro, à produção de dinheiro
fictício, à superacumulação de capital e à exportação de capitais
excedentes para países atrasados ou medianamente desenvolvidos.
Com
isso, o capital pode aumentar a extração de taxas de mais-valia
absoluta de trabalhadores de países com mão-de-obra mais barata e,
paralelamente, obter altos lucros com a emissão de dinheiro fictício. O
resultado tem sido uma intensa expansão mundial do capitalismo e uma
maior superacumulação de capital, que tornou o desenvolvimento da forma
capitalista ainda mais desigual, descombinado e potencialmente
conflituoso do que no passado. A presente crise mundial desse
capitalismo desenvolvido é uma expressão viva desse processo.
Embora
os teóricos do capital desenvolvido tenham criado a teoria de uma
transição civilizacional, da indústria para os serviços, e da
transformação dos antigos trabalhadores industriais em trabalhadores dos
serviços, na prática o que tem ocorrido é o agravamento do desemprego
estrutural e da pobreza. Hoje há cerca de 50 milhões de estadunidenses
vivendo abaixo da linha da pobreza. E na Europa os desempregados também
se aproximam desse número.
Já em muitos países atrasados e
medianamente avançados, a ação financeira dos capitais excedentes
estrangeiros desestruturou parques industriais, reverteu o processo de
industrialização para desindustrialização bem antes de esses países
alcançarem um alto grau de desenvolvimento científico e tecnológico, e
desnacionalizou e monopolizou a economia. Isso ocorreu na maior parte
dos países da América Latina, inclusive no Brasil, em grande parte dos
países da África e, de forma menos intensa, na periferia europeia. Neles
também se disseminou a teoria da transição civilizacional e da
transferência dos trabalhadores da indústria para os serviços. Mas, na
prática, houve aprofundamento do desemprego, da pobreza e da miséria.
Ou
seja, a desindustrialização dos países capitalistas desenvolvidos tem
sido causada pelo alto desenvolvimento científico e tecnológico de seus
meios de produção, circulação e distribuição. A desindustrialização dos
periféricos foi causada pela avalanche financeira neoliberal, embora
ambas tenham resultado na redução da classe operária industrial. Porém,
nos desenvolvidos, o desemprego é estrutural, devendo agravar-se à
medida que as ciências e tecnologias se incorporarem como novas forças
produtivas. Apesar disso, o movimento da estrutura do mercado de
trabalho não chegou a abolir o trabalho assalariado, e este é o ponto
crucial para a reavaliação das classes sociais.
Nos países
subdesenvolvidos, o desemprego é conjuntural, podendo ser revertido.
Isso pode ser verificado especialmente em vários países periféricos da
Ásia, uns atrasados e outros medianamente avançados, nos quais o Estado
assumiu o processo de regulação dos capitais exportados pelos países
capitalistas desenvolvidos, e a industrialização se intensificou.
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