Parece
ter chegado a hora da mobilização pela implantação do recall, mecanismo
apto a cassar, por iniciativa popular, aquele que trai a confiança do
eleitorado.
A chamada lei da Ficha Limpa, de iniciativa de 1,3 milhão de
eleitores e cuja legitimidade constitucional acabou de ser reconhecida
no Supremo Tribunal Federal (STF) por 7 votos a 4, mostra como os
cidadãos podem interferir de maneira positiva no aperfeiçoamento do
sistema democrático. Essa iniciativa cidadã em pouco tempo recebeu firme
adesão da opinião pública esclarecida.
Agora parece ter chegado a hora da mobilização pela implantação do recall,
mecanismo apto a cassar, por iniciativa popular, aquele que trai a
confiança do eleitorado. Num passado recente, o eleitorado californiano
democrata deu “cartão vermelho” ao governador Gray Davis. Para os
eleitores, Davis não cumpriu as promessas de campanha. Uma lista com
assinaturas dos eleitores democratas insatisfeitos, e que atingiu o
número legal, levou à consulta (recall) e, pelo voto, o
governador acabou defenestrado. Depois disso, abriu-se um processo
eleitoral. O vencedor foi o republicano Arnold Schwarzenegger.
Sobre o recall, Lenin influenciou a sua adoção na Hungria,
Romênia, Polônia, União Soviética, antiga Alemanha Oriental e na então
Tchecoslováquia. Para o líder russo, num escrito publicado no jornal Iskra
durante seu exílio suíço, “um país não é democrático se o eleitor não
contar com um instrumento para retomar o mandato concedido ao eleito”. O
recall, frise-se, é empregado nos cantões suíços e
apresenta-se útil para retomar mandatos de “vereadores” e dos
administradores (prefeitos) cantonais. Foi na Suíça que Lenin conheceu o
recall eleitoral.
Durante o julgamento da Ficha Limpa, o ministro
Gilmar Mendes demonizou a força da opinião pública, isso depois da
surpreendente mudança de tese do ministro Marco Aurélio Mello,
atribuível aos seus desgastes no julgamento sobre a competência
correcional do Conselho Nacional de Justiça (CNJ) e na atuação
jurisdicional, pois, conforme levantamento do jurista Joaquim Falcão,
ele fica vencido em mais de 70% dos julgamentos sobre
constitucionalidade.
Para Mendes, “essa tal opinião pública é a mesma que elege os
candidatos ficha suja”. Nada mais equivocado, pois a opinião pública não
engoliu aqueles de ficha suja e exigiu novas condições de
elegibilidade. O mais forte dos argumentos levantados para se declarar a
inconstitucionalidade da Ficha Limpa referia-se a um princípio jamais
acolhido pelas Constituições brasileiras democráticas. Nunca acolhido,
mas sempre proclamado quando convém a potentes, poderosos, coronéis e
seus jagunços. No Brasil democrático, vigorou sempre o princípio
constitucional da presunção de não culpabilidade. Jamais o chamado
princípio da presunção da inocência. Não seguimos o modelo francês, que
nem lá conta com a interpretação dada por alguns ministros do STF.
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Atenção: se todos fossem presumidamente inocentes, não se poderia
decretar a prisão preventiva, cautela necessária e cuja imposição se dá
antes do trânsito em julgado da sentença condenatória. Muitas vezes, até
na fase de inquérito policial. Pergunta-se: em algum momento, o STF
invocou a presunção de inocência para acabar com a prisão preventiva no
País? O que se viu – e os casos Salvatore Cacciola, Daniel Dantas e
Roger Abdelmassih são emblemáticos – foram contorcionismos e errôneas
avaliações de Marco Aurélio Mello e Gilmar Mendes para soltá-los.
Não se deve olvidar que na França prisões
preventivas são decretadas e ninguém cogita de afronta à presunção de
inocência. Para ficar claro que o constituinte brasileiro adotou o
modelo italiano da presunção de não culpabilidade, onde se nega a culpa,
mas não se afirma a inocência, um simples cotejo de textos espanta as
dúvidas e seria recomendável aos Toffoli da vida: L’imputato non è considerato colpevole (Constituição da Itália). “Ninguém será considerado culpado” (Constituição do Brasil). Tout homme étant presume innocent
(Constituição da França). Ao citar autores italianos de nomeada, o
jurista Hélio Tornaghi não cansava de ensinar: “Afirmou-se apenas que só
depois da sentença condenatória final é que se pode falar em culpado…
Declarando que o acusado não é considerado culpável, a Constituição não
afirma a presunção de inocência, limitou-se a negar a culpa”.
A opinião pública, e não se perde por esperar, deverá pressionar para
se estabelecer mandato por prazo certo e improrrogável para ministros
do STF, com outros mecanismos de escolha e controle correcional sobre
eles pelo CNJ, que deverá se transformar em órgão real de controle
externo. O recall também chegará, sempre para aperfeiçoar e
aproximar o representante dos seus representados. A propósito, na vida
civil, uma procuração (contrato de mandato) pode, conforme estabelece o
Código Civil, ser rescindida quando o mandante perde a confiança no
mandatário-procurador.
Quem viver verá.
Wálter Fanganiello Maierovitch
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