Os oficiais de justiça da Seção Administrativa de Distribuição de Mandados (SADM) de Santos reuniram-se na manhã desta terça-feira, 29 de julho, no Salão do Júri do Fórum da Comarca no intuito de trocar informes e esclarecimentos acerca das recentes discussões da Comissão Geral com o presidente do Tribunal de Justiça, desembargador José Renato Nalini, e o corregedor geral, desembargador Hamilton Elliot Akel, acerca da pauta reivindicatória específica dos servidores da função.
Catarina Lutfi Morgado e Sérgio Crochemore, da mesa de trabalho, e Rosângela dos Santos, da Assojubs
A reunião teve início com a explanação de Catarina Lutfi Morgado, membro da mesa de trabalho juntamente com Sérgio Crochemore. A servidora, presente ao encontro com Nalini, falou sobre a boa receptividade do Tribunal quanto à proposta apresentada pela Comissão de Oficiais de Justiça em relação à majoração das diligências pagas: utilizar a Ufesp (seria o valor de três, no caso, R$ 20,14 x 3 = R$ 60,42) como indexador na atualização dos valores ao invés da gasolina, como acontece atualmente.
Morgado esclareceu que o presidente do TJ consentiu a proposta dos oficiais, mas ressaltou que a decisão cabe ao corregedor. Akel, por sua vez, concordou com a Ufesp como indexador, mas solicitou um período para análise do apresentado e dispor um parecer sobre o valor - se mantém ou não as três Ufesps.
Acerca do Projeto de Lei Complementar 56/2013 (que propõe o requisito de nível universitário para ingressar no cargo), a Comissão justificou ao presidente que o TJ pode custear o PLC assim que houver a aprovação pela Assembleia Legislativa (Alesp). O argumento usado foi o seguinte: como a Lei 14.943/13 permite que os recursos do Fundo Especial de Despesas possam ser utilizados para pagamentos decorrentes do cumprimento de decisões administrativas, auxílios alimentação, creche e funeral, o Tribunal pode usar o dinheiro do FE para essas indenizações e deixar as verbas do Tesouro para o PLC 56.
Ao ouvir o argumento, Nalini pediu que a Comissão apresentasse um documento comprovando tal viabilidade, um estudo dos números em que haja a fundamentação da questão, detalhando como é possível usar os recursos do Fundo Especial para cobrir o impacto financeiro do PLC.
Os oficiais de justiça da SADM Santos durante a reunião no Salão do Júri do Fórum da Comarca
Sobre as alterações nas Normas de Serviço da Corregedoria, Morgado e Crochemore relataram que na reunião com Akel, ficou definido que serão constituídas comissões paritárias de discussão dos estudos para a revisão do documento.
Na questão da violência, ficou acertado a realização de reuniões com a Polícia Militar para analisar as reivindicações dos oficiais de justiça e encontrar uma solução para que os servidores tenham segurança durante o serviço. O intuito é que exista um canal direto de discussão entre a PM e os judiciários, que se dispuseram a apresentar propostas para melhorar as condições de trabalho.
Além das reuniões com o presidente e corregedor do TJ, os oficiais de justiça citaram as atividades promovidas na Baixada Santista para fazer pressão e buscar apoio pela aprovação do PLC 56/2013. Foram atos durante a passagem do governador Geraldo Alckmin (PSDB) pela região e tratativas com as Câmaras de Vereadores de Santos, São Vicente e Cubatão e Seções da Ordem dos Advogados do Brasil de Santos e Cubatão por moções favoráveis ao projeto.
Ao final da reunião, a mesa de trabalho, com apoio da Assojubs, representada por Rosângela dos Santos, secretária geral e também oficial de justiça, e do Sintrajus, presente com o coordenador geral Michel Iorio Gonçalves, fez um chamado para a Assembleia Estadual da categoria, em 5 de setembro, às 13 horas, na Praça João Mendes, na Capital, destacando a importância da participação na luta coletiva.
Na tarde desta segunda-feira, 28 de julho, representantes da Assojubs e Sintrajus estiveram reunidos com o juiz diretor do Fórum de Santos, Valdir Ricardo Lima Pompêo Marinho, que também é o responsável pela Diretoria do Departamento de Administração da 7ª Região Administrativa Judiciária, com o propósito de discutir questões pertinentes às comarcas que fazem parte do Daraj 7.
Assojubs e Sintrajus reunidos com Valdir Ricardo Lima Pompêo Marinho, responsável pelo Daraj 7
Itanhaém
Um dos primeiros pontos tratados foi sobre o Fórum de Itanhaém, que já dá dispõe de espaço físico para a ampliação de suas instalações, mas, por conta de problemas de gestão do Tribunal de Justiça e o Ministério Público, o novo prédio continua desocupado. De acordo com Marinho, foi informado na reunião com a Assojubs e Sintrajus que esse impasse está em vias de ser resolvido.
O diretor do Daraj foi procurado pelos juízes da Comarca de Itanhaém sobre o caso, que solicitaram uma solução. Segundo Marinho, em contato com a Presidência do TJ-SP, o juiz assessor Fernando Figueiredo Bartoletti afirmou que já houve um acordo entre os órgãos e, portanto, brevemente a situação deverá equacionada.
Os representantes, que estiveram na semana passada na Comarca, falaram ao juiz sobre os locais reduzidos para o trabalho, principalmente ao que tange o setor técnico, que abriga a sala dos assistentes sociais e psicólogos e salas de espera e atendimento ao público, extremamente pequenas, tanto para os profissionais quanto para acomodar materiais e receber os jurisdicionados.
Santos e Cubatão
Acerca do Fórum Cível de Santos, que recentemente teve problemas com a capacidade elétrica, Marinho relatou que um laudo foi providenciado, uma análise que resultou em correções simples, havendo a necessidade da troca de disjuntores para evitar novos incidentes. O proprietário do prédio será notificado para efetuar os reparos na rede. A acessibilidade do lugar já foi finalizada. No Anexo, o bicicletário, devido à reforma no edifício, segue sem condições de uso.
O propósito foi discutir questões pertinentes às comarcas da 7ª Região Administrativa Judiciária
Em relação ao Fórum Central e a falta de climatização no local, houve um pedido completo da obra de capacitação da cabine primária de energia e a revitalização da fachada. O projeto está pronto e foi enviado ao setor competente da Prefeitura de Santos, assim que devolvido, será encaminhado à Presidência do TJ para avaliação orçamentária e permissão da execução.
Em Cubatão, também é necessária a capacitação da cabine primária de energia para climatização do Fórum. Marinho ressaltou que a obra foi priorizada no orçamento do Daraj para 2015 e que, teoricamente, dentro dessas premissas, tem que ser feito. O projeto de reforma está em andamento.
Praia Grande, Mongaguá e Guarujá
Para a climatização em Praia Grande, no edifício antigo ocorre a mesma necessidade de reforma na cabine primária de energia. Na Comarca de Mongaguá, a previsão de entrega do prédio novo é até o fim do ano, pois o atraso na inauguração das instalações aconteceu devido a problemas com a rede lógica, mas a obra segue em andamento.
No Guarujá, o terreno cedido pela Prefeitura Municipal para as instalações do prédio novo foi aceita pela Procuradoria e a cúpula do Tribunal acenou com a construção do Fórum.
Marinho destacou que a Presidência do TJ priorizou 13 obras para o exercício de 2015, sendo quatro delas em Comarcas que integram o Daraj: Iguape, Cubatão, Praia Grande e São Vicente. A iniciativa é válida, mas é importante deixar claro que todas necessitam de dotação orçamentária vindas de repasses feitos pelo Governo do Estado.
Presentes à reunião
A Assojubs foi representada na reunião por Alexandre dos Santos, presidente, e Silvio José Realle, diretor de Tesouraria. O Sintrajus se fez presente com seu coordenador geral, Michel Iorio Gonçalves. O juiz diretor do Daraj 7 contou com o auxílio de Leni Vasconcelos da Silva, supervisora de serviço da Administração Geral da Comarca de Santos.
NO DIA 29.07, OCORREU UM ATO PÚBLICO NA ALESP A FAVOR DO PLC 1005/13 (PAGAMENTO PARA CONCILIADORES E MEDIADORES NO VALOR DE 02 UFESPS POR HORA PARA ADVOGADOS E BACHARÉIS EM DIREITO - SEM CONCURSO), JÁ TEM ATÉ EMPRESA ESPECIALIZADA INTERESSADA NA APROVAÇÃO DO PROJETO: http://www.al.sp.gov.br/noticia/?id=358377
30/07/2014 18:27
Ato público pede aprovação de PL que prevê remuneração de conciliadores e mediadores
Em todo o mundo, 80% dos conflitos são solucionados sem necessidade de processo judicial
Da Redação Fotos: Vera Massaro
Ato público realizado nesta terça-feira, 29/7
Ato público realizado nesta terça-feira, 29/7, pediu a aprovação do Projeto de Lei 1005/2013, que trata da remuneração e da jornada de trabalho dos conciliadores e mediadores do Judiciário. De autoria do Tribunal de Justiça, o PL está pronto para votação na Assembleia paulista.
Na abertura do encontro presidido por Fernando Capez (PSDB), foram apresentados levantamentos sobre o Judiciário brasileiro e paulista. Somente em São Paulo, há 20 milhões de processos em tramitação.
Segundo dados do Banco Mundial referentes ao ano de 2013, em todo o mundo, cerca de 80% dos conflitos foram solucionados através de mediação. Das partes que participam da mediação, 95% reconhecem o benefício da tentativa conciliatória, ainda que não tenha havido acordo entre as partes.
Cejuscs
José Roberto Neves Amorim, desembargador e coordenador do Núcleo Permanente de Métodos Consensuais de Solução de Conflitos do Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo, agradeceu a todos que lutam pela mediação e conciliação e informou que a implantação dos Centros Judiciários de Solução de Conflitos e Cidadania (Cejuscs) visa fazer com que a sociedade venha ao Judiciário e encontre uma Justiça aberta, moderna e dinâmica. Lamentou, entretanto, o fato de o Brasil ainda ser um país atrasado na composição de litígios pela via da mediação.
O desembargador também falou sobre a grande quantidade de processos repetitivos que há na Justiça e sobre a capacitação por que passam os mediadores. "Nós capacitamos 4 mil mediadores em São Paulo, mas apenas mil estão em atividade. Daí o nosso empenho, a nossa luta", destacou.
Amorim também falou que os profissionais de conciliação e mediação têm de enxergar a pessoa em conflito como alguém que tem um problema, e que o objeto em litígio pode ser pouco relevante para uma parte, mas importantíssimo para a outra. "Essas pessoas [mediadores e conciliadores] que usam horas de seu dia para o trabalho merecem receber [salário] por isso", justificou.
Advogados e Ministério Público
Paulo Lucon, vice-presidente do Instituto dos Advogados de São Paulo (Iasp), afirmou que a instituição apoia a valorização da conciliação e da mediação. Como professor, Lucon contou que a Faculdade de Direito da Universidade São Paulo (USP) já oferece em seu currículo a disciplina mediação e conciliação.
Palavra de mediador
Sandra Assali, sócia-fundadora da empresa Itkos - Mediação Inteligente, afirmou que, como profissional, lida com situações complexas. "Se já fazemos o trabalho bem feito como voluntários, imagine com salário", defendeu a mediadora. Ela lamentou pelas pessoas que já viu abandonarem o trabalho de conciliação e mediação por falta de incentivo.
Valéria Perez, psicóloga e professora da Escola Superior do Ministério Público, mostrou sua satisfação ao ver o auditório Franco Montoro cheio, pois, quando fez o curso de mediadora, as pessoas não sabiam nem o que era mediação e conciliação. Sobre o projeto em debate, afirmou que ele precisa ser aprovado, porque a população carece dessa alternativa. "Processos judiciais causam um desgaste muito grande aos envolvidos". A advogada Vivien Lys Porto Ferreira parabenizou os mediadores e conciliadores, que, segundo ela, oferecem um serviço de altíssima qualidade. "O Brasil tem muito a contribuir com a mediação, até no cenário internacional".
O projeto
Capez falou do histórico do Projeto de Lei 1.005/2013, que dispõe sobre o abono variável e jornada dos Conciliadores e Mediadores inscritos nos Centros Judiciários de Solução de Conflitos e Cidadania, cadastrados no Cejusc, e lembrou que a proposta está pronta para votação na Assembleia.
Atenção a Francisco Morato
Terezinha Faria dos Santos, jornalista e juíza de paz de Francisco Morato, é conciliadora e mediadora. Ela contou que sua cidade é a mais pobre de São Paulo, mas que, apesar disso, os mediadores recebem muito carinho das pessoas que têm seus problemas resolvidos. Afirmou também que as pessoas satisfeitas com os resultados da mediação também passam a ser divulgadoras dessa forma de dirimir conflitos. Por fim, Terezinha lamentou a falta de mais pessoas que ofereçam esse serviço à população de Francisco Morato.
Desembargador Airton Vieira (Fotos/ilustração sobre reprodução de imagens do documentário “Bagatela”)
Inacreditável, porém real: os “argumentos” de um mesmo
desembargador paulista para livrar da prisão fazendeiro estuprador e
encarcerar mulher pobre que furtou frasco de xampu
Por Laura Capriglione e Joana Brasileiro, na Ponte
O fazendeiro G.B., de 80 anos, foi preso em fevereiro de 2011 quando
mantinha relações sexuais com X, uma menina de 13 anos, dependente de
álcool e drogas, em uma camionete estacionada no meio de um canavial.
Outra menina, Y, de 14 anos, já havia masturbado o homem e também se
encontrava dentro do veículo. Pelo serviço, X recebeu R$ 50. Y ficou com
R$ 20. A ordem de prisão em flagrante foi dada pela Polícia Militar.
Como X era, na ocasião dos fatos, menor de 14 anos, a Justiça de
Catanduva (384 km de São Paulo) condenou G.B. a oito anos de prisão em
regime fechado por estupro de vulnerável. Mas o fazendeiro ficou apenas
40 dias detido. Recorreu da condenação e o Tribunal de Justiça de São
Paulo reverteu a condenação, que virou absolvição.
Isso, apesar de o artigo 217-A, introduzido no Código Penal pela Lei
nº 12.015, de 2009, ser claríssimo ao definir o chamado “estupro de
vulnerável” como a conjunção carnal ou a prática de outro ato libidinoso
com menor de 14 anos. Pena: reclusão, de 8 a 15 anos. Pelo mesmo
artigo, define-se que incorre em igual pena quem mantenha relações
sexuais com alguém que, por enfermidade ou deficiência mental, não tem o
necessário discernimento para a prática do ato, ou que, por qualquer
outra causa, não pode oferecer resistência.
“O acusado cometeu crime de violação dos direitos da criança e
deveria ser punido por isso. Houve exploração sexual de menor, o que é
crime hediondo”. Míriam Maria José dos Santos Presidente do Conselho
Nacional dos Direitos da Criança e do Adolescente
Leva a assinatura do relator, desembargador Airton Vieira, o acórdão
que absolveu o fazendeiro. Airton Vieira, só para lembrar, foi um dos
assessores do ministro Cezar Peluso, do Supremo Tribunal Federal (STF),
no caso do “mensalão”. O julgamento do fazendeiro pedófilo teve a
participação também dos desembargadores Nuevo Campos e Hermann
Herschander.
A absolvição de G.B. foi recebida com consternação pelas entidades de
defesa dos direitos de crianças e adolescentes. “O acusado cometeu
crime de violação dos direitos da criança e deveria ser punido por isso.
Houve explor1264ação sexual de menor, o que é crime hediondo”, disse a
presidente do Conanda (Conselho Nacional dos Direitos da Criança e do
Adolescente), Míriam Maria José dos Santos.
A Ponte obteve a íntegra do acórdão de absolvição. Como o
caso correu sob segredo de Justiça, para preservar as meninas, não será
mencionado nenhum apelido ou nome ou endereço que eventualmente permita
identificá-las.
A Ponte também teve acesso ao excepcional documentário Bagatela
(DocTV, direção Clara Ramos, 2009), que acompanhou as trajetórias de
mulheres presas por cometer os chamados “crimes de bagatela”, aqueles
pequenos furtos de produtos de valor irrisório (xampu, bolachas, leite
em pó, queijo). No documentário, tem papel destacado o mesmo Airton
Vieira, então juiz da 4º Vara Criminal Central de São Paulo, desta feita
defendendo máximo rigor no julgamento desses crimes insignificantes.
Um juiz, duas atitudes, duas Justiças. Uma é tolerante e
compreensiva com o fazendeiro, patriarca em Paraíso (cidade próxima a
Catanduva), proprietário de canaviais no interior rico de São Paulo, que
teria sido “enganado” pelas meninas, as quais lhe teriam asseverado
serem maiores de 18 anos. A outra é indignada, raivosa, vingativa,
exemplar. Esta é para as mulheres pobres que cometem os tais “crimes
insignificantes”.
O que se verá nas linhas abaixo será o debate do desembargador Airton
Vieira consigo mesmo. Em vermelho, trechos do acórdão por ele redigido,
absolvendo o fazendeiro pedófilo ao mesmo tempo em que culpa as vítimas
por seu modo de vida “devasso”. Em azul, trechos de sua fala contra as
ladras de xampu e queijo.
Seria divertido, se não fosse trágico demais.
“É bem verdade que se trata de
menor de 14 anos, mas entendo ser crível e verossímil, diante do que
aconteceu, que o réu tenha se enganado quanto à idade real da vítima X,
Afinal, partindo-se do pressuposto de que, no presente caso, a vítima X,
à época dos fatos, contava com parcos 13 anos, 11 meses e 25 dias de
idade, e, levando-se em consideração que era pessoa que se dedicava ao
uso de drogas e ingestão excessiva de bebidas alcoólicas, [e que] já
manteve relações sexuais com diversos homens, o que significa não ser
ela nenhuma jejuna na prática sexual, é que não se pode presumir que o
réu tinha conhecimento real da idade da vítima e que tinha o dolo de
manter conjunção carnal ou praticar outro ato libidinoso com menor de 14
anos”.
“Hoje é uma gilete, amanhã é um quilo
de carne… Você vai somando nos vários supermercados, nas várias lojas,
isso ganha milhões. Por outro lado, se você não punir quem faz desse
tipo de ação o seu dia a dia, ou ainda que seja uma vez isolada, você há
de convir comigo o seguinte: todos nós estaremos legitimados a entrar
em qualquer supermercado e subtrair algo na faixa de 5, 10, 20 reais.
(…) Vejam o prejuízo que isso causa”.
“Não se pode perder de vista que em
determinadas ocasiões podemos encontrar menores de 14 anos que
aparentam ter mais idade, mormente nos casos em que eles se dedicam à
prostituição, usam substâncias entorpecentes e ingerem bebidas
alcoólicas, pois em tais casos é evidente que não só a aparência física
como também a mental desses menores se destoará do comumente notado em
pessoas de tenra idade.”
“Não são muitos os casos que se
amoldariam em tese ao princípio de bagatela. Por mês, eu não chego a
contar nos dedos de uma mão. Sabonetes, xampus, giletes, gêneros
alimentícios, mas não de primeira necessidade. Ou seja, bolachas,
queijos, postas de bacalhau. Tem coisas interessantes neste aspecto.
Porque a pessoa não furta, via de regra, aquilo que você pode pensar que
é uma necessidade premente dela. Eu não vejo como uma necessidade
premente de alguém o uso de xampu.”
“Seria insensibilidade, a meu ver,
distante dos verdadeiros contornos em que o fato se deu, manter a
condenação do réu, que na época dos fatos contava com 76 anos de idade,
pela prática do crime de estupro de vulnerável contra a vítima X, menor
de 14 anos, sobretudo quando emerge dos autos uma verdadeira e clara
situação de erro de tipo, pois o réu não tinha consciência da idade
dela.”
“Se eu mantenho alguém preso é porque
eu entendo que aquela pessoa ou deve permanecer presa, ou deve vir a ser
presa. Se ela vai sair melhor ou pior, isso não é problema meu. Foi
opção dessa pessoa. Ela podia ter seguido o exemplo honesto, que apesar
de sofrer muito, dignifica o país. Honra a população brasileira. Sofre,
mas sofre com altivez, olhando nos seus olhos.”
“Logicamente, não se pode desprezar a
possibilidade, bastante frequente, da ocorrência de erro de tipo em
relação à idade do menor [Não é possível que se exija] ao ‘consumidor’
que, antes de qualquer ato de libidinagem, exija a apresentação de
documentos, os quais, ainda assim, podem não ser verdadeiros. Nesse
meio, por outro lado, é comum que menores tenham aparência envelhecida
além de sua idade real, decorrente de insônia (noites mal dormidas),
ingestão excessiva de álcool, enfim, os maus-tratos que a vida devassa
lhes oferece contribuem para a aparência de ‘amadurecimento’ (entenda-se
envelhecimento) precoce.” (Airton Vieira citando Cezar Roberto
Bitencourt)
“Você contrataria para trabalhar na sua
residência, para usufruir da intimidade do seu lar alguém que tivesse
sido condenado por furto? Eu vou ser franco: eu não contrataria. Eu não
vou ser hipócrita. Como eu não gostaria de trabalhar com alguém já
condenado, eu não gosto de mandar alguém prestar serviços à comunidade
numa escola ou num hospital porque alguém em nome dessa escola ou em
nome desse hospital celebrou um convênio qualquer. Eu não vejo isso como
salutar. Não estou querendo dizer que eu defendo a prisão sistemática
de todo mundo. O que eu defendo é que a pessoa sinta efetivamente uma
retribuição por parte do Estado do mal que ela causou com ao praticar um
crime. Do contrário, ela vai se sentir autorizada a praticar outros
crimes, quiçá piores até.”
“Desse modo, não posso, sobretudo pela
forma em que ocorreram os fatos, aplicar friamente o que dispõe o artigo
217-A do Código Penal e fundamentar a manutenção da condenação do réu
com base na jurisprudência de nossa Corte Suprema, que entende tratar-se
de vulnerabilidade absoluta, deixando passar despercebido o verdadeiro
quadro de como se realizou essa relação de que teria resultado o estupro
de vulnerável. Ante o exposto (…), dou provimento ao recurso da defesa
para fins de se absolver o réu.”
“Nós gostamos de ter essa visão
romanceada do criminoso, como se o criminoso fosse um coitado. Como se
fosse alguém que a sociedade não deu oportunidades para ele. Longe
disso. O julgador não é legislador. Muitas coisas que eu entendo erradas
sou obrigado a cumprir. Eu sou escravo da lei. Isso é uma segurança
para toda a população. Até porque, amanhã ou depois, o que eu posso
entender irrisório, 5 ou 10 reais, outro vai entender que irrisório é
400 ou 500 reais. Onde iremos parar com esse raciocínio?”
O silêncio dos julgadores
O site Ponte dirigiu à assessoria de imprensa do Tribunal de Justiça de São Paulo as seguintes perguntas:
1. “X”, 13 anos, e “Y”, 14, são apresentadas como adolescentes
usuárias de álcool e drogas. Diz o acórdão que teriam experiência
“dessas coisas de sexo” e que “se prostituíram livremente para o réu”.
Pergunta: o fato de serem dependentes químicas não as torna mais
vulneráveis ainda, já que estariam tangidas pela síndrome de
abstinência?
2. Como falar em “liberdade” de se prostituírem se está claro que as
meninas “saem com homens para arrumar dinheiro para comprar substâncias
entorpecentes”?
3. O fato de serem usuárias contumazes de álcool e drogas em vez de
lhes aumentar a autonomia de decisão não as deixa em condição de
vulnerabilidade análoga à de alienados ou débeis mentais “ou aqueles
que, por outra causa, não pudessem oferecer resistência”, tal como prevê
o artigo 217-A do Código Penal?
4. Qual a estatura de “X” e “Y” à época dos fatos?
5. Por que o relator aceitou sem mais a alegação de que não se pode
“determinar ao ‘consumidor’ que, antes de qualquer ato de libidinagem”,
exija a apresentação de prova de idade? Não caberia ao menos a
caracterização de crime culposo?
Mas nenhuma resposta foi dada. Abaixo, o email enviado pela assessoria de imprensa do Tribunal de Justiça de São Paulo:
“Os magistrados não podem conceder entrevista porque o caso está sob
segredo de Justiça e, também, porque há um impedimento pela Lei Orgânica
da Magistratura (o artigo 36 veda manifestação, por qualquer meio de
comunicação, de opinião sobre processo que esteja sob sua
responsabilidade ou de outro juiz).”
Em Londres, espetos antimendigos, bancos contra skatistas e
namorados expõem horror de certos urbanistas e autoridades a interações
pessoais
Por Ben Quinn, The Guardian | Tradução Maria Cristina Itokazu
Ele é chamado de banco Camden,
por causa do distrito londrino que primeiro encomendou esses assentos
esculpidos em concreto cinza, que podem ser encontrados nas ruas da
capital britânica. A superfície inclinada dos bancos, resistente a
pixações, foi desenhada para afastar tanto os moradores de rua quanto os
skatistas.
Ainda que menos óbvios do que os espetos
“antimendigo” de aço inoxidável que apareceram há pouco, do lado de
fora de um prédio de apartamentos de Londres, esses bancos fazem parte
de uma fornada recente de arquitetura urbana planejada para influenciar o
comportamento público e conhecida como “arquitetura hostil”.
Os skatistas tentam subverter os
bancos fazendo aquilo que sabem melhor. “Hoje estamos mostrando que você
ainda pode andar de skate aqui”, disse Dylan Leadley-Watkins, freando
depois de se lançar com seu skate por sobre um dos bancos no Covent
Garden. “O que quer que as autoridades façam para tentar destruir o
espaço público, elas não podem se livrar das pessoas que frequentam a
área sem ter que gastar dinheiro e fazer algo de que elas gostem.”
As ações dos skatistas e daqueles que se indignaram com os espetos – removidos depois que uma petição online conseguiu 100 mil assinaturas e o prefeito de Londres, Boris Johnson, aderiu às críticas – chegam num momento em que muitos argumentam que as cidades estão se tornando ainda menos acolhedoras para certos grupos.
Além dos dispositivos antiskate, os
parapeitos das janelas ao nível do chão têm sido “enfeitados” com pontas
ou espetos para impedir que as pessoas se sentem; assentos inclinados
nos pontos de ônibus desencorajam a permanência e os bancos são
divididos com apoio para os braços para evitar que as pessoas se deitem
neles.
Acrescentem-se a essa lista as áreas com
pavimentação irregular, desconfortável, as câmeras de circuito fechado
com auto-falantes e os intimidantes sonoros “antiadolescentes”, como o
uso de música clássica nas estações e os chamados dispositivos mosquito, que emitem sons irritantes de alta frequência que só os adolescentes escutam.
“Uma grande parte da arquitetura
hostil é adicionada posteriormente ao ambiente da rua, mas é evidente
que “quem nós queremos neste espaço, e quem nós não queremos” é uma
questão consideradas desde cedo, no estágio do design”, diz o fotógrafo Marc Vallée, que tem documentado a arquitetura antiskate.
Outros enfatizam o valor do design de
ambiente na prevenção do comportamento criminoso, insistindo que o tempo
das soluções brutas como os espetos de aço já passou. “Os espetos são
parte de uma estética da fortaleza, já ultrapassada e nada bem-vinda nas
comunidades para as quais o design urbano precisa ser inclusivo”, diz
Lorraine Gamman, professora de design na Central St Martins (Faculdade
de Artes e Design) e diretora do centro de pesquisas Design Contra o Crime, da mesma instituição.
Novos bancos em frente às Cortes Reais de Justiça na região central de Londres. Foto: Linda Nylind
“Se quisermos usar o design para reduzir
comportamentos antissociais, a democracia deve ser visível no design
para a prevenção do crime que incorporamos às nossas ruas”, diz ela.
“Não tenho problemas com o banco Camden – cuja estética outros têm
criticado – mas em muitos lugares, os bancos, banheiros e lixeiras
parecem ter sido removidos para reduzir crimes presumíveis, às custas da
maioria das pessoas, que costuma respeitar das leis”.
Inovações atualmente em desenvolvimento
na Central St Martins incluem “arte para caixa eletrônico” – marcadores
de piso que visam aumentar a privacidade e a segurança dos usuários de
caixas eletrônicos.
Outros criaram projetos relacionados com o graffiti (“Graffiti Dialogues”), ganchos antifurto para pendurar bolsas e mochilas nos bares e cafés e o suporte Camden
para bicicletas, que facilita a vida do ciclista por manter a bicicleta
na posição vertical e prender as duas rodas e o quadro ao suporte.
A indignação contra os tipos mais
grosseiros de arquitetura hostil está crescendo. Há semanas, ativistas
derramaram concreto sobre os espetos instalados na frente de uma unidade
da rede de supermercados Tesco na região central de Londres. A empresa
disse que pretendia prevenir comportamentos antissociais e não afastar
moradores de rua, mas concordou, dias depois, em retirar os espetos.
O historiador da arquitetura Iain Borden
disse que o surgimento da arquitetura hostil tem suas raízes no design
urbano e na gestão do espaço público dos anos 1990. Esse aparecimento,
afirmou ele, “sugere que somos cidadãos da república apenas na medida em
que estamos trabalhando ou consumindo mecadorias diretamente”.
“Por isso é aceitável, por exemplo,
ficar sentado, desde que você esteja num café ou num lugar previamente
determinado onde podem acontecer certas atividades tranquilas, mas não
ações como realizar performances musicais, protestar ou andar de skate. É
o que alguns chamam de ‘shoppinização’ do espaço público: tudo fica
parecendo um shopping”.
Rowland Atkinson, co-diretor do Centro para a Pesquisa Urbana da Universidade de York,
sugere que os espetos e a arquitetura relacionada são parte de um
padrão mais abrangente de hostilidade e desinteresse em relação à
diferença social e à pobreza produzida nas cidades.
“Sendo um pouco cínico mas também
realista, é um tipo de ataque aos pobres, uma forma de tentar deslocar
sua angústia”, diz ele. “São vários processos que se somam, incluindo os
processos econômicos que tornam as pessoas vulneráveis em primeiro
lugar, como o imposto por quarto extra e os limiares do bem-estar, mas o
próximo passo parece ser afirmar que ‘não vamos permitir que você se
acomode nem mesmo do modo mais desesperado’.”
9
de Junho: em cena inédita, tropa de choque da PM invade estação Ana
Rosa. Bombas e balas de borracha foram disparadas contra trabalhadores
(veja vídeo)
Reportagem demonstra: para demitir grevistas, Metrô paulista
fabricou acusações inconsistentes, fantasiosas ou fúteis. Revelações
ampliam campanha pela readmissão
Documentos do Metrô de São Paulo enviados ao Ministério Público
revelam inconsistências nas motivações alegadas pela direção da empresa
ao demitir por justa causa 42 metroviários após a última paralisação da
categoria, ocorrida entre 5 e 9 de junho. As evidências reforçam a tese
de que houve perseguição política aos grevistas.
A companhia acusa funcionários de terem cometido depredações que não
constam da lista oficial dos patrimônios supostamente danificados
durante as ações de greve. Por outro lado, elenca prejuízos à
infraestrutura sem atribui-los a nenhum metroviário. O Metrô também
responsabiliza vários trabalhadores pelos mesmos delitos, ocorridos numa
mesma estação, numa mesma data e num mesmo horário.
Até mesmo os dois funcionários que acabaram reintegrados aos quadros
do Metrô haviam sido acusados com alto nível de detalhamento. Um deles
teria invadido a estação Ana Rosa, que interliga as linhas 1-Azul e
2-Verde, “danificando as fechaduras” e “impedindo a entrada de
funcionários” em 6 de junho, às 6h15. Outro teria impedido o fechamento
da porta do trem G-24 na estação Santa Cecília, na Linha 3-Vermelha, às
7h15 do dia 7 de junho.
No final, as insinuações mostraram-se equivocadas. Ambos foram
reincorporados às funções em 7 de julho, um mês depois das demissões
sumárias, sem qualquer justificativa formal da companhia. Em comunicado
interno publicado na última sexta-feira (18), o Metrô afirmou que a
readmissão foi uma “decisão de caráter técnico e envolveu a reavaliação
das evidências coletadas durante as ações no dia de greve”.
Todos os 42 demitidos receberam telegramas. As correspondências
afirmam invariavelmente que os trabalhadores violaram o artigo 482,
alínea b, da Consolidação das Leis do Trabalho (CLT): “Constituem justa
causa para rescisão do contrato de trabalho pelo empregador: b)
incontinência de conduta ou mau procedimento”. O Metrô também cita o
artigo 262 do Código Penal para embasar as demissões: “Expor a perigo
outro meio de transporte público, impedir-lhe ou dificultar-lhe o
funcionamento.”
A empresa diz ainda que ambas condutas infringem a Lei federal 7.783,
de 1989, a chamada Lei de Greve, em seu artigo 6º, parágrafos 1º e 3º,
que dizem: “Em nenhuma hipótese, os meios adotados por empregados e
empregadores poderão violar ou constranger os direitos e garantias
fundamentais de outrem”; e “As manifestações e atos de persuasão
utilizados pelos grevistas não poderão impedir o acesso ao trabalho nem
causar ameaça ou dano à propriedade ou pessoa”.
‘Depredações’
A análise do conteúdo dos telegramas mostra que 19 funcionários
perderam o emprego por terem invadido e danificado fechaduras da estação
Ana Rosa – entre eles figura um dos metroviários readmitidos. No
entanto, a lista de depredações elaborada pela área técnica do Metrô não
faz qualquer menção a “fechaduras quebradas” na estação Ana Rosa nem a
qualquer outro dano ocorrido nesta estação da zona sul durante a
paralisação.
As únicas fechaduras que, segundo a empresa, teriam sido danificadas
pelos grevistas se localizam nas estações Anhangabaú, na Linha
3-Vermelha (“miolo de fechadura com defeito”), e Jardim São Paulo, na
Linha 1-Azul (“fechadura/maçaneta com defeito”). Haveria ainda uma
“porta com chave quebrada no miolo” na estação Itaquera, também na Linha
3-Vermelha, e um “totem preto de indicação do nome da estação” na
estação Brigadeiro, na Linha 2-Verde.
As demais depredações listadas pelo Metrô são “pichações em pintura
de concreto”, algumas com palavras de “baixo calão”, nas estações Penha,
Patriarca, Vila Matilde e Carrão, na Linha 3-Vermelha, Praça da Árvore e
São Judas, na Linha 1-Azul. De acordo com o Sindicato dos Metroviários
de São Paulo, não houve ações de greve em nenhuma das estações apontadas
pela empresa como alvo de depredação.
O Metrô ainda faz referência a um “portão de acesso com defeito” e
“direcionadores de fluxo danificados” em Itaquera, que não foram
atacados por metroviários, mas por usuários da Companhia Paulista de
Trens Metropolitanos (CPTM) descontentes com o fechamento da estação.
Também há “gradil solto” em Artur Alvim e “cancela danificada” em
Santana. Tampouco houve ações de greve nestes locais, segundo dirigentes
do sindicato.
No documento enviado ao Ministério Público em 2 de julho, o Metrô
afirma que os “danos” resultaram das “manifestações realizadas durante a
paralisação parcial dos serviços”. A empresa informa que todos foram
reparados ao custo total de R$ 3.818,00 – valor semelhante ao salário
mensal de um operador de trens. Tais danos, no entanto, não foram
atribuídos individualmente a nenhum dos 42 metroviários demitidos.
Portas
Os telegramas também responsabilizam 18 trabalhadores por impedir ou
obstruir “fechamento da porta do trem (composição H-58), interrompendo a
circulação dos trens”. Todos os 18 metroviários teriam incorrido no
delito às 20h15 do dia 5 de junho, na estação Tatuapé, na Linha
3-Vermelha. O código “H-58” é a identificação de um trem específico: o
trem número 58 da frota H, fornecido pela espanhola CAF.
Outros sete metroviários são acusados de impedir “fechamento da porta
do trem (composição G-24), interrompendo a circulação dos trens”. O
G-24 pertence à frota G, fabricada pela francesa Alstom. De acordo com o
Metrô, todos os sete trabalhadores teriam obstruído o fechamento das
portas na estação Santa Cecília, na Linha 3-Vermelha, ao mesmo tempo:
exatamente às 7h15 do dia 7 de junho.
Por fim, nove metroviários são acusados de impedir fechamento das
portas de um trem não identificado na estação Brás, na Linha 3-Vermelha,
às 6h de 6 de junho. Há funcionários acusados de haver atrapalhado a
circulação das três composições. Outros são apontados como participantes
nas ações no Tatuapé e Brás. Outros, em Tatuapé e Santa Cecília. E
alguns em apenas uma delas – inclusive um dos funcionários
posteriormente readmitidos.
Obstruções ao fechamento de portas ocorrem cotidianamente no Metrô
paulista, centenas de vezes ao dia, e se resolvem com a desobstrução,
sem maiores problemas. Passageiros costumam fazê-lo para conseguir
entrar no trem que está prestes a sair. Basta que uma porta não se feche
completamente para que a composição não saia do lugar. Daí a estranheza
das denúncias: não haveria necessidade de que 18 pessoas segurassem as
portas do mesmo trem para impedir a partida.
Acusados
A RBA ouviu 38 dos 42 metroviários demitidos para saber se realmente
tomaram as atitudes que o Metrô lhes atribui. A grande maioria nega com
veemência as insinuações da empresa e desafia a direção a comprovar as
denúncias. As acusações mais descabidas, dizem, se relacionam às
supostas depredações na estação Ana Rosa – cujas “fechaduras
danificadas” nem foram elencadas pelo relatório de prejuízos da
companhia.
Os trabalhadores também rechaçam a tese de que “invadiram” estações,
como informam os telegramas. “Nós entramos com crachá. Somos
funcionários. Os seguranças abriram as portas normalmente e a gente
acessou as estações para fazer a campanha de greve”, explica a agente de
segurança Raquel Amorim, uma das demitidas. Raquel também é uma das que
negam haver impedido fechamento de portas. “Não há argumentos.”
Acusado de haver obstruído as portas da composição H-58 na estação
Tatuapé, o oficial de manutenção industrial Marcelo Alves de Oliveira
atesta que sequer estava no local às 20h15 do dia 5 de junho, como
aponta o Metrô. “Quando cheguei, a estação já estava fechada”, explica.
“Tanto que entramos pela estação Tatuapé da Companhia Paulista de Trens
Metropolitanos (CPTM). Usei meu bilhete de serviço para entrar. Se
mostrarem um relatório de controle de acesso, posso provar.”
Para a agente de estação Camila Duarte Lisboa, o Metrô está tentando
transformar ações típicas da greve em condutas criminosas. “Tudo que fiz
foi entrar num trem e conversar com supervisor. Não precisei segurar
porta para fazer isso”, explicou. Os trabalhadores alegam que estavam
realizando “ações de convencimento” para demover os colegas que
insistiam em trabalhar. Alguns teriam sido influenciados e desistiram de
“furar” a greve.
A invasão de estações ou cabines por trabalhadores do Metrô é uma
das acusações mais controversas. Sobretudo se analisada junto à imagem
de um policial militar fardado e armado, ao lado do operador de um trem
da frota A, que seguia no sentido da estação Tucuruvi, uma das
extremidades da Linha 1-Azul. A imagem
foi veiculada pelo Twitter oficial da polícia durante a greve, com os
dizeres: “O paulistano, apesar de tantos problemas, sempre pode contar
com a PM, mesmo em tarefas que não são propriamente dela.”
“Essa demissão me pegou desprevenido”, desabafa o operador de trens
João da Silva, 67 anos de idade. Depois de 35 anos de serviço no Metrô,
Silva planejava pedir desligamento da empresa em dezembro. Mas se viu
surpreendido pelos telegramas após apoiar a greve. “Somei pouquíssimas
faltas, nunca tive problemas de relacionamento. Me senti injustiçado.
Até porque não impedi fechamento das portas do trem na estação Tatuapé,
como eles dizem.”
“Meu telegrama fala que segurei as portas na estação Santa Cecília,
mas na Santa Cecília nem cheguei a descer até a plataforma”, afirma a
operadora de trens Marília Cristina Ferreira, que teve participação
ativa nas paralisações. “Eles enquadraram os funcionários em categorias
gerais, aleatoriamente. Por exemplo, vários teriam quebrado uma mesma
fechadura exatamente no mesmo momento. Como isso é possível?”
“No meu caso, dizem que segurei portas de trem na estação Brás, às
6h, mas às 6h eu não estava lá. Cheguei era quase 8h”, afirma o
controlador de tráfego Paulo Pasin. “Fui dialogar com os representantes
da empresa e garantir que não haveria problema algum, porque a tropa de
choque estava se dirigindo pra lá. E foi o que ocorreu.” Pasin lembra
que na estação Brás há muitas câmeras de vigilância. “Eles poderiam
mostrar os vídeos.”
‘Perseguição’
Os metroviários desconfiam que a decisão sobre as demissões foi
tomada a partir de relatórios elaborados por funcionários de confiança
da direção. Ao menos um e-mail assinado pelo supervisor geral do Metrô
Antonio Wolga demonstra que havia orientação expressa para que chefes de
seção produzissem listas com “função, nome e registro” de empregados
que acatassem deliberações das assembleias promovidas pelo sindicato a
partir de 15 de maio, quando a campanha salarial ganhou força e definiu
planos de ação.
Todos os supostos delitos utilizados pelo Metrô para demitir 42
trabalhadores ocorreram entre os dias 5 e 7 de junho, antes que o
Tribunal Regional do Trabalho (TRT) da 2ª Região emitisse veredito pela
abusividade da greve, em 8 de junho. “Acho que o Metrô estava com essa
lista pronta desde sábado (7). Não há nenhuma menção ao que ocorreu
domingo (8) ou segunda-feira (9)”, opina a operadora Marília. “O Metrô
pinçou algumas pessoas que participaram das ações de greve e resolveu
demiti-las para dar exemplo.”
O boletim de ocorrência 763/2014 respalda a versão dos metroviários.
Lavrado pela supervisora de segurança da estação Santa Cecília em 8 de
junho, o documento denuncia sete funcionários por terem impedido
“fechamento das portas da composição G-24, segurando-as, impedindo o
funcionamento do sistema da linha três vermelha”. Segundo a peça
policial, o delito ocorrera às 7h15 do dia 7 de junho. Todos os sete
denunciados pela supervisora perderiam o emprego – e receberiam
telegramas com as mesmas motivações alegadas pela chefe de seção no
boletim de ocorrência. Inclusive um dos trabalhadores que foi
reintegrado posteriormente.
Quase todos os demitidos tinham algum envolvimento na organização dos
trabalhadores da empresa. Ao menos onze são diretores da atual gestão
do Sindicato dos Metroviários de São Paulo, e outros três são
ex-diretores. Dois são representantes da Federação Nacional dos
Metroviários (Fenametro), entidade que teve até mesmo seu presidente,
Paulo Pasin, desligado da empresa. Há ainda pelo menos 11 membros das
diferentes Comissões Internas para Prevenção de Acidentes (Cipas), além
de delegados e ativistas sindicais.
O artigo 543 da CLT veda dispensas de dirigentes sindicais desde o
momento do registro de candidaturas sindicais até um ano após o final do
mandato, caso sejam eleitos, salvo em caso de falta grave “devidamente
apurada”. No artigo 165, a CLT impede a demissão de representantes da
Cipa, salvo as que se fundarem “em motivo disciplinar, técnico,
econômico ou financeiro”. Nenhum dos artigos foi citado pelo Metrô nos
telegramas.
Na segunda-feira (21), os advogados do Sindicato dos Metroviários
ingressaram com ação coletiva na Justiça do Trabalho, buscando a
reintegração dos demitidos. Caso consigam, não será a primeira vez que
tribunais revertem demissões em massa na empresa. Em 2007, após uma
greve de dois dias, os grevistas acataram decisão do TRT e voltaram ao
trabalho. Ainda assim, o Metrô demitiu 61 funcionários. Ao menos seis
seriam reintegrados. Outros 42 aguardam julgamento de recursos.
Fiscalização
O auditor fiscal do trabalho Renato Bignami endossa a tese de que
houve “perseguição” ou “discriminação” contra os metroviários. “As 42
dispensas só ocorreram porque houve greve”, aponta o funcionário da
Superintendência Regional do Trabalho e Emprego em São Paulo. “E por que
só 42? Por que não todos os grevistas? O departamento de Recursos
Humanos do Metrô me falou que a lista veio de cima. Foi fornecida
diretamente, por setor, para a cúpula da empresa, e a empresa deu a
ordem para executar as dispensas.”
As diligências de Bignami já resultaram num auto de infração contra a
companhia por práticas antissindicais. O auditor não questiona as
decisões da Justiça do Trabalho, que considerou a greve abusiva, mas
lembra que “a sentença não é salvo-conduto para as demissões”. Até
porque, diz, os telegramas enviados aos demitidos não comprovam nada.
“Foram enquadramentos genéricos, que serviram para justificar o
desligamento de muitos trabalhadores diretamente envolvidos nas
atividades de greve.”
“Mais grave ainda é atribuir crimes aos trabalhadores”, continua
Bignami. “Quem diz que um cidadão cometeu ou não cometeu crimes é o
Judiciário. E tudo leva a crer que não cometeram, porque eu perguntei ao
Metrô se houve prisão em flagrante ou processo penal transitado em
julgado contra os trabalhadores e me disseram que não.” O auditor lembra
que boletins de ocorrência não são atestados de culpa. “A presunção de
inocência, assim como o direito de greve, é garantida pela Constituição e
deve ser respeitada.”
Bignami cogita a possibilidade de requisitar as imagens das câmeras
de segurança do Metrô para comprovar a veracidade das denúncias feitas
pela empresa contra os trabalhadores demitidos. E estuda elaborar outro
auto de infração, agora sobre discriminação, caso a companhia não se
explique sobre as razões das demissões. “Quis dar um castigo? Um aviso
para a greve do próximo ano? Quais as reais motivações?”, questiona.
“Está com toda a cara de limpeza. E isso não pode acontecer. O Estado
não pode permitir.”
Ação
Os documentos oficiais do Metrô constam dos autos da ação civil
pública movida contra o Sindicato dos Metroviários pelo promotor
Maurício Antônio Ribeiro Lopes, que cobra da entidade uma indenização de
R$ 354 milhões por “danos morais” causados à cidade de São Paulo
durante a greve – valor que o próprio promotor considera “impagável”,
mas ainda assim “insuficiente” para arcar com os prejuízos causados
pelos grevistas.
Lopes revela que a ação tem “um caráter pedagógico” e que, com a
multa, pretende “dar uma lição” na categoria. Apesar de não tratar de
questões trabalhistas no processo, o promotor solicitou documentos ao
Metrô que “comprovassem” as depredações nas estações, as barreiras
impostas aos grevistas ao funcionamento dos trens e outras ações
consideradas ilegais. E as utilizou como argumento para influenciar o
entendimento do juiz.
Em entrevista à RBA, o promotor afirmou inicialmente possuir
“imagens, relatórios, avaliações e cópias dos boletins de ocorrência”
lavrados pelo Metrô para sustentar a culpa dos metroviários demitidos,
declarando-se convencido da veracidade de todas as informações. “O Metrô
documentou tudo, individualizou condutas, inclusive para promover
aquelas demissões”, enumerou. “Está demonstrado.”
Porém, questionado se teve acesso às imagens que comprovariam as
ações dos metroviários, Lopes mudou o discurso e disse possuir apenas
“documentos em papel”. Três tipos de evidência foram remetidas ao
Ministério Público: fichas funcionais dos trabalhadores demitidos;
conteúdo dos telegramas justificando as demissões; e uma lista de danos
ocorridos durante a greve. Todos estão assinados pela Coordenadoria de
Controle Externo e por um advogado do Metrô.
Confrontado com a versão de metroviários que negam as acusações da
empresa, Lopes lembrou que falsa comunicação de crime também é um
delito. “Se os relatórios não forem verdadeiros, sujeitam à
responsabilização quem os fornece ao Ministério Público”, reconheceu,
minimizando, porém, as possibilidades de que o Metrô tenha lhe prestado
informações equivocadas. “Não me parece razoável. Não posso partir dessa
presunção. Tenho relatórios que vieram da empresa – e que, portanto,
são documentos.”
Ao analisar a requisição da promotoria, em 10 de julho, o juiz da 12ª
Vara Cível de São Paulo Carlos Aleksander Romano Batistic Goldman
redirecionou o pedido de multa para a Justiça do Trabalho. O magistrado
considerou que a Justiça comum não tem competência para julgar o
processo, porque o mérito seria “indissociável ao exercício do direito
de greve, sendo os hipotéticos prejuízos coletivos inerentes e
decorrentes da suposta abusividade da paralisação”.
Durante
algum tempo da vida, realizei trabalhos fascinantes. Em um deles, coisa
rara, reunia prazer, conhecimento e sabedoria. Foi num tempo em que
colhia depoimentos de aposentados da antiga Light, pois pensava em fazer
um paralelo sobre as profissões que se acabaram para sempre. Ideia
louca? Tenho exemplos. O apagador de lampiões, no século passado e, mais
próxima de muita gente, o motorneiro ou condutor de bondes.
Muitos
idosos por modéstia, no entanto, consideravam sem importância a sua vida
pessoal e profissional. Quase sempre, convencia-os com uma história que
ouvira em algum lugar e nem sabia se na verdade havia mesmo acontecido.
Era assim –
eu contava. Um dia, o famoso pregador norte-americano Fulton Sheen
solicitou a presença de um jornalista em sua igreja para uma reunião de
fiéis. Surpreso, ele perguntou:
– Mas, haverá alguém importante nesta reunião?
O religioso, então, respondeu com entusiasmo:
– Sim, todos. Todos são importantíssimos.
A historinha
funcionava. Depois, era só preparar o gravador e partir para o
agradável bate-papo. Um chegou a me confidenciar que era prazeroso
lembrar-se de coisas do passado. Quando findou seu depoimento, até ficou
assustado com os fatos que havia presenciado na sua trajetória
paulistana, e disse:
– Quem diria que a minha vida poderia servir para contar uma história.
Nesta época de Copa do Mundo, quando todo mundo só fala de futebol, lembro de José Penha.
–
Tenho orgulho de ter sido um dos primeiros a jogar em campo iluminado.
Sabe que o primeiro campo iluminado do mundo era da Light? Ficava na
Várzea do Glicério e pertencia à Seção de Linhas e Cabos. O sistema de
iluminação foi idealizado por um colega nosso, o Severino Gragnani. Foi
ele, também, o primeiro a mandar fazer uma bola branca para jogos
noturnos – me revelou.
José Penha nasceu no interior paulista, em 1915. Seis anos depois, a família mudou-se para São Paulo.
–
As minhas primeiras recordações são do bairro da Luz, onde moravam meus
avôs maternos. Eles forneciam aves e ovos para a Força Pública e eu,
garoto, acompanhava a entrega das encomendas aos quartéis.
As
lembranças chegavam à sua mente como densa garoa por uma São Paulo em pé
de guerra: a revolução de 1924, quando mal podia dormir com o barulho
das metralhadoras e, nas manhãs bem cedo, quando saía em busca de pentes
de balas abandonados nas trincheiras; o susto na revolução de 30,
quando soube que Getúlio Vargas mandou bombardear a Usina de Cubatão. A
mais marcante, porém, foi a revolução de 32, ao assistir a morte de
quatro estudantes na Praça da República.
Foi aí que
contagiado pelo clima de patriotismo vivido em São Paulo, pensou em se
alistar na luta. Com alguns amigos foi até a Faculdade de Direito do
largo de São Francisco, onde funcionava um posto de voluntários. Mas, na
hora, lembrou do pai já morto e da mãe precisando dele, e desistiu. Em
vez disso, largou a escola e começou a procurar emprego, o que não era
fácil. Acabou chegando na Light. Iniciou como mensageiro em agosto de
1932 — o prédio da empresa da Rua Xavier de Toledo, no centro
paulistano, ainda cheirava a novo.
–
Naquele tempo eu era muito inquieto e participava de tudo. Imagine que
até ajudei a fundar o nosso sindicato. Lá, o meu número de inscrição era
210.
Conheceu sua mulher, Tereza, num baile carnavalesco.
–
Os carnavais daquele tempo eram muito diferentes dos de hoje. Os casais
dançavam fantasiados, faziam cordões… Todos levavam confete e
serpentina para o salão.
Casou-se em abril de 1940, na igreja da Boa Morte, na Rua do Carmo.
–
Foi tudo muito simples e, depois da cerimônia, fomos em lua-de-mel para
Santos. O ônibus era movido a gasogênio. Era tempo de guerra, havia
racionamento de combustível, e os veículos eram movidos a carvão. Todos
possuíam um grande cilindro preto, colocado verticalmente na traseira,
onde o carvão era queimado para produzir o gás que acionava os motores.
Era muito sujo e queimava as pessoas.
Frequentava
os bailes patrocinados pela Associação Atlética Light and Power (A. A.
L. P.) no Clube Germânia, na 24 de Maio; no Clube Lira, na Rua São
Joaquim; e nas estações de bondes da Vila Mariana. Também ia à sede da
entidade no Sacomã, onde aos domingos sempre havia piqueniques.
–
Um trem especial era contratado para nos levar a Santos. Descíamos a
serra cantando e brincando. Quando chegávamos, bondes especiais nos
esperavam para nos conduzir até a praia. A banda ia junto, tocando.
Depois do banho de mar vinha o almoço e, num salão alugado pelas
redondezas, promovia-se um baile. A volta era lá pelas cinco da tarde.
Isso só acontecia aos domingos, pois nos sábados trabalhávamos até o
meio-dia: era a semana inglesa.
Aposentou-se em 1983, depois de 51 anos de trabalho.
–
Ainda me sentia muito bem. Pena que nesse período eu fui perdendo
colegas. Sabe que me lembro de todos? Estou ligado a eles por um hábito
que venho mantendo: quando saio de casa para um passeio a pé, vou me
recordando de cada um deles e vou rezando. Lembro de um e rezo para ele.
Lembro de outro e rezo. Faço sempre isso. É o meu modo de sentir
saudade.
***
Roniwalter Jatobá nasceu em Campanário, Minas Gerais, em 1949. Vive em São Paulo desde 1970. Entre outros livros, publicou Sabor de química (Prêmio Escrita de Literatura 1976); Crônicas da vida operária (finalista do Prêmio Casa das Américas 1978); O pavão misterioso (finalista do Prêmio Jabuti 2000); Paragens(edidado pela Boitempo, finalista do Prêmio Jabuti 2005); O jovem Che Guevara (2004), O jovem JK (2005), O jovem Fidel Castro (2008) e Contos Antológicos (2009).