Diesat *
Diesat - O que é assédio moral?
Dra. Margarida Barreto - Assediar alguém significa
estabelecer um cerco e não dá trégua ao outro, humilhando,
inferiorizando e desqualificando-o de forma sistemática e repetitiva.
São ataques verbais e gestuais, perseguições e ameaças veladas ou
explicitas; fofocas e maledicências que ao longo do tempo, vão
desestabilizando emocionalmente e devastando a vida do outro.
Para a UNIÃO EUROPEIA o assédio moral é um comportamento negativo
entre colegas ou entre superiores e inferiores hierárquicos, em que a
vitima é objeto de ataque sistemático por longo tempo, de modo direto ou
indireto, contra uma ou mais pessoas.
Já a Organização Internacional do Trabalho considera-o todas as vezes
em que uma pessoa se comporta para rebaixar o outro, através de meios
vingativos, cruéis, maliciosos ou humilhantes contra uma pessoa ou um
grupo de trabalhadores. São criticas repetitivas e desqualificações,
isolando-o do contato com o grupo e difundindo falsas informações sobre
ele.
Qualquer que seja o conceito usado, no assédio há sempre um núcleo ou
matriz que encontramos em todos os países, mostrando que estamos ante
uma tortura psicológica nas relações interpessoais no local de trabalho,
o que nos leva a considerá-la como um problema de saúde publica. Nesta
matriz, encontramos algumas táticas que se repetem: isolar, ignorar,
desqualificar, desmoralizar, desestabilizar, degradar as condições de
trabalho e forçar a pedir demissão ou desistir do emprego, do projeto,
da empresa.
Resumiríamos, afirmando que em todos os casos de assédio moral encontramos:
> Repetitividade e persistência da ação
> Intencionalidade
> Temporalidade e direcionalidade
> Degradação das condições de trabalho
> Intencionalidade
> Temporalidade e direcionalidade
> Degradação das condições de trabalho
Os efeitos são devastadores a vida (físico/psicológico) das pessoas
que são humilhadas e sofrem agressões verbais e outros atos de
constrangimento, quer no âmbito publico ou privado (a portas fechadas).
Aqui, a diferença está na relação de poder estabelecida, que pode ser
assimétrica ou simétrica com atos de violência explícitos ou sutis.
D - De que forma o trabalhador é assediado no ambiente de trabalho?
MB - Leymann, o primeiro estudioso do tema, a
pratica do assédio moral envolve mais de 40 atos que fazem parte de um
processo que ocorre ao longo do tempo, por um período de seis meses.
Para ele, existe o assédio moral quando há uma relação assimétrica de
poder e este, pode ser em conseqüência de uma experiência maior ou
mesmo, uma maior proximidade com a alta hierarquia. Deste modo, ele
catalogou quatro grandes grupos de ações: ações contra a dignidade;
ações contra o exercício do trabalho; manipulação da comunicação e ações
de iniqüidade.
Como exemplo de ações muito comuns aqui em nosso país, citaria:
isolar dos colegas e ignorar sua presença; dar instruções confusas,
sobrecarregar trabalho, bloquear o andamento do trabalho, criticar em
publico, constrangendo-o ou desqualificando-o; impor horários
injustificados; caluniar; disseminar fofocas e maledicências; transferir
de setor sem conhecimento prévio; proibir colegas de conversar, almoçar
entre tantos outros atos, contanto que reforce o lema. “Não falte para
não perceberem que você não faz falta”, passando a idéia que o
trabalhador é um inútil, ou que faz é tão pouco que não tem valor para a
Empresa.
D - Quando começaram as discussões sobre o problema?
MB - Na Europa, o tema foi bastante discutido por
Leymann e posteriormente, Marie France Hirigoyen. Aqui no Brasil,
começamos a ouvir atentamente os trabalhadores que eram humilhados em
seu local de trabalho desde o inicio a partir de 1993. Sabíamos que
humilhar o outro não era novo. Mas, os relatos que nos chegavam, eram
freqüentes. O fato é que a intensificação das humilhações no trabalho
coincide com as mudanças que ocorreram na forma de organizar o trabalho e
nas políticas de gestão, nestes últimos 30 anos. Mudou o discurso e
novos rótulos surgiram para velhas questões. Por exemplo, ser flexível
passou a apontar um novo horizonte de expectativas no qual o trabalhador
agora denominado de “colaborador”, deverá estar sempre motivado, ser
dinâmico e comunicativo, aberto para os novos desafios, ter capacidade
para trabalhar em grupo, ser criativo e competitivo como forma de
ascender no mundo do trabalho e em especial ser dedicado a empresa e seu
trabalho. O discurso é sedutor, pois a flexibilidade deve ser aceita e
internalizada por todos; é uma forma de compensar a insegurança que
passo aparecer a partir das demissões massivas e reestruturações
constantes. Cada um deve suportar o novo desafio, a nova sobrecarga e
mostrar que é capaz de se ajustar aos novos tempos. Com poucas pessoas
executando mais tarefas, sob intensa pressão para produzir, não
precisamos refletir muito para constatar as consequencias que isso
traria no tempo: novas doenças e mais demissões. Fomos percebendo que as
humilhações neste contexto, era algo que fazia parte da micropolitica
de controle empresarial e que se manifestava na corrente dos gestos
cotidianos. Estávamos diante de uma ferramenta de controle dos gestos,
da voz, dos pensamentos e emoções. Assim, devemos avaliar as novas
doenças, os novos riscos emergentes em associação as mudanças no mundo
do trabalho e que foram profundas. Ressalto também que a reestruturação
produtiva veio acompanhada de desregulamentações das relações de
trabalho, de flexibilização dos direitos, da adoção de novas políticas
de gestão quer por injuria ou pelo medo, de controle rígido e
disciplinar dos trabalhadores, da colonização do imaginário, quer por
política de punição aos que não alcançaram as metas ou por premiação dos
“bons” na capacidade de ultrapassá-las e dá produção. É um ambiente
propicio para instaurar o conflito entre colegas e a competitividade,
passa a ser a regra. Sabemos que as empresas estão mais preocupadas em
aumentar seus lucros com poucos gastos que com a saúde dos seus
trabalhadores. O que importa é faturar cada vez mais e o trabalhador que
adoece vira peça descartável e que deve ser trocada. Então ser flexível
para o capital, é ser capaz de se adaptar, em reagir ao invés de agir;
em aceitar ao invés de resistir e lutar. Porque afirmo isso? Quando o
trabalhador adoece, envelhece ou questiona praticas ilícitas ou não se
submete as normas que lhes são impostas, perde o valor e torna-se uma
“persona non grata”, o que o obriga, freqüentemente, a deixar a empresa.
O valor do trabalhador está em ser guerreiro 24 horas, não adoecer, não
ter família, não ter preocupações e preferencialmente, que todo o seu
pensamento e emoções, estejam direcionados ao bem estar da empresa.
Logo, todo assédio tem como intencionalidade forçar o outro a desistir
do emprego, pedindo a demissão ou mesmo desistindo de um projeto ou
mudando de setor, de Estado.
D - Existe uma categoria que apresente mais denuncias relacionadas a assédio moral?
MB - Hoje, é difícil você dizer qual a categoria que
não tem assédio moral nas relações de trabalho. Isso porque o assedio
tem como causalidade a organização do trabalho e uma cultura
organizacional que mantém e reproduz a “voz” da organização, como
verdade absoluta e inquestionável. Mas, poderíamos apontar as categorias
em que é muito comum: saúde, educação, comunicação em especial com os
jornalistas e o setor de serviços, como por exemplo, os bancários.
D - Como o movimento sindical pode auxiliar trabalhadores que sofrem assédio?
MB - Em primeiro lugar, o dirigente deve ouvir seu
companheiro. É necessário que os dirigentes compreendam e conheçam esse
novo mundo do trabalho nesta nova configuração, em que os trabalhadores
foram transformados em nômades do trabalho e das relações, vivendo uma
sociedade sem emprego, com uma vida limítrofe e caótica, tendo que se
submeter a exploração. É necessário que os dirigentes conheçam os novos
riscos emergentes, reflitam a cultura empresarial, que escutem e
compreendam a voz daqueles que sofrem, adoecem e morrem do/no trabalho.
Se não conhecem o que acontece de fato no intra-muros, a ação se
restringe a julgar ou encaminhar o trabalhador assediado para o medico
ou o departamento jurídico, em atos e ações individualizadas. E as ações
coletivas, ficam esquecidas.
Se não tivermos uma práxis compromissada com classe trabalhadora,
poucas vitórias alcançaremos. Digo isto, pois vejo por esse Brasil,
muitos “dirigentes” que sequer sabem o que ocorre dentro daquela empresa
em que ele um dia, trabalhou e isso leva a atitudes de indiferença em
relação a dor do outro. Falta reflexão-ação, sonhos pessoais que se
mesclem com os sonhos coletivos, falta luta ativa, organização por local
de trabalho, mobilização e compromisso de classe! Pensar em eliminar o
assédio moral das relações laborais passa pela luta por justiça, por
dignidade, por generosidade, por respeito nas relações de trabalho, por
uma nova forma de organizar o trabalho em que a cultura reforce a
autonomia e criatividade para pensar e fazer; que a vida daqueles que
produzem riquezas, seja privilegiada em sua plenitude. Um sindicalismo
“combativo” não pode defender os interesses do capital, viabilizando a
existência de empresas que matam e adoecem centenas de trabalhadores
anualmente, com a desculpa que está preservando o emprego. Aqui, é uma
questão de defesa da vida. Não podemos sair de um sindicalismo de
contestação e caminhar para um sindicalismo de “viabilização das
empresas. Enquanto esse cenário persistir, assistiremos o aumento da
exploração no trabalho – que é uma face da violência – a intensificação
da flexibilidade, mobilidade e humilhações para produzir, sob o olhar
passivo do movimento sindical.
D - Quais são as consequências na saúde destes trabalhadores?
MB - Quem sofre o assédio moral no trabalho,
manifestará algumas reações. A primeira seria uma reação social cuja
resposta corporal a ação nociva, se manifesta como isolamento social,
ressentimentos, tristeza, reprodução da violência em outros espaços e
até mesmo com filhos. Há aumento do uso de drogas, quebra dos laços
afetivos e muitas crianças de país que sofreram violência no trabalho,
tem menor desempenho na escola. Em segundo lugar, a pessoa assediada
sente um mal estar que se manifesta no julgamento negativo de si, como
se fosse sem valor ou mesmo um lixo. Além das varias alterações
cotidianas, devido aos pensamentos repetitivos e recorrentes, com o
tempo, começam a apresentar doenças e danos psíquicos com idéias de
indignidade, esquecimentos, choro freqüente e que podem caminhar para a
depressão, o burn-out, a síndrome do pânico e outros transtornos da
esfera mental E por ultimo, que m é humilhado sistematicamente, pode
sair das ideações suicidas e agir, rumo a morte, tirando a própria vida,
por não suportar o sofrimento. Assim o assédio moral gera morte. A
Marie France lembra que “Não se morre diariamente de todas as agressões,
mas perde-se uma parte de si a cada noite, volta-se para casa exausto,
humilhado, deprimido. É a repetição do ato que é destruidor”. Estamos
diante de um risco que tem repercussões na família, desestruturando-a
freqüentemente e devastando a vida daquele que sofre a violência moral
ou psicológica no local de trabalho. Estamos falando de mais um risco no
ambiente de trabalho, que causa danos a dimensão física, psíquica,
moral, intelectual, social, cultural ou espiritual do ser humano. Daí a
necessidade de compreender essa relação capital x trabalho para atuar
com compromisso de classe, pois ter saúde, ser livre e feliz, envolve a
ordem do conhecimento, da razão livre, dos bons encontros, da
compreensão não somente de si mesmo, mas dos outros e somente com os
outros podemos transformar o mundo do trabalho e a sociedade em que
vivemos.
D - O que levou a Dra. a pesquisar sobre o tema?
MB - Comecei a trabalhar no Sindicato dos Químicos
ao final de 1992, logo após o término do curso de especialização em
medicina do trabalho. E neste espaço passei a ouvir historias de
sofrimento e compreendi desde o inicio que a dor colocada não era
resultante de fraquezas individuais. Ao contrário: estava diante de
guerreiros e guerreiras da produção e que após dá a vida em uma
determinada empresa, sentiam-se traídos porque adoeceram ou porque
questionaram a empresa e como resultado, mudava a forma da empresa de
lidar com eles. As histórias de sofrimento me atravessavam e na
tentativa de ajudá-los ativamente, procurei a Psicologia Social da
PUC/SP para fazer o mestrado. Lá, sistematizei uma pesquisa que resultou
na escuta atenta de 2072 trabalhadores de 97 empresas do ramo químico,
plástico, cosmético e farmacêutico e cujo nome da dissertação foi dado
por um trabalhador que após contar sua historia, me disse: “eu vivo
dentro da empresa uma jornada de humilhações”. Ele me deu o nome e a
chave da compreensão dos gritos de sofrimento que escutava.
* Departamento Intersindical de Estudos e Pesquisas de Saúde e dos Ambientes de Trabalho
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