Sinais claros de uma nação dividida - o JUDICIÁRIO e nós, o resto ...

CartaCapital, Ed. 665
O Judiciário de confiança abalada
Wálter Maierovitch
Na sua história, o judiciário passou por momentos difíceis. Lembro da cassação,
pela ditadura, dos íntegros ministros Victor Nunes Leal e Evandro Lins
e Silva, do Supremo Tribunal Federal (STF). Ambos tiveram recente
mente a memória desrespeitada pelo ministro Eros Grau, que deu pela
constitucionalidade da lei de autoanistia, esta elaborada pelo regime
militar para encobrir arbitrariedades e garantir impunidade a autores e
partícipes de assassinatos, torturas e terrorismo de Estado.
Na presente quadra, o Judiciário passa por outro tipo de dificuldade e decorre de um processo de perda de credibilidade pela população. Isso pela ausência de imparcialidade e pela falta de trato igualitário dos cidadãos perante a lei. De permeio, episódios desmoralizantes vieram a furo, como, por exemplo, a falsa comunicação de crime feita pelo ministro Gilmar Mendes:
afirmava ser vítima de grampo e, com particular teatralidade, levantou
suspeitas contra a Agência Brasileira de Inteligência (Abin).
O sentimento de descrédito teve início quando, em
decisão monocrática a contrariar súmula do STF impeditiva de se pular o
exame por instâncias inferiores, o ministro Mendes concedeu, sem
consultar o Plenário e num diligenciar inusual, habeas corpus
liberatório a Daniel Dantas. Pouco depois, tornava-se público o conteúdo de uma interceptação telefônica realizada com ordem judicial e a dar conta da preocupação de Dantas com os juízes de primeira instância, uma vez que, perante tribunais superiores, teria a impunidade garantida. Convém lembrar que a prisão cautelar de Dantas foi imposta por juiz federal de primeiro grau em face da Operação Satiagraha.
Por outro lado, não tardou
para, em sede de habeas corpus, a 5ª Turma do Superior Tribunal de
Justiça (STJ), por 3 votos contra 2, anular a Operação Satiagraha e a
sentença condenatória de Daniel Dantas por consumada corrupção ativa. Para os ministros julgadores, exceção a Gilson Dipp e Laurita Vaz,
a participação de agentes da Abin, órgão oficial e subordinado à
Presidência da República, foi ilegal e contaminou toda a apuração. Em
outras palavras, o acessório a caracterizar, no máximo, uma mera
irregularidade, valeu mais do que a prova-provada da corrupção:
Daniel Dantas, conforme uma enxurrada de provas e gravações feitas com o
acompanhamento da equipe da Rede Globo, procurou, por interpostos
agentes, corromper policiais em apurações na Satiagraha. Na casa de um
dos enviados de Dantas, a Polícia Federal apreendeu 1,1 milhão de reais.
Outra decisão que abalou os pilares da credibilidade e da confiança popular no Judiciário consistiu na anulação
da Castelo de Areia, a envolver dirigentes da construtora -Camargo
Corrêa. Por 3 votos a favor dos acusados e 1 -contrário, o STJ anulou
todas as provas da operação. A tese é que as provas tinham origem em denúncia anônima. O voto vencido explicitou que investigações, e não a denúncia anônima, tinham motivado as interceptações. No mesmo sentido e anteriormente manifestara-se de forma unânime o Tribunal Regional Federal de São Paulo.
Quando ainda mal absorvidos pela sociedade civil os episódios acima mencionados, veio a furo outro
caso de estupor. Esse a envolver como figura principal Fernando
Sarney, filho do presidente do Senado. A 6ª Turma do STJ, sem que
ministros convocados pedissem vista dos autos após o voto do relator,
anularam a chamada Operação Boi Barrica.
Para a Turma, a decisão judicial
que havia autorizado a quebra de sigilos não tinha sido
suficientemente motivada. Isso tudo com desprezo ao relatório do
Conselho de Atividades Financeiras do Ministério da Fazenda: o
relatório indicava suspeita de lavagem de dinheiro por membros do clã
Sarney e durante campanha eleitoral de Roseane ao governo do Maranhão.
Nesse caso, a verdade real foi desprezada por um garantismo baseado no subjetivismo da suficiência,
e o inquérito acabou reduzido a pó. Como num passe de mágica, não
existe mais nenhuma prova dos crimes de lavagem de dinheiro, desvio de
dinheiro público e tráfico de influência.
De lembrar, logo no início das apurações da Boi Barrica, a concessão de liminar que proibiu o jornal O Estado de -S. Paulo
de noticiar fatos em apuração e relacionados a Fernando Sarney. O
desembargador censor foi posteriormente reconhecido como suspeito de
parcialidade por vínculos com o senador Sarney.
Num pano
rápido, em nome de um falso garantismo poderemos ter anulações a
beneficiar o ex-governador José Roberto Arruda (Operação Caixa de
Pandora), os envolvidos em desvios de recursos do Ministério do Turismo
(Operação Voucher) e em superfaturamentos de obras do Ministério de
Minas e Energias (Operação Navalha). No imaginário popular, ao que parece, a deusa grega da Justiça, Têmis, cedeu lugar ao deus romano Janus bifronte. Das suas duas caras, uma garantiria a saída pela porta da impunidade a poderosos e potentes.
Walter Maierovitch é jurista e professor, foi desembargador no TJ-SP
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