Desde o dia 9 de novembro de 2015, estudantes secundaristas têm
ocupado suas escolas contra a proposta de reorganização do ensino feita
pela Secretaria Estadual de Educação de São Paulo - no momento são mais
de 200 ocupações em todo estado. Graças à pressão dos estudantes, o
debate se ampliou e percebemos, sob a fachada de uma gestão supostamente
técnica da educação, que os princípios elementares da transparência na
administração pública foram tripudiados. Como se não bastasse, é a
própria qualidade educacional, em nome da qual seria feita a
reorganização, que se vê em risco quando a gestão democrática da
educação é sacrificada.
No site da “Reorganização Escolar”,
a Secretaria de Educação defende o fechamento de 94 escolas e
reestruturação de outras 754, com o intuito de especializá-las em um
único ciclo. A justificativa seria dupla: 1) as notas das escolas de
ciclo único no Idesp (Índice de Desenvolvimento da Educação do Estado de
São Paulo) de 2014 foram 9,4% acima da média geral; 2) o governo aponta
para o crescimento das vagas ociosas devido à redução da população em
idade escolar, pois no ano de 1998 havia na rede estadual de ensino 2
milhões de matrículas a mais do que no ano de 2015. Nesse processo, 311
mil estudantes seriam compulsoriamente transferidos para escolas
definidas pelo governo.
Os argumentos oficiais não justificam o custo social e pedagógico que
a reorganização acarretará. É razoável que as escolas que alcancem
melhores resultados sirvam de inspiração para as reformas educacionais
comprometidas com a melhoria da educação. No entanto, certamente este
não é o caso da reorganização proposta. Se fosse, não encontraríamos na
lista das 94 unidades a serem fechadas 30 escolas com desempenho acima da média no Idesp 2014.
O governo, que se recusava a apresentar o estudo que fundamenta sua proposta, foi obrigado a fazê-lo quando o jornal O Estado de São Paulo recorreu à Lei de Acesso à Informação.
O governo tinha motivos (inconfessáveis) para ocultá-lo. O “estudo”
apresentado somente embasa a reorganização se admitirmos a manipulação
de dados e a inépcia metodológica. A divulgação desse documento seria
razão suficiente para a queda de um secretário de governo, mas parece
que já nos conformamos às manobras estatísticas desse governo.
Atualmente, as escolas de ciclo único integram um universo de 1436
unidades escolares. A heterogeneidade e complexidade destas escolas de
ciclo único foram subestimadas. O estudo isola a variável dos ciclos de
maneira determinista, como se ele fosse o único fator a definir tal
desempenho acima da média. Dessa maneira, são abstraídos fatores como:
tamanho da escola, estabilidade da equipe docente e de gestão, proporção
entre número de alunos por professor e aspectos socioeconômicos. Ou
seja, o estudo não tem como comprovar que o desempenho em questão é uma
consequência (exclusiva) do ciclo único.
Por vários pontos de vista, o argumento central que justifica a
reorganização parece não se sustentar. No universo de escolas a serem
fechadas uma em cada três escolas já são de ciclo único – são 28 do
total de 93 (1).
Consideremos outro aspecto, este “acima da média”: 9,4%. Um
percentual pequeno, principalmente se lembrarmos que a base do estudo é o
desempenho das escolas em apenas uma avaliação, o Idesp de 2014. Para
extrairmos as conclusões desejadas pela Secretaria, deveríamos
acompanhar a evolução do desempenho a médio e longo prazo, sem abstrair
outras variáveis relevantes.
Se o compromisso é com a melhoria da qualidade da educação, por que
não considerar outros fatores de impacto decisivo, como a diminuição de
alunos em sala de aula? As salas lotadas fazem parte da rotina da rede
estadual. Somente no ano letivo de 2015, mais de 2000 salas foram fechadas,
agravando o cenário. O Tribunal de Contas do Estado, ao analisar as
contas de 2014, constatou: “em quase todas as escolas (média de 96% nos
três ciclos) há mais alunos nas salas de aulas do que os parâmetros
recomendados pelo Conselho Nacional de Educação” (2).
Analisando os dados do Idesp de 2013, por exemplo, observa-se que as escolas de ensino médio com superlotação têm nota 22% menor que a média do Estado, que já é baixa. Em reportagem do Estado de S. Paulo,
“estudo da professora Cristine Pinto, da Escola de Economia da Fundação
Getúlio Vargas (FGV-EESP), aponta que uma redução de 30% no tamanho da
turma aumenta a proficiência dos alunos em 44%. Os resultados são
obtidos caso a redução seja aplicada em turmas com mais de 30 alunos
para o caso do ensino fundamental”.
Enquanto isso, a Secretaria insiste em colocar o maior número
possível de alunos nas escolas, podendo ter um aumento caso consideremos
o possível fluxo de estudantes que migrarão da rede privada para a pública devido ao contexto de crise econômica em que o país se encontra.
O governo afirma ter discutido sua proposta da reorganização
amplamente com dirigentes de ensino e educadores, sugerindo uma ideia de
conduta democrática e participativa. No entanto, a Lei de Diretrizes e
Bases (LDB 9.394/1996) preconiza que a educação deve ser ministrada pelo
princípio da gestão democrática, isto é, deve-se considerar a opinião
de toda a comunidade escolar (pais, estudantes, professores e
funcionários) quanto às definições educacionais. Não houve, da parte do
governo estadual, nenhum fórum de debate público sobre a reorganização e
muito menos a apresentação do projeto com transparência, uma vez que
apenas uma reunião foi feita (no dia 14/11/2015) para esclarecer dúvidas
referentes às transferências dos estudantes.
A questão é no mínimo desrespeitosa com funcionários, professores,
pais e alunos das escolas públicas, que terão suas rotinas alteradas
imperativamente, sem direito à discussão. Com isto, a manifestação dos
alunos destaca esta negligência à sua participação no cotidiano das
escolas. Estes jovens querem ser ouvidos! Estão buscando o
reconhecimento da condição de serem sujeitos de direito, protagonistas
políticos e não meros objetos do mundo dos adultos.
As ocupações de escolas estão questionando a compreensão de
“qualidade de ensino” estabelecida pelo governo, apontando a necessidade
de revermos coletivamente quais serão os critérios para garantir uma
formação de qualidade aos estudantes. A atitude apressada por parte do
governo estadual em implementar tais mudanças demonstra que sua
preocupação está voltada somente à “eficiência econômica”, configurando a
proposta da Secretaria como prematura e despreocupada com a qualidade
da formação de crianças e adolescentes.
Publicado originalmente no CORREIO DA CIDADANIA
Notas:
1) Fonte: Data Escolar / INEP (Censo Escolar 2014).
2) http://www4.tce.sp.gov.br/sites/tcesp/files/downloads/edicao_134_-_contas_do_governador_-_exercicio_de_2014.pdf
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