Mais
de 40% da classe trabalhadora mundial está na economia informal, e não
têm presença em movimentos sindicais à moda antiga. Novas formas de
sindicalismo terão que abordar essa classe de trabalho mutante
Tanto o tamanho quanto a composição da classe trabalhadora mundial
mudaram muito nas últimas quatro décadas. Porém, essas grandes mudanças
não foram refletidas na força das organizações dos trabalhadores.
Na região que era chamada de Sul global, o acúmulo de capital
resultou em um crescimento rápido de assalariados na indústria e nos
setores de construção, serviços e transporte. Um estudo recente da
Organização Internacional do Trabalho (OIT) revelou que no período de
1980 a 2005, a mão de obra no Oriente Médio e no Norte da África cresceu
149%. Na África Subsaariana, América Latina e Caribe basicamente
dobrou, no Sul da Ásia aumentou 73%, e 60% no Sul e Sudeste da Ásia.
(Kapsos 2007)
Enormes mudanças estão ocorrendo simultaneamente em regiões
separadas. Há uma migração histórica do campo para as megacidades, já
lotadas, acontecendo neste momento. Em 2000, o ministro chinês de
Recursos Humanos e Seguridade Social estimou um número de 113 milhões de
trabalhadores migrantes no país. Dez anos mais tarde esse número mais
que dobrou e chegou a 240 milhões, incluindo 150 milhões trabalhando
fora de suas áreas de residência. Desses 150 milhões, aproximadamente
72% estavam empregados nos setores de fabricação, construção, alimentos e
bebidas, atacado e varejo, e hospitalidade. (CLB 2012: 4)
Na Índia, a migração do trabalho interno explodiu a partir dos anos
90, sendo que a taxa de migração temporária e sazonal era mais alta em
regiões pobres como Nagaland e Madya Pradesh. (Bhagat/Mohanty 2009)
Normalmente, essas mudanças são acompanhadas por uma intensificação
das dificuldades sociais. Na Indonésia, a Konfederasi Serikat Pekerja
Indonesia (Confederação Sindical da Indonésia) organizou uma grave
nacional no dia 3 de outubro de 2012, e uma segunda — exigindo um
aumento de 50% do salário mínimo — em 31 de outubro e 1º de novembro de
2013. Não foram realmente greves, mas centenas de milhares de
trabalhadores participaram do movimento, especialmente na região de
Jacarta. (International Viewpoint, 4 de novembro de 2013)
Na Índia, em 20 e 21 de fevereiro de 2013, mais de 100 milhões de
trabalhadores pararam em todo o país para reivindicar uma lista de
demandas, incluindo um salário mínimo reajustado de acordo com a
inflação, segurança alimentar universal e pagamento igualitário por um
mesmo trabalho realizado. (International Viewpoint, 2 de março de 2013)
Na China, a falta de empregos que começou a surgir em 2004 levou a um
crescimento rápido dos protestos dos trabalhadores, que “não apenas
aumentaram em número, mas mudaram o foco de uma resposta mais reativa às
violações dos direitos do trabalho para demandas mais proativas por
salários mais altos e condições de trabalho mais adequadas”. (CLB 2012:
5)
A Academia Chinesa de Ciências Sociais informou que houve mais de
60.000 “incidentes em massa” (protestos populares) em 2006 e mais de
80.000 em 2007. Desde então, os números oficiais não foram mais
publicados, mas os especialistas acreditam que nos últimos anos esse
número aumentou ainda mais. (CLB 2012: 9)
Logo após o início da crise econômica ocorreram mais de trinta greves
nacionais na Grécia, enquanto Espanha e Portugal passaram por várias
greves, incluindo bi e multinacionais. A dramática queda da ditadura de
Mubarak no Egito em 2011 talvez não tivesse acontecido sem o apoio
sólido dos movimentos dos trabalhadores. (Beinin 2011) E, na África do
Sul, greves frequentemente violentas ocorriam uma após a outra.
No entanto, há um problema fundamental. A militância dos
trabalhadores ainda não foi consolidada em organizações fortes. Na
verdade, o trabalho “à moda antiga” está em declínio, e será necessário e
realizar mudanças fundamentais antes que um movimento sindical
transnacional e vibrante possa ser criado.
O estado dos sindicatos
Um sinal certeiro de que está ocorrendo a organização da classe
trabalhadora é o desenvolvimento de sindicatos e grupos com interesses
afins. A origem dos sindicatos independentes data do século 19, e ainda
existe em muitas partes do mundo — embora também existam regiões
importantes nas quais eles não têm qualquer influência.
O exemplo mais forte de uma economia capitalista em rápida expansão e
sem sindicatos independentes é a República Popular da China. É lá que
está a maior organização de trabalhadores do mundo, a Federação Nacional
dos Sindicatos da China (ACFTU) com 230 milhões de membros. Não se
trata de um sindicato independente, mas um canal de transmissão para o
Partido Comunista Chinês. Grande parte dos diversos conflitos por
trabalho da República Popular acontece não com o apoio da ACFTU, mas
apesar dela. (Bai 2012)
The China Labour Bulletin (Boletim de Trabalho da China)
chama o ACFTU de “uma causa perdida, atualmente. No geral, faltam a ele
as ferramentas e estratégias necessárias para garantir uma resposta
pontual e efetiva às iniciativas dos trabalhadores. Além disso, está por
fora da realidade das relações atuais de trabalho na China.” (CLB 2014:
38)
Em países com organizações independentes de trabalhadores a densidade sindical (membros do sindicato como uma porcentagem da mão de obra total) vem diminuindo. A Tabela 1 reconstrói as tendências em 13 países de 1920 a 2010. Em 11 casos, o ponto mais alto está no passado (entre 1950 e 1990), embora a situação seja relativamente estável no Canadá e na Noruega. Em nove casos, podemos observar uma tendência clara de queda.
Em países com organizações independentes de trabalhadores a densidade sindical (membros do sindicato como uma porcentagem da mão de obra total) vem diminuindo. A Tabela 1 reconstrói as tendências em 13 países de 1920 a 2010. Em 11 casos, o ponto mais alto está no passado (entre 1950 e 1990), embora a situação seja relativamente estável no Canadá e na Noruega. Em nove casos, podemos observar uma tendência clara de queda.
Talvez a tabela passe a impressão de que a situação é mais promissora
na Índia ou na Indonésia. Porém, lembre-se de que a densidade sindical é
calculada para a economia formal, e no caso da Índia isso representa
cerca de 8% da mão de obra. Assim, uma densidade sindical de 41%
equivale a 3,2% da mão de obra total.
Em uma escala global, a densidade sindical é praticamente
insignificante. Os sindicatos independentes organizam apenas uma pequena
porcentagem de seu grupo-alvo, e grande parte deles está na região
relativamente rica do Atlântico Norte.
Sem dúvida, a organização guarda-chuva global mais importante é a
Confederação Sindical Internacional (ITUC), fundada em 2006 após uma
fusão de duas organizações mais antigas, a Confederação Internacional de
Sindicatos Livres (ICFTU), orientada para uma reforma secular, e a
cristã Confederação Mundial do Trabalho (WCL).
Em 2014, a ITUC estimou que cerca de 200 milhões de trabalhadores no
mundo todo pertenciam a sindicatos, e que 176 milhões deles pertenciam à
ITUC,(1) sendo que o número total de trabalhadores é de 2,9 bilhões
(1,2 bilhão deles na economia informal). Portanto, a densidade sindical
global representa atualmente não mais do que 7%! (ITUC 2014: 8)
Alguns fatores colaboram com essa fraqueza. Primeiro, a composição da classe trabalhadora está mudando. Os sindicatos têm dificuldade em organizar os funcionários no setor financeiro ou de serviços. A economia informal em rápida expansão está complicando ainda mais a situação, uma vez que os trabalhadores mudam de emprego com frequência, e precisam conquistar sua renda em condições frequentemente precárias.
Alguns fatores colaboram com essa fraqueza. Primeiro, a composição da classe trabalhadora está mudando. Os sindicatos têm dificuldade em organizar os funcionários no setor financeiro ou de serviços. A economia informal em rápida expansão está complicando ainda mais a situação, uma vez que os trabalhadores mudam de emprego com frequência, e precisam conquistar sua renda em condições frequentemente precárias.
Outro fator importante é o que o economista do trabalho, Richard
Freeman, chamou de “choque do fornecimento de trabalho”, algo que se
manifestou desde o início dos anos 90. Com a entrada de trabalhadores
chineses, indianos, russos e de outros locais na economia global, o
número de trabalhadores que produzem para os mercados internacionais nas
últimas duas décadas praticamente dobrou.
Uma queda na proporção global entre capital e trabalho muda o
equilíbrio de poder nos mercados, reduzindo os salários pagos aos
trabalhadores, já que mais trabalhadores competem para trabalhar com
esse capital. […] Mesmo considerando a alta taxa de poupança dos novos
participantes — o Banco Mundial estima que a China tenha uma taxa de
poupança de 40% de seu PIB — vai levar 30 anos ou mais para que o mundo
recupere a proporção de capital/trabalho existente entre os países que
formaram anteriormente a economia global. Os mercados de trabalho do
mundo todo estão sob forte pressão, pois há o dobro de trabalhadores e
praticamente a mesma quantidade de capital. Essa pressão afetará os
trabalhadores nos países em desenvolvimento que já participavam
tradicionalmente da economia global, além de trabalhadores em países
desenvolvidos. (Freeman 2010)
Segundo, ocorreram mudanças consideráveis na economia. O crescimento
de investimento direto estrangeiro nos países centrais e nos
semiperiféricos da economia mundial foi impressionante, e ocorreu a
multiplicação de corporações transnacionais e blocos comerciais com
vários países (EU, NAFTA, Mercosul etc.). Brasil, Índia e especialmente
China são novos personagens importantes que mudaram as regras do jogo.
Isso vem acompanhado de novas instituições supranacionais, como a
Organização Mundial do Comércio, fundada em 1995.
Terceiro, os sindicatos à moda antiga precisam enfrentar cada vez
mais competição de estruturas alternativas. No Brasil, na África do Sul,
nas Filipinas e na Coreia do Sul surgiram novos movimentos de
trabalhadores, muitas vezes militantes (sindicatos de movimentos
sociais). (Scipes 2014) Novas formas de sindicalismo de base fora dos
canais estabelecidos apareceram a partir dos anos 70, com conexões
internacionais no nível da classe trabalhadora “ignorando completamente
os secretariados, que consideram frequentemente atados às burocracias de
seus vários afiliados nacionais”. (Herod 1997: 184)
Um exemplo bem conhecido é o da Transnational Information Exchange
(TIE), um centro no qual um número considerável de grupos de trabalho de
pesquisa e ativismo trocam informações sobre empresas transnacionais.
Outro exemplo é a “contra política externa” existente desde o início dos
anos 80 no AFL-CIO. (Spalding 1992) Também devo mencionar o número cada
vez maior de atividades realizadas por organizações não governamentais
(ONGs) e que deveriam ser de responsabilidade, pelo menos em teoria, do
movimento sindical internacional — por exemplo, a luta para regular e
abolir o trabalho infantil.
A ineficácia dos sindicatos à moda antiga é enfatizada por uma
tendência crescente por parte dos sindicatos globais (antes chamados de
secretariados internacionais) de participar do recrutamento direto de
membros na periferia. Pense, por exemplo, nas atividades da Union
Network International (o sindicato global para o setor de serviços)
relacionadas a especialistas em TI na Índia. (Süddeutsche Zeitung, 8 e 9
de setembro de 2001)
O destino dos partidos dos trabalhadores
Outra expressão da formação de classe é política por natureza.
Normalmente, os partidos de Trabalhadores, Social-Democratas e
Comunistas são considerados representantes políticos da classe
trabalhadora.
Do ponto de vista eleitoral, os partidos mais antigos,
Social-Democrata e de Trabalhadores, não estão muito bem. A maioria
deles atingiu seu ápice entre 1940 e 1989; Na Suíça aconteceu antes
(1930), enquanto em Portugal foi mais tarde (no início do século 21). A
única exceção (até recentemente) é o Partido dos Trabalhadores
brasileiro.(2)
No entanto, o mais importante é que essa família de partidos está
lutando com um problema de identidade fundamental. Desde os anos 30 a 40
as políticas Social Democráticas e de Trabalho têm base em dois
pilares: keynesianismo social e uma subcultura específica de partido
“vermelho” com suas próprias associações esportivas, clubes para
mulheres, organizações para amantes da natureza, cooperativas de
consumidores, jornais, grupos de teatro etc.
A inversão sociocultural e econômica desde os anos 60-70 derrubou os
dois “pilares”. As redes subculturais dos partidos se desfizeram e o
keynesianismo social tornou-se o menor possível. Muitos desafios tiveram
que ser resolvidos mais um ou menos ao mesmo tempo. Foi necessário
reconciliar o centralismo tradicional com os movimentos democráticos de
base, e o feminismo com a cultura androcêntrica convencional.
Além disso, o movimento ambiental precisava ser levado a sério sem
abandonar a busca por crescimento econômico (a condição de
redistribuição social em um contexto capitalista). A confusão
generalizada resultou em um grande aumento de eleitores que mudam seu
voto de um partido ou bloco político e outro; no envelhecimento e
diminuição dos militantes; e no quase desaparecimento dos membros
proletários ativos.
Paradoxalmente, essa perda de identidade explica o crescimento
explosivo da organização guarda-chuva Internacional Socialista (IS).
Desde os anos 70, o número de países com membros da IS mais do que
dobrou. Isso é impressionante, pois a associação à IS era bastante
instável nas décadas anteriores. Nos anos de 1951 a 1976, o número de
partidos filiados sempre flutuou entre 34 (em sua fundação em Frankfurt)
e 39. (van der Linden 2006)
A maioria dos partidos associados à IS após 1976 não se enquadrou ao
perfil antigo da organização. Antes da metade dos anos 70 ninguém
consideraria movimentos antes associados à guerrilha, como o Movimento
Popular para a Liberação da Angola (MPLA), a Frente Sandinista de
Libertação Nacional (FSLN) ou a conservadora Ação Democrática da
Venezuela, como partidos Social-Democratas. Essas organizações puderam
encontrar abrigo na IS, pois seu perfil já estava se esvanecendo.
Essa diluição tornou-se oficial quando a IS adotou
uma nova “Declaração de princípios” no 18º Congresso em Estocolmo,
1989, que reconhece a existência de “diferenças” entre as “culturas e
ideologias” dos membros, mas enfatiza também que os valores fundamentais
da IS (paz, liberdade, justiça e solidariedade) “têm origem nos
movimento dos trabalhadores, em movimentos de liberação popular,
tradições culturais de assistência mútua e solidariedade comunitária em
várias partes do mundo”. Resumindo, a Internacional Socialista conseguiu
crescer tanto apenas porque os partidos Sociais-Democratas clássicos
estavam passando por uma profunda crise de identidade.
Os partidos comunistas representam o segundo sistema político de
maior destaque. A grande maioria deles nasceu ou desenvolveu-se
consideravelmente em três momentos: durante cinco anos, de 1918 a 1923,
como resultado da Revolução Soviética; nos anos 30, como resposta à
depressão econômica; e logo após a Segunda Guerra Mundial. Alguns destes
partidos ainda têm uma base sólida, normalmente pequena — por exemplo,
em Portugal, Espanha e Grécia. Todos eles se desenvolveram sob ditaduras
de direita e têm como característica a intransigência. De forma
parecida, o influente Partido Comunista da África do Sul ainda tem
influência sobre a política do Congresso Nacional Africano.
No entanto, para a maioria dos partidos, o auge foi nos anos 40. Em
alguns países os partidos foram dissolvidos após fracassos eleitorais,
separações ou falência financeira. Esse foi o caso na Grã-Bretanha
(dissolvido em 1991), Itália (desmembrado em 1991), Finlândia (falência
em 1992), Brasil (golpe interno e separação em 1992). Outros partidos
passaram por fusões, por exemplo, no México (resultando no Partido
Socialista Unificado, 1981), na Dinamarca (formação da Aliança Vermelha e
Verde em 1989) e na Holanda (resultando no Partido Verde de Esquerda em
1989).
Mesmo o CPI-M (Partido Comunista da Índia Marxista) em Bengala
Ocidental, que recebeu a maioria dos votos em várias eleições (1971,
1980, 1989-2004) agora é um personagem secundário (duas de 42 cadeiras!)
devido as suas violentas políticas neoliberais.
Causas do enfraquecimento do sindicalismo
Minha hipótese é de que o sindicalismo à moda antiga e os partidos de
trabalhadores à moda antiga, conforme descrito acima, não atendem mais
aos desafios impostos pelo mundo contemporâneo. Os desafios neoliberais e
da globalização exigem novas políticas e práticas que, aparentemente,
eles não podem oferecer. Por isso, estão em crise. Aqui, tentarei apenas
fundamentar essa crítica aos sindicatos, não aos partidos (isso eu já
fiz parcialmente em van der Linden 2003: 95-116).
Vejo pelo menos duas grandes dificuldades. Para começar, a trajetória
histórica dos sindicatos, assim como de outras organizações, é moldada
até certo ponto por seu momento de fundação. Arthur Stinchcombe observou
isso meio século atrás:
“As invenções organizacionais que podem
ser feitas em um período particular da história dependem da tecnologia
social disponível no momento. Organizações com propósitos que podem ser
atingidos de forma eficiente com as formas organizacionais socialmente
possíveis tendem a serem fundadas durante o período em que exista a
possibilidade. Assim, como elas podem funcionar de maneira eficiente com
essas formas organizacionais, e como essas formas tendem a se tornarem
institucionalizadas, a estrutura básica da organização tende a
permanecer relativamente estável.” (Stinchcombe 1965: 153; também
Scoville 1973: 74)
Os primeiros sindicatos na Europa e na América do Norte foram
principalmente criações de trabalhadores brancos altamente qualificados,
que tinham um único chefe, eram relativamente influentes na linha de
produção e tentaram estabelecer barganhas coletivas. Esse foi um modelo
extremamente bem-sucedido e mais tarde inspirou também outras seções das
classes trabalhadoras (mulheres, negros e pessoas com pouca
qualificação).
Tornou-se a norma para os sindicatos do mundo todo. No entanto, o
contexto histórico específico no qual esse modelo foi construído foi
esquecido e, assim, “uma crença ingênua da aplicabilidade universal de
alguma forma de barganha coletiva” (Sturmthal 1973: 5) tornou-se mais ou
menos universal. Adolf Sturmthal (1973: 9) listou uma série de
condições para “um sistema de barganha coletiva genuíno”, incluindo “um
sistema legal e político que permitisse a existência e o funcionamento
de organizações trabalhistas relativamente livres” e a exigência de que
“os sindicatos fossem mais ou menos estáveis, relativamente bem
organizados e com uma força de barganha similar a do empregador.” Porém:
“Raramente, para não dizer nunca,
sindicatos efetivos foram organizados por trabalhadores “não
comprometidos”, ou seja, trabalhadores casuais que trocam de trabalho
frequentemente, voltam periodicamente às suas cidades de origem e não
possuem habilidades industriais específicas, mesmo as mais simples.
Ainda assim, trabalhadores industriais totalmente comprometidos com
pouca ou nenhuma habilidade são capazes de participar de barganhas
coletivas mediante certas condições, raramente encontradas. Na maioria
(definitivamente não em todos) os países recém-industrializados, uma
grande quantidade de mão de obra comum está disponível para trabalhos
não relacionados à agricultura. Raramente os trabalhadores não
qualificados são capazes de formar sindicatos próprios nessas condições,
mas quando conseguem, seus sindicatos têm pouco ou nenhum poder de
barganha.” (Sturmthal 1973: 10)
Esse é provavelmente o X da questão. Nos países capitalistas mais
avançados, as relações entre emprego e padrão, que se tornaram
dominantes entre os anos 40 e 70, gradualmente perdem a força, enquanto o
trabalho casual e informal sempre foi regra na África, Ásia e América
Latina. (van der Linden 2014; Breman/van der Linden 2014)
Outra dificuldade é que os sindicatos à moda antiga, ao tornarem-se
um tanto quanto entranhados em seus estados-nações de origem, consideram
muito difícil lidar com a transnacionalização do capital. A
globalização estimulou novas formas de organização entre fronteiras que
desafiaram os modelos tradicionais.
Já na metade dos anos 60 a influência crescente das transnacionais
estimulou o estabelecimento de Conselhos Corporativos mundiais,
principalmente nos setores químicos e automotivos. Apesar da grande
expectativa por parte dos militantes sindicalistas sobre essas novas
organizações, sua eficácia foi muito menor do que o esperado graças a
conflitos de interesse de funcionários em vários países. (Tudyka 1986;
Bendiner 1987; Olle/Schoeller 1987)
A formação de blocos comerciais resultou em certo equilíbrio de
parâmetros legais e políticos. Dessa forma, a construção de estruturas
sindicais transnacionais em cada bloco era um passo óbvio. Normalmente,
essa colaboração não evolui no nível das principais confederações
sindicais nacionais, mas sim no nível subnacional ou em ramificações. Em
muitos casos, instituições que não são sindicatos (como organizações
religiosas e de direitos humanos) também são parceiras em projetos desse
tipo. Entre os exemplos estão a Coalizão por Justiça nos Maquiladores, o
Comité Frontizero de Obreras e La Mujer Obrera, todos nos anos 80.
(Armbruster 1995: 80-2; Borgers 1996: 81-5; Carr 1999)
Nesse contexto também tem importância o Conselho de Trabalhadores da
Ford (Council of Ford Workers), fundado pelo United Auto Workers
(Bina/Davis 1993: 165-6). Ações conjuntas dos sindicatos contra as
transnacionais, como uma representação de ocupações específicas em
países diferentes (por exemplo, mineradores de carvão, trabalhadores do
setor elétrico) também se tornaram muito mais frequentes nas últimas
décadas. (Herod 1995: 342; Armbruster 1995)
Quando a montadora francesa Renault anunciou o fechamento de sua fábrica na Bélgica em fevereiro de 1997, foram organizadas greves de solidariedade e manifestações na França, Espanha, Portugal e Eslovênia, dando origem ao novo termo “Euro-strike” (Euro-greve) (Imig/Tarrow 2001) Embora os sindicatos apoiassem essas ações, não desempenhavam uma função de liderança nelas.
Quando a montadora francesa Renault anunciou o fechamento de sua fábrica na Bélgica em fevereiro de 1997, foram organizadas greves de solidariedade e manifestações na França, Espanha, Portugal e Eslovênia, dando origem ao novo termo “Euro-strike” (Euro-greve) (Imig/Tarrow 2001) Embora os sindicatos apoiassem essas ações, não desempenhavam uma função de liderança nelas.
De acordo com Stinchcombe (1965: 154), “um exame da história de
praticamente qualquer tipo de organização mostra que há grandes surtos
de criação de organizações do tipo, seguido por um período de
crescimento relativamente inferior, talvez com novos surtos na
sequência, geralmente de um tipo fundamentalmente diferente de
organização, mas no mesmo campo.” Talvez o grande surto de sindicatos à
moda antiga já tenha se esgotado e um novo surto de um novo tipo de
sindicalismo “esteja no ar”.(4)
Perspectivas para o sindicalismo transnacional revitalizado
Quais são os desafios que um sindicalismo renovado terá que
enfrentar? Primeiro, terá que desenvolver uma visão clara de onde quer
chegar. A revitalização exige propostas políticas convincentes que
expressem solidariedade entre diferentes segmentos da classe
trabalhadora dentro países e continentes e entre eles.
Segundo, há a composição em mudança da classe trabalhadora mundial.
Até agora, as organizações de trabalhadores dos países da OECD dominaram
a Confederação Sindical Internacional. Mas sua fatia na força de
trabalho mundial está diminuindo. Cada vez mais assalariados vivem na
Ásia, África e América Latina. E uma proporção cada vez maior desses
trabalhadores é mulher (Tabela 2).
Mais de 40% da classe trabalhadora mundial (1,2 de 2,9 bilhões de
funcionários) está ativa na economia informal, e praticamente não têm
presença em movimentos sindicais à moda antiga.
Novas formas de sindicalismo terão que abordar essa classe de
trabalho mutante. A primeira fase da demarcação das classes
trabalhadoras foi extremamente restrita e centrada na Europa, por isso
precisa ser revisada e expandida. (Antunes 2013: 80-95) Não deve restar
dúvidas de que o grupo-alvo recém-definido não deve mais ser dominado
por trabalhadores brancos na região do Atlântico Norte, mas por mulheres
e pessoas de outras etnias, muitas envolvidas em formas ocultas de
trabalho assalariado, trabalhos precários ou escravidão por dívida.
Muitos sindicatos na periferia e na semiperiferia abandonaram os antigos
limites e começaram a recrutar todos os tipos de trabalhadores “não
tradicionais”.
Uma definição mais ampla do grupo-alvo levará necessariamente a uma
mudança drástica dos sistemas de operação dos sindicatos, a fim de
auxiliar esses trabalhadores a ampliar ainda mais seus interesses. Isso
também significa acabar com a ênfase em estratégias de barganha
coletiva.(Hensman 2001) É bem possível que disposições mutualistas
recebam prioridade em muitos casos — ou seja, formas de organização que
se concentrem em um seguro mútuo contra doença, incapacidade e
desemprego, algo de destaque nos movimentos de trabalho europeus e norte
americanos nos séculos 18 e 19. (van der Linden 2008: 109-31)
Talvez seja possível aprender muito com o “sindicalismo ocupacional”
que precedeu o sindicalismo industrial do século 20. (Cobble/Vosko 2000)
Jeffrey Harrod vê “o início de organizações coletivas voltadas ao
aprimoramento das condições materiais, mas sem base direta em fatores de
trabalho e produção”. Ele menciona, por exemplo, redes
“extraeconômicas” de jovens japoneses desempregados, cuja atividade
social está centrada em cafés internet; e grupos indianos de
trabalhadores casuais que pressionam o Estado por uma proteção maior.
(Herod 2014: 13-14)
Alguns sindicatos à moda antiga já tentam se abrir para essas
evoluções, mas de forma hesitante. Na Itália, as confederações sindicais
CGIL e CISL criaram estruturas especiais para a representação de
trabalhadores “atípicos”; e o sindicato dos funcionários austríacos,
GPA, agora recebe “trabalhadores autônomos”. (Cella 2012: 180)
Uma mudança final necessária diz respeito às estruturas e culturas
organizacionais. Primeiro, a estrutura dupla do movimento sindical
internacional — colaboração de confederações nacionais e sindicatos
globais — é um relíquia problemática do passado, e precisa ser
descartada. Provavelmente, a melhor opção seria uma nova estrutura
unitária que facilitasse a inclusão de “novos” grupos-alvo nos
secretariados internacionais.
Segundo, a abordagem um tanto autocrática que prevalece no movimento
sindical internacional atual precisará ser substituída por uma abordagem
democrática, e por uma participação maior dos trabalhadores de base. As
possibilidades oferecidas pela internet representam uma colaboração
positiva para a criação de uma estrutura renovada desse tipo. (Lee 1997)
Terceiro, e mais importante, novos métodos de ação coletiva,
especialmente entre fronteiras, precisam ser empregados. Embora a
principal atividade do movimento sindical internacional tenha sido até
hoje (com a exceção notável da campanha antiapartheid dos anos 80) a
realização de lobby com governos e organizações transnacionais, e tenham
sido despendidos esforços para cultivar a boa vontade dos Estados
(Greenfield, 1989), uma ação efetiva exige muito mais esforço em medidas
ativas como boicotes, greves etc., o que, por outro lado, demandam um
fortalecimento substancial das estruturas internas.
Como Dimitris Stevis (1998: 66) observou corretamente, as
organizações de trabalho internacionais “não são simplesmente gigantes
adormecidos, mas federações intersociais fundamentalmente fracas”.
A questão é se o movimento sindical internacional existente pode
atender a esses desafios. Provavelmente, um novo surto no
desenvolvimento sindical será um processo difícil, intercalado com
experimentos sem sucesso e momentos de crise profunda. Estruturas
organizacionais e padrões de comportamento existentes há mais de um
século não são fáceis de mudar.
Além disso, é altamente improvável que novas estruturas e padrões
sejam moldados por meio de reformas que aconteçam de cima pra baixo, por
meio da liderança central. Se há uma coisa que a história nos ensinou é
que as estruturas sindicais quase nunca surgem tranquilamente por meio
de engenharia social. Normalmente, elas são o resultado de conflitos e
experimentos arriscados.
A pressão proveniente de baixo, por meio de redes competitivas,
modelos de ação alternativos etc., será um fator muito importante para a
definição desse resultado. Quais formas essa pressão assumirá e se será
suficiente para gerar mudanças importantes, ninguém pode dizer com
certeza.
Notas
1. Provavelmente esse cálculo conduz ao erro.
2. Uma parte considerável, mas desconhecida, da associação sindical é formada por aposentados.
O sucesso do PT pode ser um artefato estatístico. Entre 2000 e 2009 houve duas eleições para a câmara dos deputados brasileira. Em 2002, o PT alcançou seu maior resultado (18,4%), mas a média da década caiu devido ao resultado ruim de 2006 (15,0%). Apesar de o PT ter conquistado 16,9% dos votos em 2010, na eleição de 2014 seus votos para a câmara dos deputados caíram para 14%.
3. As chances de que novos partidos dos trabalhadores sejam estabelecidos em breve parecem pequenas.
4. Certa vez, Eric Hobsbawm afirmou que os partidos dos trabalhadores com um enorme número de seguidores surgiram principalmente em um período específico da história, entre 1880 e os anos 30. “Esses partidos, ou seus sucessores, ainda existem e são em muitos casos influentes, mas nos locais onde eles não existiam, ou onde a influência de socialistas/comunistas foi considerável nos movimentos de trabalhadores antes da Segunda Guerra Mundial, praticamente nenhum partido surgiu das classes trabalhadoras desde então, principalmente no chamado ‘Terceiro Mundo’”. (Hobsbawm 1984: 60) A exceção mais importante a essa regra foi na formação do Partido dos Trabalhadores no Brasil em 1980, que conquistou uma quantidade considerável de seguidores. Não podemos excluir a possibilidade de que a experiência brasileira será repetida em outros locais, mas no momento não há indícios de que isso acontecerá. Por enquanto, parece que os sindicatos terão que depender totalmente de sua própria força.
5. Talvez possamos considerar todos esse processo como um exemplo de
“a desvantagem de um vantagem inicial” ou do desenvolvimento desigual e
combinado. Veja van der Linden 2007.
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