Quem diria… Cinquenta anos! E parece que
foi ontem! Há meio século era publicada a primeira tirinha da Mafalda, a
filha dileta do cartunista Quino (Joaquín Salvador Lavado), cidadão
argentino e de todo o planeta. Alguns comemoraram seu aniversário dois
anos atrás, já que foi criada em 1962, para uma propaganda da marca de
produtos eletrodomésticos Mansfield, da companhia Siam Di Tella.
Mas Quino sempre insistiu: nenhuma outra data pode ser considerada
oficial a não ser 29 de setembro de 1964, quando a menina, de fato,
apareceu pela primeira vez no número 99 do semanário Primera Plana. Pois então agora podemos dizer: “Parabéns, Mafalda!”
De lá para cá, muita coisa aconteceu,
Mafalda se popularizou e Quino se tornou um dos maiores quadrinistas
contemporâneos. Mas parece que as coisas não mudaram tanto assim… A
década de sessenta viu a guerra do Vietnã, a crise do mísseis em Cuba, a
invasão dos tanques do Pacto de Varsóvia na Tchecoslováquia, a luta
pelos direitos civis nos Estados Unidos, o acirramento da Guerra Fria.
Mas havia lampejos de esperança: o legado humanista e antiimperialista
de Che Guevara, os exemplos de Malcolm X e Martin Luther King, o bom
combate de Carlos Marighella contra o autoritarismo dos generais
golpistas… e a imagem sempre presente de Mafalda! Ela criticava,
protestava, se indignava com as contradições de sua época. Havia um
toque agridoce em suas tiradas, o sonho de câmbios profundos, de
mudanças políticas e culturais, de uma realidade melhor e mais justa
para as novas gerações. Os jovens levavam sua Mafalda embaixo do braço
para todos os cantos… Afinal, suas provocações faziam com que os
leitores parassem para pensar; depois, quem sabe, impelidos por ela,
começariam a agir. Ou pelo menos, teriam as armas da crítica nas mãos!
Hoje, contudo, parece que o cenário não
melhorou. A barbárie corre solta… Desde a selvageria e brutalidade dos
conflitos no Oriente Médio e a volta da direita fascista na Europa (e
aqui também) até o radicalismo dos fundamentalistas religiosos e o
massacre de crianças palestinas em Gaza pela máquina de guerra
israelense, o que se vê, para a tristeza geral, é a miséria humana
disseminada. Quanta falta faz Mafalda nos dias atuais!
A partir de 1965, o diário El mundo começa
a receber a visita frequente da guria contestadora em suas páginas, até
fechar as portas (ou parar as rotativas, como queiram) dois anos
depois. Em 1968, a rechonchuda falastrona começará a aparecer na revista
Siete Días Ilustrados. Com o tempo, surgiria o resto da turma:
Felipe, Manolito, Susanita, Miguelito, Guille e Libertad. A primeira
compilação tendo Mafalda como protagonista sai em 1966; na Europa, seu
livro vem à luz três anos mais tarde. Umberto Eco, um fã assumido,
escreveria o prefácio da edição italiana! A última historieta de Mafalda
seria publicada em 1973.
O reconhecimento mundial viria logo. Nos
anos setenta, Quino (hoje com 82 anos) faria uma campanha com ela para a
Unicef e ganharia o troféu Palma de Ouro do Salão Internacional do
Humor de Bordighera. E no decênio seguinte, receberia o prêmio de
Cartunista do Ano da International Exhibition of Humor em Montreal
(Canadá).
No século XXI, a fama de Mafalda não
parou de crescer. E uma estátua da menina foi colocada no bairro de San
Telmo, em Buenos Aires, tornando-se uma das grandes atrações locais para
as centenas de turistas que passam por lá constantemente. Talvez a
maior de todas as homenagens, contudo, é que continua a ser lida e amada
pelos jovens de hoje. Por isso, só nos resta prestar este singelo
tributo e lhe dar nossos sinceros e afetuosos parabéns!
***
***
Luiz Bernardo Pericás é formado em História pela George Washington University, doutor em História Econômica pela USP e pós-doutor em Ciência Política pela FLACSO (México). Foi Visiting Scholar na Universidade do Texas. É autor, pela Boitempo, de Os Cangaceiros – Ensaio de interpretação histórica (2010) e do lançamento ficcional Cansaço, a longa estação (2012). Também publicou Che Guevara: a luta revolucionária na Bolívia (Xamã, 1997), Um andarilho das Américas (Elevação, 2000), Che Guevara and the Economic Debate in Cuba (Atropos, 2009) e Mystery Train (Brasiliense, 2007). Seu livro mais recente é Intérpretes do Brasil: clássicos, rebeldes e renegados, organizado em conjunto com Lincoln Secco.
Nenhum comentário:
Postar um comentário