Na origem da moeda, que completa
vinte anos, houve favorecimento brutal a mercado financeiro. País
quebrou, juros dispararam e FHC perdeu oportunidade histórica
Por Luis Nassif, no GGN
Há muitas histórias a serem contadas sobre o Plano Real.
O sonho de todo economista financista é comandar um processo de troca
de moeda em um país. Ele passa a ter o poder de arbitrar as regras de
conversão da moeda velha para a nova. Dependendo da maneira como definir
a conversão, poderá criar fortunas do nada.
Foi assim nas Guerras Napoleônicas, com o financista John Law que
instituiu o papel-moeda na França, em lugar do padrão ouro. Tornou-se um
dos homens mais ricos do mundo, chegou a adquirir alguns estados
norte-americanos, antes da bolha explodir.
Foi assim no início da República, quando Rui Barbosa comandou a
mudança do padrão ouro para o papel moeda. Beneficiou um banqueiro da
época, o seu Daniel Dantas, o Conselheiro Mayrink, conferindo-lhe o
monopólio virtual da emissão da nova moeda.
Quando os negócios do banqueiro entraram em crise, Rui acabou impondo
tantas mudanças no plano original – para salvar seu parceiro e sócio –
que quebrou o país, no episódio conhecido como o Encilhamento.
No campo dos negócios, o Plano Real seguiu o padrão John Law e Rui
Barbosa – mas com a sofisticação permitida pelos novos tempos e novas
engenharias financeiras. Aliás, o melhor trabalho sobre o Encilhamento
foi do jovem economista Gustavo Franco, ainda nos anos 80. E sua grande
interrogação era como Ruy poderia ter montado todas suas operações
privadas sem comprometer o plano. A resposta: um Banco Central que
impedisse a volatilidade do câmbio.
***
O Real foi implementado por um grupo brilhante de operadores de
mercado, dominando estratégias financeiras e firmemente empenhados em
aproveitar o momento para a grande tacada de sua vida.
Com o fim do Cruzado Novo, havia várias formas de irrigar a economia
com a nova moeda. A mais óbvia seria no vencimento dos títulos públicos:
em vez de emitir novos títulos e rolar a dívida, o governo resgataria,
entregando reais aos titulares. O país zeraria sua dívida pública e, com
a falta de títulos públicos, os reais seriam investidos em papéis
privados, ajudando a estimular os investimentos.
Em vez disso, optou-se por entregar reais só a quem trouxesse dólares
de fora. Os economistas do Real se prepararam antecipadamente para essa
reciclagem, adquirindo instituições que, assim que o Real foi lançado,
saíram na frente captando dólares baratos, convertendo em reais e
aplicando em títulos públicos que pagavam juros expressivos.
Por si só, essa reciclagem já seria um grande negócio.
Mas foram além.
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A lógica econômica do Real consistia em conservar a paridade de
um por um na relação com o dólar. Quando foi lançada a URV, a ideia era
convergir o valor real de todos os produtos para o novo índice,
reduzindo ao mínimo as oscilações de preços relativos depois que o real
fosse introduzido .
Mas o BC fixou uma regra que, na prática, derrubou o dólar para 85
centavos. Consistia em garantir um teto para o dólar (de R$ 1,00) mas
não garantir um piso. O piso seria determinado pelo diferencial entre as
taxas externas de juros e as internas.
Lançado o real, imediatamente o dólar caiu para R$ 0,85, encarecendo
da noite para o o dia todos os produtos brasileiros, em relação aos
importados.
***
Alguns meses antes do lançamento do real, um dos economistas, Winston
Fritsch, procurou bancos de investimento nacionais e estrangeiros para
encontros reservados, nos quais descrevia o movimento que o dólar faria
quando o real fosse implementado. Convidava-os a entrar no jogo para
reforçar o movimento baixista do dólar já que na outra ponta haveria
multinacionais comprando dólares para se prevenir contra o medo da
desvalorização do real.
Menos de três meses com o dólar a R$ 0,85 e a economia bombando, o
país já exibia déficits externos relevantes. Se houvesse desvalorização
cambial, quebraria grande parte das instituições aliadas dos
economistas. Para não quebrarem, os economistas do Real quebraram o
país. Aumentaram a aposta no câmbio apreciado. No final do ano o país
estava quebrado, explodiu a crise do México e o Brasil se viu sem
condições de continuar crescendo por não conseguir financiar o déficit
externo.
Essa armadilha levou o BC a manter por tempo indeterminado a
apreciação do real e a segurar a crise das contas externas com as mais
altas taxas de juros do mundo. Como conseqüência, matou o mercado de
consumo pujante que estava se formando com o fim da inflação; e gerou a
maior dívida pública da história, que seguraria o crescimento brasileiro
por toda a década seguinte.
Mais que isso, matou o próprio sonho do PSDB de governar o país por 20 anos – como era o cálculo de seus operadores.
Com o fim da inflação, milhões de brasileiros ascenderam ao mercado
de consumo. O governo FHC poderia ter antecipado em oito anos o fenômeno
da nova classe C e garantido o reinado do PSDB por mais vinte. Mas as
taxas de juros praticadas, para segurar o câmbio – e enriquecer os
operadores financeiros – mataram totalmente o dinamismo da economia,
obrigando os novos consumidores a refluírem para a zona cinzenta do
subconsumo e só voltariam à tona no governo Lula – garantindo a nova
hegemonia política ao PT.
Os quatro primeiros anos de FHC foram sufocados pela dívida criada no
setor público e privado e pelo câmbio apreciado, criando um enorme
déficit externo, expondo o país a qualquer crise internacional. Bastava
uma crise na Rússia para um terremoto se abater sobre o Brasil.
Quatro anos depois, o câmbio cobrou a conta na crise da dívida
externa que praticamente liquidou com o segundo mandato de FHC e com o
reinado do PSDB.
Em 2002 Lula foi eleito, o PSDB alijado do poder e, já extremamente
ricos, os economistas do Real trataram de procurar outros barcos para
remar.
Vinte anos depois, o PSDB serve de novo de mula para o retorno dos financistas que liquidaram com o partido.
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