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sexta-feira, 11 de julho de 2014

Para uma história ainda não contada do Real


fmi-real


Na origem da moeda, que completa vinte anos, houve favorecimento brutal a mercado financeiro. País quebrou, juros dispararam e FHC perdeu oportunidade histórica


Por Luis Nassif, no GGN


Há muitas histórias a serem contadas sobre o Plano Real.

O sonho de todo economista financista é comandar um processo de troca de moeda em um país. Ele passa a ter o poder de arbitrar as regras de conversão da moeda velha para a nova. Dependendo da maneira como definir a conversão, poderá criar fortunas do nada.

Foi assim nas Guerras Napoleônicas, com o financista John Law que instituiu o papel-moeda na França, em lugar do padrão ouro. Tornou-se um dos homens mais ricos do mundo, chegou a adquirir alguns estados norte-americanos, antes da bolha explodir.

Foi assim no início da República, quando Rui Barbosa comandou a mudança do padrão ouro para o papel moeda. Beneficiou um banqueiro da época, o seu Daniel Dantas, o Conselheiro Mayrink, conferindo-lhe o monopólio virtual da emissão da nova moeda.

Quando os negócios do banqueiro entraram em crise, Rui acabou impondo tantas mudanças no plano original – para salvar seu parceiro e sócio – que quebrou o país, no episódio conhecido como o Encilhamento.

No campo dos negócios, o Plano Real seguiu o padrão John Law e Rui Barbosa – mas com a sofisticação permitida pelos novos tempos e novas engenharias financeiras. Aliás, o melhor trabalho sobre o Encilhamento foi do jovem economista Gustavo Franco, ainda nos anos 80. E sua grande interrogação era como Ruy poderia ter montado todas suas operações privadas sem comprometer o plano. A resposta: um Banco Central que impedisse a volatilidade do câmbio.

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O Real foi implementado por um grupo brilhante de operadores de mercado, dominando estratégias financeiras e firmemente empenhados em aproveitar o momento para a grande tacada de sua vida.

Com o fim do Cruzado Novo, havia várias formas de irrigar a economia com a nova moeda. A mais óbvia seria no vencimento dos títulos públicos: em vez de emitir novos títulos e rolar a dívida, o governo resgataria, entregando reais aos titulares. O país zeraria sua dívida pública e, com a falta de títulos públicos, os reais seriam investidos em papéis privados, ajudando a estimular os investimentos.

Em vez disso, optou-se por entregar reais só a quem trouxesse dólares de fora. Os economistas do Real se prepararam antecipadamente para essa reciclagem, adquirindo instituições que, assim que o Real foi lançado, saíram na frente captando dólares baratos, convertendo em reais e aplicando em títulos públicos que pagavam juros expressivos.

Por si só, essa reciclagem já seria um grande negócio.

Mas foram além.

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A lógica econômica do Real consistia em conservar a paridade de um por um na relação com o dólar. Quando foi lançada a URV, a ideia era convergir o valor real de todos os produtos para o novo índice, reduzindo ao mínimo as oscilações de preços relativos depois que o real fosse introduzido .

Mas o BC fixou uma regra que, na prática, derrubou o dólar para 85 centavos. Consistia em garantir um teto para o dólar (de R$ 1,00) mas não garantir um piso. O piso seria determinado pelo diferencial entre as taxas externas de juros e as internas.

Lançado o real, imediatamente o dólar caiu para R$ 0,85, encarecendo da noite para o o dia todos os produtos brasileiros, em relação aos importados.

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Alguns meses antes do lançamento do real, um dos economistas, Winston Fritsch, procurou bancos de investimento nacionais e estrangeiros para encontros reservados, nos quais descrevia o movimento que o dólar faria quando o real fosse implementado. Convidava-os a entrar no jogo para reforçar o movimento baixista do dólar já que na outra ponta haveria multinacionais comprando dólares para se prevenir contra o medo da desvalorização do real.

Menos de três meses com o dólar a R$ 0,85 e a economia bombando, o país já exibia déficits externos relevantes. Se houvesse desvalorização cambial, quebraria grande parte das instituições aliadas dos economistas. Para não quebrarem, os economistas do Real quebraram o país. Aumentaram a aposta no câmbio apreciado. No final do ano o país estava quebrado, explodiu a crise do México e o Brasil se viu sem condições de continuar crescendo por não conseguir financiar o déficit externo.

Essa armadilha levou o BC a manter por tempo indeterminado a apreciação do real e a segurar a crise das contas externas com as mais altas taxas de juros do mundo. Como conseqüência, matou o mercado de consumo pujante que estava se formando com o fim da inflação; e gerou a maior dívida pública da história, que seguraria o crescimento brasileiro por toda a década seguinte.

Mais que isso, matou o próprio sonho do PSDB de governar o país por 20 anos – como era o cálculo de seus operadores.

Com o fim da inflação, milhões de brasileiros ascenderam ao mercado de consumo. O governo FHC poderia ter antecipado em oito anos o fenômeno da nova classe C e garantido o reinado do PSDB por mais vinte. Mas as taxas de juros praticadas, para segurar o câmbio – e enriquecer os operadores financeiros – mataram totalmente o dinamismo da economia, obrigando os novos consumidores a refluírem para a zona cinzenta do subconsumo e só voltariam à tona no governo Lula – garantindo a nova hegemonia política ao PT.
Os quatro primeiros anos de FHC foram sufocados pela dívida criada no setor público e privado e pelo câmbio apreciado, criando um enorme déficit externo, expondo o país a qualquer crise internacional. Bastava uma crise na Rússia para um terremoto se abater sobre o Brasil.

Quatro anos depois, o câmbio cobrou a conta na crise da dívida externa que praticamente liquidou com o segundo mandato de FHC e com o reinado do PSDB.

Em 2002 Lula foi eleito, o PSDB alijado do poder e, já extremamente ricos, os economistas do Real trataram de procurar outros barcos para remar.

Vinte anos depois, o PSDB serve de novo de mula para o retorno dos financistas que liquidaram com o partido.

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