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sexta-feira, 7 de dezembro de 2012

OS CUSTOS ECONÔMICOS DO MACHISMO



Marina Castañeda*

Nos últimos anos, de fato, tanto os organismos internacionais como os governos se conscientizaram dos enormes custos econômicos e sociais da desigualdade entre os sexos. Curiosamente, as propostas do feminismo – que começou como uma corrente de pensamento muito minoritária entre intelectuais e ativistas do mundo industrializado – estão sendo cada vez mais integradas à análise econômica e social do establishment do capitalismo globalizado.
Um bom exemplo disso é um projeto de pesquisa publicado em 2001 pelo Banco Mundial, um dos bastiões do pensamento econômico neoliberal. Seu relatório, intitulado Gendered Development [Desenvolvimento e Desigualdade entre os Gêneros], analisa em detalhes os custos da desigualdade entre homens e mulheres, sob o aspecto da pobreza, do desenvolvimento, da produtividade, da saúde e da educação. As conclusões principais são contundentes. Os países que promovem os direitos das mulheres e facilitam o acesso delas à educação e à riqueza estão menos sujeitos à pobreza e à corrupção, têm uma produtividade mais elevada e um crescimento econômico maior. Quando se reduzem as diferenças entre homens e mulheres em áreas como a educação, o emprego e os direitos de propriedade, as taxas de desnutrição infantil e a mortalidade diminuem. Além disso, a transparência e a honestidade aumentam, tanto nos governos como no setor privado. Os sistemas de saúde e educação, os órgãos de governo e as instituições de crédito funcionam melhor quando incluem uma forte participação feminina. Portanto, a desigualdade entre homens e mulheres não afeta apenas estas últimas, mas a sociedade inteira, idéia que sempre foi postulada pelo movimento feminista e que agora recebe o respaldo dos economistas do desenvolvimento.
Vejamos alguns exemplos, extraídos do relatório do Banco Mundial. Estima-se que o simples fato de facilitar o acesso das mulheres da zona rural à educação, à propriedade da terra e ao uso de fertilizantes aumentaria em 20% a produtividade agrícola na África. Em Bangladesh, os microcréditos concedidos às mulheres traduzem-se num aumento da renda familiar maior do que quando eles são concedidos aos homens. Diversos estudos comparativos o demonstram: se o Oriente Médio, o Norte da África, o Sul da Ásia e a África Subsaariana houvessem reduzido a diferença entre a educação de meninas e meninos, como o Leste da Ásia o fez no período de 1960-1990, o PNB per capita nessas regiões teria crescido entre 0,5 e 0,9% a mais por ano.
Se meninos e meninas tivessem o mesmo acesso à educação em toda a África, a mortalidade infantil do continente teria sido 25% menor no ano de 1990, escolhido como exemplo. Uma pesquisa sobre 63 países demonstrou que a educação das mulheres foi o fator que mais contribuiu para reduzir a desnutrição entre 1970 e 1995, explicando por si só 43% de tal diminuição. Verificou-se também que, quando as taxas de alfabetização feminina sobem, os índices de infecção por HIV diminuem. Mas a educação das mulheres não é o único fator importante; os níveis salariais também contam. No Brasil, em Bangladesh e na Costa do Marfim, o salário das mulheres repercute na nutrição dos filhos quatro vezes mais que o mesmo salário nas mãos de seus pais. Na República da Geórgia, as empresas possuídas ou dirigidas por mulheres têm menos ocorrências de corrupção que as empresas cuja posse ou administração está nas mãos dos homens. Por todas essas razões, o Banco Mundial está destinando mais e mais fundos e apoios para a educação, a saúde, o crédito e os direitos das mulheres.
As Nações Unidas também estudaram a fundo os custos da desigualdade entre homens e mulheres. O relatório intitulado Estado da população mundial 2000 recolhe dados sobre o imenso custo econômico da violência contra as mulheres: estima-se, por exemplo, que os patrões nos Estados Unidos perdem 4 bilhões de dólares por ano devido ao absentismo, ao aumento dos gastos médicos, à alta taxa de renovação do quadro de funcionários e à menor produtividade associada com tal violência. Por outro lado, o fato de que as mulheres não possam controlar livremente sua fertilidade dificulta a chamada “transição demográfica”, na qual as taxas de fecundidade e de mortalidade baixam significativamente. Tal fenômeno permite que o número de crianças dependentes diminua rapidamente em relação à população em idade ativa, o que promove a produtividade, o investimento e o desenvolvimento econômico.

TORNAR VISÍVEL O INVISÍVEL

Esses estudos, assim como outros realizados por diversos organismos internacionais, demonstram que os custos do machismo não são somente psicológicos. Além disso, tornam visível algo que permaneceu oculto durante quase toda a história da humanidade: que o domínio do homem sobre a mulher afeta a todos, não somente às mulheres. Ajudam-nos igualmente a entender a relação exata entre machismo e dominação. O machismo, visto como um conjunto de valores e crenças, provém da desigualdade entre os sexos, mas ao mesmo tempo a alimenta, ao explicar por que os homens devem ter o comando e por que são “superiores” em quase todas as áreas importantes da atividade humana. Em suma, o machismo é a justificação da dominação masculina. Por isso, podemos afirmar sem dúvida alguma que o machismo e a desigualdade sempre caminham de mãos dadas. Lá onde virmos o primeiro, poderemos estar certos da subsistência da segunda, e vice-versa. Em outras palavras, o machismo nunca é inofensivo, nunca é apenas um costume desagradável e, no fim das contas, inócuo.
Muitas pessoas, incluindo muitas mulheres, consideram que o machismo não é mais do que isso, uma forma de ser mais ou menos irritante, sem maiores conseqüências. Quando observamos homens jovens que estão aprendendo e praticando as várias formas de machismo, tendemos a minorar a importância do fato. Pensamos que os jovens são assim mesmo, e que logo deixarão de sê-lo. Curiosamente, os anos passam, e eles continuam os mesmos. Da mesma maneira, costumamos perdoar os ímpetos autoritários dos pais para com os filhos, porque acreditamos que um pouco de disciplina não lhes fará mal; no entanto, nós, psicólogos, lidamos diretamente com indivíduos prejudicados por um pai distante e repressivo. Não damos importância ao fato de que um homem exceda-se gritando e insultando a esposa ou os empregados: “Com certeza está muito estressado”, dizemos, “mas não é má pessoa.” Tendemos a passar por cima de tais manifestações do machismo, porque não as identificamos como tais e porque as justificamos de maneiras muito variadas. Nesse sentido igualmente, o machismo tornou-se invisível.
É difícil distinguir o caráter social do machismo quando estamos tão acostumados a vê-lo como uma característica pessoal. Deveríamos suspeitar de sua verdadeira natureza, ao observar que é tão onipresente e invariável. São homens demais a apresentar esse “caráter forte” próprio do machismo, termo tão comum que deveria nos alertar, porque sempre descreve o mesmo tipo de indivíduo exigente, controlador, impaciente e mal-humorado. Reconhecemos o personagem de imediato, porque todos nós em algum momento já sofremos com suas condutas autoritárias. O fato de o machismo ter sido considerado um atributo pessoal, como geralmente ocorre, contribuiu para torná-lo invisível.
É imprescindível que deixemos de ver o machismo como um traço pessoal, pois isso nos condena a buscar soluções individuais para ele, e estas nada resolvem. Por exemplo, muitas mulheres consideram que são culpadas pela depressão e pela frustração que sentem na vida e que suas próprias deficiências são a causa do mau humor constante de seus companheiros. Sentem-se sobrecarregadas pelas responsabilidades domésticas, não conseguem realizar projetos pessoais e profissionais e concluem que isso decorre da falta de inteligência, motivação ou disciplina. Pensam que as coisas mudariam se fossem mais organizadas ou menos sensíveis... Recorrem à terapia, fazem cursos de meditação e de aprimoramento pessoal e fazem inclusive cirurgia plástica para se sentir melhor..., mas o problema não está nelas, e sim na relação desigual em que estão envolvidas.
Os homens também sofrem terrivelmente devido ao machismo. Nem sempre se dão conta disso, mas a obrigação permanente de mostrar virilidade implica um esforço enorme em todas as áreas da vida. É muito provável que os altos índices masculinos de estresse e alcoolismo, de distúrbios psicossomáticos e disfunções sexuais, de acidentes automobilísticos e atos de violência estejam relacionados ao machismo e à sua necessidade de controle permanente e de monopólio das decisões. Além disso, nos dias de hoje os homens devem satisfazer às exigências de um novo machismo, que está intimamente ligado ao consumismo. Não apenas têm de exibir virilidade constante, mas também projetar uma imagem de êxito e dinamismo transbordante.
A antiga divisão do mundo numa esfera pública própria dos homens e numa esfera privada ou doméstica própria das mulheres perdeu seu sentido. Todos são capazes de desempenhar os papéis e desenvolver as potencialidades que antes se consideravam restritas a um ou a outro sexo. As formas tradicionais de classificar as pessoas, conforme a raça, a riqueza ou o gênero, para que cumpram funções sócias específicas, não são mais compatíveis com uma sociedade cada vez mais complexa e tecnologicamente avançada. As sociedades do século XXI requerem uma flexibilidade muito maior, a fim de selecionar os indivíduos mais qualificados nas respectivas áreas, independentemente do gênero e de outras classificações. Excluir metade da população da vida econômica e política não é apenas injusto e ineficiente: é absurdo,  sob todos os aspectos.
A humanidade viveu até agora uma história dividida, seguiu caminhos paralelos, como se homens e mulheres constituíssem espécies diferentes. É hora de aprender uns com os outros. Trata-se de unir os caminhos, para que as mulheres tenham acesso ao imenso acervo de conhecimentos acumulados pelos homens, e estes sejam capazes de aproveitar a sabedoria milenar das mulheres. A equidade não é apenas uma questão de justiça elementar; dela depende a solução dos problemas que assolam a humanidade desde tempos imemoriais. A longo prazo, não se trata apenas de mudar a relação entre homens e mulheres, mas de ampliar o alcance da condição humana.

 * Formada em Letras, História e Psicologia nas Universidades de Harvard e Stanford, na École Normale Supérieure de Paris e na U.S. International University. Desde 1988 dedica-se ao exercício da psicoterapia na cidade do México e em Cuernavaca.

Um comentário:

Riberto disse...

A Idade Média ainda não foi integralmente ultrapassada !!!