Rodolpho Motta Lima
Notícias dão conta de um levantamento estatístico que apurou a
existência, em nosso país, de cerca de 270 milhões de celulares.
Dependendo da ótica sob a qual se analisem esses dados, há o que
festejar ou o que lamentar.
Em princípio, essa seria uma marca do progresso a que atingiram os
brasileiros, um índice da inclusão gradativa dos segmentos menos
favorecidos, um retrato da ascensão da chamada “nova classe média”.
Mas, será mesmo? Para respondermos de forma efetiva a essa indagação,
teríamos que analisar detidamente o que tais números significam na
realidade. Sabemos, por exemplo, que a maioria das empresas de médio e
grande porte disponibiliza aparelhos celulares para uso profissional por
parte de seus empregados. Uma forma sutil de encontrá-los fora dos
horários ”oficiais” de trabalho e ocupar o seu tempo a serviço
“oficioso” da empresa.
Assim, muitos dos nossos 200 milhòes de cidadãos possuem dois aparelhos celulares, justificando em parte o número total apurado.
Outra circunstância que tem que ser levada em consideração é a
absurda e permanente renovacão de aparelhos por parte dos ”consumidores”
que, nesse caso, fazem jus por inteiro a esse título, já que –
induzidos por uma saraivada de exortações publicitárias - “consomem”o
celular como um bem absolutamente descartável, ao menor indício de uma
novidade na área... É claro que algum peso deve ter esse comportamento
na apuração dos tais 270 milhões.
Uma outra abordagem sobre o efetivo caráter “progressista” dos
números apresentados corre por conta não apenas da eficaz utilização
positiva dos aparelhos por parte de seus proprietários como instrumentos
da comunicação ágil e da informação tempestiva, pelo acesso à Internet ,
mas também, na contramão disso tudo, pelo registro evidente de seu
emprego em atividades absolutamente supérfluas – para não dizer
dispensáveis - dos aparelhos em funções que a propaganda faz avalancar,
mas que, na realidade, são apenas dinheiro jogado fora, ou melhor,
jogado dentro dos cofres das empresas de telecomunicações, talvez em
prejuízo de outras necessidades básicas de muitos dos usuários.
Aqui entramos no lado perverso da sociedade contemporânea, na sua
atual versào do capitalismo. Interesses econômicos de setores
empresariais, da mídia e de órgãos governamentais se unem para conduzir o
cidadão ao consumo supérfluo e depois o deixam à própria sorte,
entregue às feras do mercado. Uma vez no rol dos felizes proprietários
de celular, cujos serviços entre nós são dos mais caros do mundo, ai
dele se precisar de apoio para os inúmeros problemas com que se defronta
– responsáveis por um recorde de reclamações. Enfrentará por horas
(dias?) um impessoal “diálogo” nos “call-centers” da vida, excrecências
que desrespeitam a cidadania e que, na busca de enxugar custos e fugir
do confronto direto com os reclamantes, pousam como marca de uma
modernidade que deveríamos todos rejeitar.
O celular é apenas uma metonímia para esse jogo de sedução/desprezo
que marca os tempos que correm. Se pensarmos nos automóveis, por
exemplo, chegaremos a um quadro que seria extremamente cômico, se não
fosse tão perverso. A indústria automotiva quer faturar o máximo, a
mídia se beneficia de polpudas verbas de propaganda e os governos
arrecadam com impostos excessivos. E lá se vão os recursos dos
poupadores, agora orgulhosos detentores do veículo do ano. Quando
atingem a condição de proprietários, porém, passam a ser acusados de
contribuírem para a poluição planetária, para os engarrafamentos
monumentais (que, aliás, os impedem de desfrutar do carro plenamente),
para a violência no trânsito. E então, em nome da cidadania, tenta-se
convencê-los a deixar o carro em casa... Uma parte deles passa também a
ser execrada como componentes do índice de inadimplência no país. Mas a
indústria continua a produzir crescentemente os instrumentos da poluição
(cada vez mais descartáveis), a propaganda continua seduzindo com
promessas mirabolantes de sucesso pessoal, os governos continuam
arrecadando. Conheço poucas situações tão surreais quanto essa.
Registre-se que esse é um panorama internacional, transcende a realidade
brasileira onde, pelo menos, os impostos, nos últimos anos, têm sido
carreados para programas sociais. De qualquer forma, não estamos imunes a
esses procedimentos.
São as contradições do sinistro sistema que elege uma fictícia
entidade “mercado”como a instituição mais importante no mundo de hoje.
De minha parte, prefiriria que, ao invés da explosão de celulares
dispensáveis e de carros nem sempre necessários, os povos do planeta
estivessem todos plenamente alimentados, integralmente assistidos no
plano da saúde, com educação de qualidade e moradias condignas. Até
porque, se tudo fosse assim, com comunidades bem formadas e informadas,
essa turma do lucro não deitava e rolava como o faz...
Para terminar e mudando de assunto (se é que nào é possível
vinculá-los) , é nítido que a direita catastrófica e demonizadora anda
assanhada com os resultados conseguidos no STF, à custa de princípios
jurídico-políticos pouco claros e, para muitos, casuísticos. Vamos
esperar para ver se os heróis de hoje manterão essa postura em outros
casos que estão aí para ser julgados. Se não o fizerem, restará claro
que o objetivo desse “combate à impunidade” é o de obstruir e minar as
conquistas populares dos últimos anos, na tentativa de fazer retornar ao
comando do país os que servem a interesses que não os do nosso povo.
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